Por opção de Carla Silva apenas será ouvida a sua voz e não será filmada. A transmissão da comissão pode ser acompanhada aqui.

A ex-secretária pessoal de Lacerda Sales começou por admitir ao deputado do PS João Paulo Correia, que conhecia os médicos do serviço de Pediatria e Neuropediatria do Hospital de Santa Maria, tendo em conta uma passagem anterior pelo Santa Maria.

Mais ainda destaca como já tinha dito à IGAS (Inspeção Geral de Atividades em Saúde), que foi Lacerda Sales que lhe pediu para entrar em contacto com Nuno Rebelo de Sousa. “Disse-me que havia duas crianças para as quais era solicitada uma consulta”.

De acordo com o relatório da IGAS sobre este caso, foi Carla Silva quem contactou o Hospital de Santa Maria para marcar a consulta das gémeas - uma informação já negada por Lacerda Sales.

Recorde-se que no relatório, o IGAS explicou que Carla Silva remeteu informações como “a identidade das crianças, data de nascimento, diagnóstico e datas em que os pais poderiam estar presentes” para o Hospital de Santa Maria sob orientação do ex-secretário de Estado.

Carla Silva admite que não se recorda de marcar reunião entre Lacerda Sales e Nuno Rebelo de Sousa e diz que tendo em conta o tempo que passou, quatro anos, não se consegue lembrar.

Diz ainda aos deputados que antes de enviar os dados das crianças ao Santa Maria, telefonou à diretora do serviço de Pediatria “a pedido logicamente do secretário de estado da Saúde”.

“O que ficou combinado no telefone era que lhe iria enviar os dados”, diz Carla Silva.

“Perante a ordem que recebi do senhor secretário de estado, nunca me passou pela cabeça que houvesse alguma irregularidade”, revela.

“Não fiz nada que o senhor secretário de Estado não soubesse ou não me tivesse pedido”, garante a antiga secretária.

Já a ser questionada por André Ventura sobre declarações feitas por Lacerda Sales, que a responsabilizou pela marcação da consulta das gémeas, diz apenas que não tem “nada tenho a comentar”.

Confirma também que reencaminhou para Lacerda Sales o email de Nuno Rebelo de Sousa que tinha relacionando outro email, de Daniela Martins, mãe das gémeas em que esta agradece a Lacerda Sales o apoio dado às crianças.

Carla Silva diz igualmente que foi Lacerda Sales quem lhe deu o contacto de Nuno Rebelo de Sousa e lhe pediu para recolher os dados das crianças com o filho do presidente.

Sobre a chamada que precedeu o e-mail, Carla Silva diz que “havia um pedido para uma avaliação clínica, uma consulta, a pedido logicamente do senhor secretário de Estado da Saúde na qual ficou combinado eu enviar os dados clínicos das crianças”. O envio do e-mail à diretora do departamento de pediatria do Hospital de Santa Maria “ficou combinado no telefonema com Ana Lopes”, sendo que “não iria transmitir dados clínicos de crianças por telefone”.

Já o e-mail enviado de Nuno Rebelo de Sousa, diz que existe um “lapso temporal” e que não consegue fazer “nenhuma reconstituição pelos backups do meu tempo no ministério da Saúde da forma como foi enviado os dados das crianças, possivelmente deverá estar nos servidores”. “Nos meus backups não tenho acesso a essa informação, não sei como é que os dados me foram enviados, se por e-mail, se por WhatsApp. Possivelmente terá sido o doutor Nuno Rebelo de Sousa a enviar-me esses dados. Os contactos que nós fizemos foram estes”, diz.

Sobre falar com Nuno Rebelo de Sousa sublinha que esta foi uma conversa "muito profissional". "Apresentei-me como sendo secretária do senhor secretário de Estado em que tinha tido indicação de que havia um pedido de marcação de consulta, uma sinalização e o teor da conversa foi nesse sentido”, afirma.

Em resposta a André Ventura, do Chega, sublinha que não comenta o facto de Lacerda Sales lhe ter imputado a responsabilidade da marcação da consulta e diz que  “não” achou estranho enviar os dados de menores sem ter autorização dos pais. “Nunca contactei com os pais”.

André Ventura questiona ainda o porquê de ter pedido o regime de proteção de testemunhas e Carla Silva diz que “não” sofreu qualquer pressão por parte de qualquer instituição. “Não sei o que está por detrás deste processo, tenho de preservar a minha privacidade”, sublinha.

Seguem-se as respostas à deputada da Iniciativa Liberal Joana Cordeiro em que revela que Lacerda Sales a contactou, “em novembro ou dezembro do ano passado” a propor-lhe um encontro. “Pretendia encontrar-se comigo para me fazer uma pergunta. Não sei se era no âmbito deste caso”, disse Carla Silva. Porém, esta conversa nunca chegou a existir.

“Eu tinha horários muito complicados, estava num gabinete ministerial, transmiti ao Dr. Lacerda Sales que poderia ser no ministério, eu poderia descer e falávamos”, revelou. Lacerda Sales terá respondido que “já não era necessário” falarem.

Diz ainda que sentir-se “um bode expiatório” neste caso. “Temos um ex-secretário de estado da saúde a negar qualquer intervenção neste caso e a levantar suspeições em relação a mim, que era se secretária do gabinete — supostamente de confiança”, aponta.

Sublinha que “não” se arrepende de nada, mas se fosse hoje “teria feito de outra forma”, “teria colocado o senhor secretário de Estado diretamente em contacto com o hospital”. Na altura não colocou em CC Lacerda Sales porque diziam no gabinete “para não o fazer em assuntos não relevantes” e achou que “não era relevante”. “Mas isso não anula o facto de o senhor secretário de Estado não tivesse conhecimento”, revela.

Mais à frente na audição garantiu ao deputado do Livre Paulo Muacho que não era frequente contactar com hospitais, para realizar marcações de consultas ou para fazer outro tipo de pedidos.

No intervalo do inquérito a Carla Silva, antes do início da segunda ronda, o presidente da comissão, Rui Paulo Sousa, disse aos jornalistas que os serviços da Assembleia da República disponibilizaram “dois ou três guardas da GNR” para fazer o acompanhamento da ex-secretária do ex-governante.

Apesar de, segundo o Observador, o Canal Parlamento falhar na reserva da imagem e mostrar Carla Silva logo no arranque da comissão de inquérito, durante alguns segundos.

O que aconteceu neste caso?

Neste caso está em causa o tratamento hospitalar (em 2020) de duas crianças gémeas residentes no Brasil que adquiriram nacionalidade portuguesa e receberam no Hospital de Santa Maria (Lisboa) o medicamento Zolgensma. Com um custo de dois milhões de euros por pessoa, este fármaco tem como objetivo controlar a propagação da atrofia muscular espinal, uma doença neurodegenerativa.

O caso foi divulgado pela TVI, em novembro passado, e está ainda a ser investigado pela Procuradoria-Geral da República, que disse que “o inquérito tem arguidos constituídos”, e a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde já concluiu que o acesso à consulta de neuropediatria destas crianças foi ilegal.

Também uma auditoria interna do Hospital Santa Maria concluiu que a marcação de uma primeira consulta hospitalar pela Secretaria de Estado da Saúde foi a única exceção ao cumprimento das regras neste caso.