Ouvido como testemunha na sétima sessão do julgamento do Caso EDP, no Juízo Central Criminal de Lisboa, o ex-administrador, que tinha o pelouro jurídico, disse que o ex-banqueiro lhe passou “notas manuscritas que consubstanciavam um acordo” com Manuel Pinho sobre as funções não executivas que iria ter no Grupo Espírito Santo (GES) e as contrapartidas a que teria direito, devolvendo o esboço a Salgado em 05 de março de 2004.
“Foi-me solicitado expressamente por Ricardo Salgado que era uma carta diretamente do acionista, da ESFG, para Manuel Pinho”, contou o ex-administrador, sublinhando ter deixado em branco os espaços para os valores, que seriam preenchidos pelo então presidente do BES, e que “estava longe de imaginar em 2004 que Manuel Pinho fosse ser ministro”.
O Ministério Público (MP) alega que Salgado e Pinho estabeleceram em 2005 “um pacto” para este último agir no Governo em favor dos interesses do GES, enquanto a defesa do ex-ministro realça que a saída da instituição em 2005 se efetivou com as condições já definidas na cessação de funções executivas em março de 2004 e antes de Pinho saber que iria integrar o Governo.
Rui Silveira explicou ainda a questão da pensão de reforma de Manuel Pinho aos 55 anos e com 100% do salário pensionável, conforme constava desse acordo de 2004, deixando implícito que houve uma diferença na interpretação jurídica da cláusula e que o ex-ministro não preenchia as condições para aceder à reforma com essa idade, mas apenas aos 65 anos.
“Se estiver [aos 55 anos] em funções executivas, pode entrar na reforma e auferir imediatamente. Não estando em funções executivas, é um direito que se vence aos 65 anos”, disse, reforçando que o ex-ministro conhecia o regulamento de pensões para administradores: “Foi reconhecido o direito, que se vencia aos 65 anos. Ele poderá ter pensado que seria esse o resultado
, mas não era”.
Arrolado pelo MP como testemunha, Rui Silveira foi ainda questionado sobre os prémios pagos no estrangeiro pelo BES, admitindo que também recebeu dessa forma desde que integrou a comissão executiva em 2000 e até 2004. Contudo, reiterou que os pagamentos de prémios eram feitos anualmente e não mensalmente, como Manuel Pinho alega ter recebido na ‘offshore’ Tartaruga Foundation por decisão de Ricardo Salgado enquanto esteve no Governo.
Segundo o ex-administrador, ele e Joaquim Goes – outro ex-administrador ouvido hoje – manifestaram desconforto com a prática e contribuíram para o seu fim, apesar de ter sido depois confrontado com verbas que recebeu no estrangeiro provenientes do ‘saco azul’ do GES.
Perante documentos do MP que apontavam para um prémio de 179 mil euros que estava previsto ser-lhe pago em 2014, Rui Silveira começou por afirmar que não se lembrava e mais tarde revelou que tinha também “uma avença” enquanto advogado da família Espírito Santo desde os anos 80. “Não tinha nada a ver com o BES. Não sabia quem pagava, tinha uma avença com o GES”, salientou, declarando também que regularizou a sua situação fiscal.
Sobre os financiamentos em 2010 à campanha de Cavaco Silva para um segundo mandato como Presidente da República, que foram conhecidos na acusação do MP no processo Universo Espírito Santo, em 2020, Rui Silveira começou por descrever o assunto como “um ‘fait-divers’”, mas acabou por reconhecer que o dinheiro foi-lhe restituído através de uma sociedade do GES: “Fiz isso e depois foi-me creditado”.
Por outro lado, respondendo às questões da defesa de Ricardo Salgado, o ex-administrador garantiu ter divergido “muitas vezes” do ex-presidente do BES, rejeitando a alegação feita por José Maria Ricciardi neste julgamento de que o seu primo tinha “na mão” a comissão executiva.
“Não, de todo. Havia mais colegas reativos. Eu era reativo e independente. Questionei e dei pareceres negativos a muitas operações. Esta narrativa é um viés, é toda uma mentira pegada”, afirmou.
Hoje prestou também depoimento o ex-administrador Joaquim Goes, que assumiu não saber de pagamentos feitos a diversos quadros do GES após a alteração de 2004. “Se me pergunta se em 2010 tinha conhecimento destes pagamentos, não. Hoje sei que ainda era uma prática que abarcava bastante gente. Admito que houvesse entendimentos diretos com Ricardo Salgado”, disse.
Confrontado pela defesa de Manuel Pinho, assumiu ainda não ter tido conhecimento de que António Miguel Natário Rio Tinto, que foi vogal da ES Informática que Joaquim Goes presidiu e que é ex-marido da juíza-adjunta Margarida Ramos Natário, também recebeu transferências a partir do ‘saco azul’ do GES.
“Conheci bem o Eng. Rio Tinto, também exerceu outras funções no grupo. Havia remunerações que eram concedidas há já vários anos. Pode ser que essa remuneração tenha sido acordada com Ricardo Salgado ou alguém do Grupo e quando eu exerci funções na ES Informática o Eng. Rio Tinto não veio comigo a dizer que também recebia”, referiu Joaquim Goes.
Foram igualmente ouvidos na sessão de hoje as testemunhas Carlos Andrade e Nazaré Vilar.
O julgamento prossegue na segunda-feira, às 09:30, com os depoimentos de António Vitorino, Vasco Mello, Manuel Espírito Santo Silva e Carlos Beirão da Veiga.
Manuel Pinho, em prisão domiciliária desde dezembro de 2021, é acusado de corrupção passiva para ato ilícito, corrupção passiva, branqueamento e fraude fiscal.
A sua mulher, Alexandra Pinho, está a ser julgada por branqueamento e fraude fiscal - em coautoria material com o marido -, enquanto o ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, responde por corrupção ativa para ato ilícito, corrupção ativa e branqueamento.
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