“Estamos a começar uma mistura explosiva entre poder e ignorância. Espero que não nos expluda na cara”, disse Carlos Fiolhais na Torre do Tombo, em Lisboa, na abertura do ciclo de conferências “Mês da Educação e da Ciência – Para Aprender ao Quadrado”, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, uma iniciativa da qual é coordenador.
Na apresentação do ciclo de debates e conferências que hoje se iniciaram e se estendem até 23 de novembro, o físico defendia a importância da educação e da ciência e a sua “ligação íntima” e indissociável quando, depois de uma referência a Charles Darwin e ao arquipélago da Madeira – que o naturalista nunca chegou a visitar – se referiu ao panorama político “do outro lado do Atlântico”, aludindo, ainda que sem os mencionar diretamente, a Trump, nos EUA, ou a Bolsonaro, no Brasil.
Para Carlos Fiolhais, a educação e a ciência têm que ser vistas como a solução para evitar a ascensão de fenómenos como estes.
O primeiro debate colocou lado a lado a professora inglesa e especialista em educação Daisy Christodoulou e o professor do 1.º ciclo, Rui Lima, várias vezes vencedor de um prémio da Microsoft no âmbito da educação inovadora, que discutiram a importância, os méritos e os problemas das escolas inovadoras e da criatividade no ensino.
Se a criatividade deve, ou não, ser ensinada nas escolas, como uma competência autónoma e a aposta num ensino assente em desenvolvimento de projetos multidisciplinares – uma das mudanças introduzidas nas escolas portuguesas com o projeto de autonomia e flexibilização curricular – estiveram em debate.
A especialista britânica, numa visão mais conservadora, defendeu a importância de um ensino mais tradicional, assente em disciplinas individualizadas, até porque entende que “a criatividade não é uma competência genérica e transferível, ou ensinável”, resultando, isso sim, da capacidade de se evocar o conhecimento adquirido, relacionando-o e criar algo de novo.
O conhecimento deve ser, na perspetiva de Daisy Christodoulou, o objetivo primordial do ensino, argumentando contra a ideia do ‘multitasking’ no ensino, ou seja, o conceito de aprendizagem multidisciplinar ou em projeto, o que acabou por ser o principal ponto de discórdia com a exposição do professor Rui Lima, que defendeu que os projetos “potenciam a capacidade de adquirir conhecimento” e de o tornar efetivo e permanente na cabeça dos alunos.
Recusou a ideia de dispersão de atenção neste tipo de ensino, dizendo que ao trabalhar em função de um objetivo se obriga os alunos a um foco no que se pretende atingir e nos meios necessários para lá chegar.
Rui Lima referiu que na sua escola, o colégio particular Monte Flor, os currículos não ficam para trás neste tipo de aprendizagem, refutando, assim, relativamente a este método um dos principais receios dos pais, mas também de professores – seja por resistência à mudança, seja porque no final da escolaridade obrigatória há exames nacionais que condicionam o acesso à universidade.
E exemplificou, dizendo que num ano letivo a sua escola desenvolveu 38 projetos que abrangeram todas as áreas curriculares de forma integrada, dando resposta ao que os currículos previam que fosse trabalhado.
A Batalha de Aljubarrota ocupou um trabalho de projeto de uma das suas turmas, que a trabalhou criando uma animação em vídeo que contava a história de um dos momentos-chave da História de Portugal, e para o qual foi necessário um trabalho de pesquisa, seleção e organização de ideias prévio que levam Rui Lima a afirmar que os alunos também aprendem fazendo.
Não aceita, no entanto, uma ideia de desresponsabilização do professor neste processo, que deve estar sempre presente, acompanhando e monitorizando o trabalho e as aprendizagens, que não devem deixar de ser orientadas pelos docentes, acrescentando que não é partidário da ideia de que os alunos só devem aprender o que quiserem aprender, por ser mais motivador estudar os temas que são do seu interesse, ainda que lhes deva ser permitida uma voz ativa no seu próprio processo de aprendizagem.
Sobre tecnologia, a professora britânica alertou para o potencial distrativo das aprendizagens que aplicações e dispositivos podem representar para crianças e adolescentes e Rui Lima, que sublinhou o carater quase pioneiro de Portugal na introdução de tecnologias nas escolas, criticou que isso tenha acontecido quase numa lógica de despejo ou depósito, sem que a tecnologia tenha representado uma efetiva mudança para as escolas e na forma como nelas se trabalha e educa, ironizando que com computadores os alunos deixaram de escrever em papel para passar a escrever no ‘Word’ e passaram a fazer desenhos no ‘Paint’.
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