“Ali está uma figueira, o bombeiro número um; acolá uma nogueira, o bombeiro número dois”, relatou à agência Lusa Carlos Pedro, apontando para a entrada da propriedade de quatro hectares, onde também não faltam cedros, carvalhos, medronheiros ou castanheiros.
Mas em 17 de junho de 2017, quando o fogo eclodiu no concelho vizinho de Pedrógão Grande e chegou à Ribeira Velha, freguesia de Campelo, a unidade, de quatro hectares, não foi poupada.
Denominada Forte Raposa e instalada a meia encosta da serra da Lousã, o incêndio evitou o alojamento da unidade, mas deixou marcas nestas estruturas, assim como nos equipamentos para atividades, sobretudo desportos radicais, que disponibilizava.
A primeira viatura de bombeiros, dos Voluntários de Penela, distrito de Coimbra, chegaria à aldeia na madrugada seguinte.
“Primeiro pensei que não sobreviveria. Depois de colocar mulher e filha a salvo, foi lutar com os meus ‘bombeiros’ até apagar o incêndio”, contou o empresário, para acrescentar que, após o fogo, pensou “muitas vezes em desistir”.
O empresário viu ser-lhe atribuído um apoio de cerca de 36 mil euros (85% da candidatura), mas gostaria que “o apoio fosse a 100 por cento e que não fosse cobrado IVA”.
Neste aspeto, destaca o trabalho “inestimável” do Centro Investe, da Câmara de Figueiró dos Vinhos e da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro.
Carlos Pedro candidatou-se, ainda, à linha de apoio à tesouraria do Turismo de Portugal, tendo sido informado que aquela estava correta, mas foi excluída “porque a unidade não estava em funcionamento”.
“Como é que podia estar em funcionamento?”, questionou quem antes do incêndio esperava “muita atividade e ocupação do alojamento”, mas viu um verão de “negócio zero”.
Nesta unidade de turismo da natureza, a reconstrução, “também por causa do estado do tempo, “faz-se aos poucos”, com Carlos Pedro a dizer que são “poucos apoios”.
Quanto ao futuro, o empresário, que trocou Aveiro por Figueiró dos Vinhos, de onde era natural o avô paterno, admite que “as expectativas não são muito boas”, considerando que o Estado “tem de fazer mais coisas nestes territórios”.
A este propósito, sugere “isentar as empresas de IRC” ou “chamar médicos e outros serviços”.
Sobre o fogo, que teme que desça novamente a serra, apenas uma constatação: “Nada está resolvido ao nível do ordenamento florestal”.
Segundo o Centro Investe, serviço do município de apoio aos empresários, das 13 empresas do concelho de Figueiró dos Vinhos que foram afetadas pelos incêndios de junho de 2017 e que apresentaram a respetiva candidatura a apoios, todas receberam incentivos para a reposição da atividade económica. As empresas que apenas tiveram danos em matérias-primas não puderam candidatar-se a estes apoios.
Empresas retomam normalidade mas ainda há pessimismo
Madeireiro de profissão, Jorge Henriques, de Castanheira de Pera, um dos concelhos do distrito de Leiria atingido pelos incêndios de junho de 2017, trocou nessa data o corte e venda de pinheiros e eucaliptos verdes pelos de cor negra.
“Cortava pinheiros e eucaliptos verdes, agora são negros. E quando acabar?”, pergunta-se Jorge Henriques, de 41 anos, que há um ano vê o horizonte negro, quer na paisagem, quer no futuro profissional.
Relembrando a grande mancha florestal que esta região do Interior do país tinha antes do dia 17 de junho de 2017, o empresário vaticina que “qualquer dia não há nada para cortar”, embora quisesse ter “mais confiança no futuro, mais esperança”.
A empresa de Jorge Henriques tem mais três trabalhadores e faz parte de dezenas de unidades afetadas pelos fogos.
No seu caso, viu o fogo diminuir-lhe viaturas e equipamentos, mas manteve os funcionários.
“Não despedi ninguém, ninguém foi embora”, assegurou à agência Lusa, insistindo em respostas para a interrogação que muitos outros também fazem: “Está praticamente tudo queimado, a madeira foi-se. Acabando isto, vamos para onde trabalhar?”.
Em Castanheira de Pera, concelho com menor população e área do distrito de Leiria, um cartaz numa das rotundas mantém a lembrança de que “é tempo de renascer das cinzas”, com o município a agradecer a solidariedade.
Jorge Henriques, que acredita que o setor vai “atravessar um mau bocado”, gostaria de ver essa solidariedade traduzida, por exemplo, na descida do preço dos combustíveis, exemplificando que há um ano enchia o depósito do seu camião para transporte de madeira com cerca de 420 euros e agora tem de somar mais 100 euros.
No concelho vizinho de Pedrógão Grande, o empresário Albano Graça, de 63 anos, espera a curto prazo retomar a normalidade do seu posto de combustível, agora que assinou o contrato no âmbito dos apoios à reposição da atividade económica.
Desde 17 de junho de 2017, que foi “todos os dias a perder dinheiro”, porque quem ia ao posto também aproveitava para ir ao café, contíguo, que há um ano regista menos movimento e, por isso, menos negócio.
Albano Graça, que teve amigos e conhecidos que o incêndio levou, aponta o “primeiro sinal” de que o fogo não pouparia a sua empresa, com oficina e reboque, quando “mais de mil pneus começaram a arder”, porque “o lume estava sempre a cair”.
E para quem, como ele, viveu e sobreviveu à tragédia, esta não deixa de estar omnipresente.
Albano Graça, que nos dias seguintes andou a rebocar dezenas de viaturas calcinadas, comenta: “Não lhe digo o que vi dentro dos carros, andei noites sem dormir”.
Nesta aldeia, Outão, como noutras no interior do Interior que já é Pedrógão Grande, as marcas dos incêndios estão difíceis de apagar, não apenas na paisagem, como em edificações ou na sinalética rodoviária, uma grande parte queimada pelos fogos, mas que permanece em vias secundárias.
Porém, aqui, como noutras localidades, o verbo destruir é substituído, paulatinamente, pelo reconstruir, como é o caso de Albano Graça, agora com olhos postos no investimento que se espera traga mais movimento à aldeia.
Em Figueiró dos Vinhos, foi com o apoio de outras empresas que José Carlos Coelho, de 56 anos, conseguiu manter neste último ano a sua agência funerária.
O incêndio consumiu-lhe, além de uma garagem e barracão, três viaturas da agência, tendo posteriormente José Carlos Coelho recebido um apoio na ordem dos 120 mil euros para a sua substituição.
“Nunca deixei de trabalhar com o apoio da agência de Castanheira de Pera, de que sou sócio, e de outros colegas”, referiu o empresário, satisfeito pela forma como decorreu a candidatura, mas sem esquecer que lhe coube “oito serviços de gente conhecida” vítima dos incêndios.
O empresário, habituado a lidar com a morte, precisou: “Uma vez eram quatro urnas numa igreja, é doloroso”.
Em junho de 2017, os incêndios que deflagraram na zona de Pedrógão Grande provocaram 66 mortos: a contabilização oficial assinalou 64 vítimas mortais, mas houve ainda registo de uma mulher que morreu atropelada ao fugir das chamas e uma outra que estava internada desde então, em Coimbra, e que acabou também por morrer. Houve ainda mais de 250 feridos.
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