Segundo a mesma fonte, a casa do ex-governante, em Leiria, foi alvo de buscas judiciárias na segunda-feira.

No âmbito do mesmo processo, a Polícia Judiciária (PJ) está hoje a fazer buscas em duas unidades do Serviço Nacional de Saúde (uma delas o Hospital Santa Maria) e em instalações da Segurança Social.

Uma nota do Ministério Publico (MP) divulgada na página do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) Regional de Lisboa, explica que estão em causa factos suscetíveis de configurar "crime de prevaricação, em concurso aparente com o de abuso de poderes, crime de abuso de poder na previsão do Código Penal e burla qualificada".

Contactada pela Lusa, fonte da Unidade Local de Saúde (ULS) de Santa Maria disse que prestará "toda a colaboração às autoridades" e que esta semana foi enviado à Comissão Parlamentar de Inquérito "um extenso dossiê" com as respostas às questões feitas pelos deputados.

A informação sobre as buscas foi avançada hoje pelo Correio da Manhã e pela CNN Portugal.

Em comunicado, a PJ adianta que são 11 os mandados de busca e que as operações decorrem na Área Metropolitana de Lisboa com a participação de 40 inspetores da Unidade Nacional de Combate à Corrupção, peritos informáticos, magistrados do MP e juízes.

A Polícia Judiciária adianta que nas diligências de hoje se procura recolher equipamento de telecomunicações, informáticos, prova de natureza documental, correio eletrónico.

Em causa está o tratamento em 2020 de duas gémeas residentes no Brasil, que adquiriram nacionalidade portuguesa, com o medicamento Zolgensma. Com um custo total de quatro milhões de euros (dois milhões de euros por pessoa), este fármaco tem como objetivo controlar a propagação da atrofia muscular espinal, uma doença neurodegenerativa.

O caso foi divulgado pela TVI em novembro passado e está ainda a ser investigado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), tendo a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) já concluído que o acesso à consulta de neuropediatria destas crianças foi ilegal.

Também uma auditoria interna do Hospital Santa Maria concluiu que a marcação de uma primeira consulta hospitalar pela Secretaria de Estado da Saúde foi a única exceção ao cumprimento das regras neste caso.

A comissão de inquérito ao caso das gémeas tratadas com o medicamento Zolgensma agendou já o início das audições para 17 de junho, com depoimento do antigo secretário de Estado Adjunto e da Saúde António Lacerda Sales.

A então ministra da Saúde, Marta Temido, reagiu à investigação.

Cronologia de acontecimentos entre os últimos meses de 2023 e o primeiro semestre de 2024:

2023

03 novembro

TVI transmite reportagem em que refere que o Hospital de Santa Maria “abriu uma auditoria para perceber como é que duas gémeas que vivem no Brasil receberam em Lisboa um tratamento de quatro milhões de euros”, havendo “suspeitas de que isso tenha acontecido por influência do Presidente da República”.

04 novembro

Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, nega que tivesse intercedido junto do Hospital de Santa Maria, ou de qualquer outra entidade, para que duas crianças brasileiras pudessem beneficiar de tratamentos no Serviço Nacional de Saúde

06 novembro

Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) anuncia abertura de um processo de inspeção.

08 novembro

O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte instaura uma auditoria interna.

22 novembro

A antiga ministra da Saúde Marta Temido manifesta disponibilidade para prestar esclarecimentos que lhe peça o parlamento, o Ministério Público ou entidades da saúde sobre o caso, depois de a Iniciativa Liberal (IL) ter anunciado um requerimento para pedir a audição parlamentar urgente da ex-governante socialista, bem como do seu antigo secretário de Estado António Lacerda Sales e da antiga e da atual administração do Hospital Santa Maria.

Chega pede para ouvir Lacerda Sales.

24 novembro

Ministério Público confirma investigação ao caso.

28 novembro

Presidente da República saúda a abertura pelo MP de um inquérito, dizendo que “era importante o esclarecimento dessa matéria, ou por iniciativa daqueles que trabalhavam na instituição em causa, ou por auditoria interna ou por qualquer forma de investigação”.

01 dezembro

Presidente da República reitera que não falou com qualquer entidade para influenciar o tratamento e mostra-se disponível para ir a tribunal.

04 dezembro

Presidente da República confirma que o seu filho o contactou e defende que o tratamento dado ao caso foi neutral e igual a tantos outros.

05 dezembro

Lacerda Sales afirma que nenhum secretário de Estado tem poder para marcar consultas e influenciar ou violar a consciência e a autonomia de qualquer médico.

Advogado da família das gémeas, Wilson Bicalho, recusa a existência de qualquer cunha, salientando que o acesso das crianças ao tratamento até foi dos casos mais demorados.

O Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN) esclarece que a auditoria interna sobre o processo de administração de medicação para a atrofia muscular espinhal não se resume ao caso.

06 dezembro

O ex-primeiro-ministro António Costa afirma que o seu gabinete seguiu os procedimentos habituais de reencaminhamento no caso, após receber uma comunicação da Casa Civil da Presidência da República.

Antigo ministro da Saúde Manuel Pizarro considera que seria inaceitável que uma decisão clínica fosse ultrapassada por uma pressão política.

07 dezembro

Partido Socialista (PS) chumba audição parlamentar dos ex-governantes Marta Temido e Lacerda Sales, mas a IL usa o seu direito de chamá-los ao parlamento.

PS anuncia que vai chamar ao parlamento o ex-ministro da Saúde Manuel Pizarro e a presidente do Hospital de Santa Maria para prestarem esclarecimentos.

Chega anuncia que vai pedir a audição obrigatória do presidente do Infarmed.

IGAS indica estar a ouvir profissionais de saúde, gestores de hospitais, organismos do Ministério da Saúde e familiares das gémeas.

Lacerda Sales afirma que aguarda por documentação para se poder “tentar relembrar” do caso.

Ordem dos Médicos (OM) volta a requerer ao Hospital de Santa Maria “dados concretos” sobre o caso.

Presidente da República declara não ter tido conhecimento de quaisquer diligências junto do Ministério da Saúde no caso após o envio do respetivo dossiê para o Governo.

08 dezembro

Bastonário da OM, Carlos Cortes, diz que vai pedir a Manuel Pizarro para insistir que seja facultada a informação, no seu domínio de intervenção, sobre o caso.

10 dezembro

IL anuncia que vai pedir audição parlamentar de Nuno Rebelo de Sousa e espera que o PS não volte “a bloquear estes esclarecimentos”.

11 dezembro

O diretor da PJ revela que ainda não foi chamada para a investigação do Ministério Público, enquanto a procuradora-geral da República admite vir a dar mais esclarecimentos no futuro.

Presidente do PSD e atual primeiro-ministro, Luís Montenegro, diz que o partido não vai obstaculizar uma eventual proposta da IL de audição parlamentar do filho do Presidente da República.

12 dezembro

OM pede ao Conselho Disciplinar da Região Sul que avalie o comportamento dos médicos envolvidos no caso para perceber se há matéria disciplinar em que possa ter intervenção.

No mesmo dia, Lacerda Sales considera o inquérito aberto pela OM como uma “inqualificável intromissão na atividade de um órgão de soberania”.

13 de dezembro

PSD considera de “bom-tom” que todos sejam escrutinados no caso das gémeas tratadas em Portugal, incluindo decisores políticos como o ex-secretário de Estado Lacerda Sales.

CHULN recebe relatório final da auditoria interna, que concluiu que a marcação de uma primeira consulta no hospital de Santa Maria pela secretaria de Estado da Saúde foi a única exceção ao cumprimento das regras.

A primeira consulta no Hospital de Santa Maria ocorreu a 05 de dezembro de 2019, altura em que estavam em funções na Secretaria de Estado da Saúde António Sales e Jamila Madeira.

Lacerda Sales garante que não marcou qualquer consulta no SNS.

Conselho de Administração do CHULN revela que foram tratadas 10 crianças com atrofia muscular espinhal desde 2019, com um custo superior a 16,4 milhões de euros.

A então presidente do Conselho de Administração do CHULN e atual ministra da Saúde, Ana Paula Martins, é notificada pelo Departamento de Investigação e Ação Penal para ser ouvida no inquérito ao caso.

Ex-diretor clínico do Hospital de Santa Maria Luís Pinheiro afirma que nunca foi contactado pelo Presidente da República.

Chega e a IL anunciam que vão propor uma comissão parlamentar de inquérito para esclarecer o caso e averiguar se foi uma situação excecional.

14 dezembro

Lacerda Sales considera que a “intromissão da Ordem dos Médicos” ao pretender avaliar condutas exercidas fora da profissão é uma “clara ofensa ao Estado de Direito”.

Antigo presidente da Assembleia da República Augusto Santos Silva afirma que a Ordem dos Médicos não tem poder para abrir inquérito disciplinar a Lacerda Sales por atos que este praticou enquanto secretário de Estado da Saúde.

PS considera incompreensível e inusitado que a Ordem dos Médicos tenha instaurado um inquérito ao deputado Lacerda Sales e recusou participar numa “degradação das instituições” ao viabilizar as audições do ex-governante e de Marta Temido.

No entanto, o bastonário da Ordem dos Médicos considera “estranho o boato” que foi lançado de haver um processo disciplinar a António Lacerda Sales, assegurando que “não há nenhum processo, nem nunca houve a intenção de existir” contra o ex-governante.

18 dezembro

Presidente da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed), Rui Santos Ivo, garante que os pedidos de acesso ao medicamento administrado às gémeas foram céleres e que chegaram através do Hospital de Santa Maria.

19 dezembro

O bispo de Leiria-Fátima, José Ornelas, afirma que é contra as cunhas, mas se salvarem vidas, “não fazem mal a ninguém”.

20 dezembro

Chega e IL criticam PS por rejeitar audições parlamentares, enquanto o então ministro da Saúde Manuel Pizarro se recusa a responder a diversas perguntas sobre o caso, sublinhando não querer interferir nas investigações em curso.

22 dezembro

Lacerda Sales admite ter-se reunido com o filho do Presidente da República, num encontro em que Nuno Rebelo de Sousa lhe falou do caso, mas continua a negar ter marcado qualquer consulta.

24 dezembro

Marcelo Rebelo de Sousa afirma que o seu filho se reuniu com Lacerda Sales, porque não o conseguiu através da Presidência da República.

2024

03 janeiro

O presidente do Infarmed garante que não sofreu pressão “seja de quem for” para autorizar o uso do Zolgensma.

PS, PSD, IL e Chega aprovam um requerimento para ouvir no parlamento a então ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, sobre o processo de atribuição de nacionalidade portuguesa às duas crianças.

04 janeiro

Catarina Sarmento e Castro justifica a celeridade na atribuição da nacionalidade às gémeas por o processo já vir instruído do consulado no Brasil e por as crianças terem progenitor português.

A comissão parlamentar da Transparência autoriza a antiga ministra Marta Temida e o ex-secretário de Estado António Lacerda Sales a prestarem depoimentos à IGAS.

04 abril

Chega anuncia que vai avançar com o pedido para a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito.

IGAS conclui que o acesso à consulta de neuropediatria foi ilegal.

Lacerda Sales critica IGAS por ter dado menos valor à sua palavra do que à da sua secretária pessoal, que contactou o Hospital de Santa Maria para agendar a consulta das gémeas.

Infarmed assegura que “cumpriu a legislação em vigor em matéria de Autorização de Utilização Excecional” de medicamentos.

05 abril

A coordenadora do BE, Mariana Mortágua, pede sanções, considerando que está em causa a credibilidade do SNS, e sustenta que o Chega “quer espetáculo” com o inquérito parlamentar.

Presidente da República afirma que “o Ministério Público considerou que era segredo de justiça” a documentação da Presidência da República.

08 abril

Secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, defende que se está a banalizar as comissões parlamentares de inquérito e que “não vai acrescentar nada”, remetendo uma decisão para o grupo parlamentar.

09 abril

André Ventura anuncia que vai impor a constituição uma comissão parlamentar de inquérito, enquanto o PCP acusa o Chega de querer “escarafunchar o assunto”.

10 abril

Chega confirma que entregou um requerimento subscrito pelos seus 50 deputados para impor a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito.

13 maio

Hospital de Santa Maria é notificado pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa para realizar uma consulta ‘online’ às gémeas.

22 maio

A comissão parlamentar de inquérito toma posse para verificação da legalidade e da conduta dos responsáveis políticos alegadamente envolvidos nos cuidados de saúde das duas crianças.

Na tomada de posse, o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, pede que o parlamento “saia mais uma vez prestigiado” com as conclusões da comissão parlamentar de inquérito.

24 maio

Decorre a primeira reunião de mesa e coordenadores da comissão de inquérito.

28 maio

Partidos propõem ouvir Presidente da República e o seu filho Nuno Rebelo de Sousa, além de várias dezenas entidades e personalidades, como ex-ministra da Saúde Marta Temido e o ex-secretário de Estado António Lacerda Sales.

29 maio

Chega apela ao Presidente da República que preste esclarecimentos ao parlamento e “não se refugie” no regime jurídico dos inquéritos parlamentares.

No mesmo dia, o partido indica o nome de Cristina Rodrigues para ser a relatora da comissão parlamentar de inquérito.

02 junho

PJ investiga eventuais crimes de abuso de poder e tráfico de influência, adiantam as televisões.

03 junho

Ex-secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales foi constituído arguido, tendo a sua residência em Leiria sido alvo de buscas da judiciária.

04 junho

Comissão de inquérito agenda o início das audições para 17 de junho com o depoimento do antigo secretário de Estado Adjunto e da Saúde António Lacerda Sales às 14:00.

06 junho

Polícia Judiciária faz buscas em duas unidades do Serviço Nacional de Saúde (uma delas o Hospital Santa Maria) e em instalações da Segurança Social estando em causa factos suscetíveis de configurar "crime de prevaricação, em concurso aparente com o de abuso de poderes, crime de abuso de poder na previsão do Código Penal e burla qualificada".