O documento, assinado por figuras como a escritora Alice Vieira, o deputado José Manuel Pureza, o jornalista Jorge Wemans ou o ex-presidente da Cáritas, Eugénio Fonseca, é perentório: “Se queremos manter um diálogo com a sociedade a que pertencemos e que servimos, não existe alternativa!”.
“Tem sido com enorme angústia e embaraço que assistimos nas últimas semanas a um surto de artigos de opinião publicados na imprensa de referência sobre os crimes de abuso sexual pelo clero católico e a incapacidade de a Igreja os prevenir. Sem exceção, esses artigos veiculam posições muito críticas sobre as origens do fenómeno e uma apreciação severa à quietude ou ambiguidade a que a hierarquia portuguesa se remeteu a este respeito”, assinalam os subscritores da carta, de que foi também dado conhecimento ao Núncio Apostólico em Portugal.
Dizendo adivinhar “a resposta ao pressuposto antecipado da existência de vítimas no contexto da realidade portuguesa: quase não há casos participados”, os mais de 240 subscritores da missiva defendem que “tal não pode seriamente ser considerado como argumento porque está hoje consolidada e consensualizada a consciência de que este tipo de atuação, observado na Igreja Católica em todas as latitudes e ambientes culturais, é sistémico e diretamente relacionado com o exercício do poder no seu interior e, noutro plano, com as manobras de encobrimento passivo ou ativo”.
“Só a verdade nos permite um relacionamento livre e transparente com aqueles a quem a nossa fé nos convida a servir. Por isso, acreditamos que só uma investigação profunda e independente pode confirmar essa eventual excecionalidade da Igreja em Portugal. Se essa iniciativa não for tomada, receamos que a inação da CEP seja vista pela sociedade portuguesa como encobrimento”, advertem.
“Apelamos veementemente à CEP que se alinhe com as orientações do Papa Francisco e tome, com caráter de urgência, a decisão de lançar uma investigação nacional rigorosa, abrangente e verdadeiramente independente, com o arco temporal de 50 anos, a cargo de uma comissão de peritos constituída exclusivamente por leigos católicos, por não crentes, por profissionais das ciências sociais e da justiça, cuja autonomia e independência sejam absolutamente inquestionáveis, ainda que possa, eventualmente, ser assessorada por algum elemento do clero”, acrescentam.
Segundo os subscritores da carta, “esta investigação não deverá ser conduzida pela comissão nacional que se julga estar a ser preparada [pela CEP], nem, evidentemente, por ela substituída”.
“É nossa fundamentada convicção que se a CEP não tomar, de imediato, esta iniciativa, nos termos referidos, a investigação acabará por ter lugar por decisão política, o que significará, com toda a certeza, um agravamento de custos reputacionais para a Igreja, mais uma tristeza que todos nós queremos firmemente evitar”, concluem.
Hoje, em Fátima, o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) assegurou que a Igreja portuguesa tudo fará para “proteger as vítimas, apurar a verdade histórica” e impedir situações de abuso sexual no seio da instituição.
Na abertura da 201.ª Assembleia Plenária da CEP, que tem a questão dos abusos no seio da Igreja como tema que suscita as maiores atenções, sendo dada como certa a criação de um grupo coordenador nacional para tratar do tema, o também bispo de Setúbal, José Ornelas, disse que o tema é “desafiador para toda a sociedade” e que a Igreja o toma “como prioritário”.
“É um dos assuntos desta Assembleia, no propósito de verificar os processos em curso, articular melhor as instâncias diocesanas e a coordenação nacional, de modo a oferecer oportunidades seguras e fiáveis no acolhimento de denúncias e acompanhamento às vítimas de abusos, na clarificação de processos e, sobretudo, na formação de pessoas”, disse o presidente da Conferência Episcopal, deixando a garantia: “Faremos tudo para proteger as vítimas, apurar a verdade histórica e impedir estas situações dramáticas que destroem pessoas e contradizem o ser e a missão da Igreja”.
José Ornelas aproveitou ainda o momento para citar o Papa Francisco, segundo o qual “a proteção dos menores é, cada vez mais, concretamente, uma prioridade ordinária na ação educativa da Igreja, é promoção de um serviço aberto, fiável e autorizado, em firme contraste com qualquer forma de dominação, desfiguração da intimidade e silêncio cúmplice”.
Como admitiu o secretário da CEP, padre Manuel Barbosa, em 12 de outubro, a Igreja Católica em Portugal vai avançar com a constituição de uma comissão nacional de coordenação das comissões diocesanas de proteção de menores e adultos vulneráveis.
Esta comissão terá como objetivo definir critérios e procedimentos comuns às 21 comissões diocesanas, bem como prestar-lhes apoio, nomeadamente na gestão da informação.
A criação de um manual de procedimentos comum a todas as dioceses e organismos da Igreja perante denúncias de abuso sexual será um dos objetivos do grupo coordenador a ser criado na Assembleia Plenária do episcopado que hoje começou e se prolonga até à próxima quinta-feira.
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