No livro “Quinta-feira e outros dias”, que chegou hoje às livrarias e será apresentado ao final da tarde pelo antigo chefe de Estado, Cavaco Silva centra-se na coabitação entre 2006 e 2011 com o então primeiro-ministro socialista José Sócrates.
Contudo, no 13.º capítulo, sobre “a interrupção voluntária da gravidez”, o ex-Presidente da República fala brevemente do atual Governo, liderado pelo socialista António Costa, que tem o apoio parlamentar de BE, PCP e PEV, recordando um dos seus últimos vetos políticos: a revogação aprovada a 18 de dezembro de 2015 às alterações à lei da interrupção voluntária da gravidez votadas por PSD e CDS-PP antes do verão.
Com as alterações então introduzidas, lembra o antigo Presidente, reforçavam-se os direitos de informação das mulheres, estabelecia-se a obrigatoriedade de acompanhamento psicológico e revogava-se a norma que impedia os médicos de invocar objeção de consciência, indo assim ao encontro das “preocupações” que Cavaco Silva tinha manifestado em 2007, quando promulgou a lei sobre a despenalização do aborto.
A lei, aprovada por PSD e CDS-PP ,”veio a ser alvo da falta de bom senso e do afã revisionista da coligação parlamentar formada pelo PS, pelo BE, pelo PCP e pelo partido ecologista ‘Os Verdes'”, escreve Cavaco Silva.
A revogação das alterações, continua o antigo chefe de Estado, foi feita “de modo apressado e irrefletido”, sem que tivesse ocorrido debate público, uma adequada ponderação dos interesses em causa ou qualquer auscultação de entidades ou personalidades de referência.
Por considerar que a revogação das alterações representava um “claro retrocesso na defesa dos diversos valores” e em “defesa do interesse nacional”, Cavaco Silva vetou a “lei revogatória”.
“Era um caso típico em que o Presidente da República não podia ter qualquer dúvida em enfrentar a maioria parlamentar, mesmo que, por radicalismo ideológico, esta se revelasse obstinada, e confirmasse a lei – como veio, de facto a verificar-se”, refere.
Cavaco Silva estabelece mesmo uma comparação entre o “sentido de equilíbrio” demonstrado em 2007 por José Sócrates, na sequência da vitória do “sim” no referendo, e a atitude da maioria que aprovou oito anos depois a revogação das alterações introduzidas meses antes.
“O PS e o seu líder tinham então demonstrado um sentido de equilíbrio que estivera ausente na reversão aprovada pelo parlamento em dezembro de 2015. A explicação, concluo, deve residir no facto de, em 2007, o Governo do PS não depender, para a sua sobrevivência política, dos apoios do BE e do PCP e da influência negativa que estes partidos passaram a exercer na governação do país”, lê-se no final do capítulo reservado à interrupção voluntária da gravidez.
Mais à frente, no capítulo intitulado “a última quinta-feira”, no qual relata a última reunião semanal que teve com José Sócrates, a 16 de junho de 2011, volta às críticas aos comunistas e bloquistas.
Não obstante muitas críticas e acusações ao antigo primeiro-ministro, nomeadamente de lhe ter mentido, Cavaco Silva reconhece o facto de José Sócrates nunca se ter deixado “capturar” pelo PCP ou pelo BE.
“Sempre o vi bem consciente de que o caminho defendido por estes partidos seria desastroso para Portugal e para os portugueses. O caminho leninista que querem implementar só tem gerado miséria e totalitarismo”, diz Cavaco, considerando que se José Sócrates “tivesse ido por aí”, a herança deixada pelos seus Governo teria sido muito pior.
“A verdade é que não existe na Europa, nem tão pouco no mundo, qualquer país que seja desenvolvido e que registe um caminho de sucesso tendo partidos da extrema-esquerda a determinar a condução da política económica”, acrescenta.
Nos parágrafos finais do livro, com perto de 600 páginas, Cavaco Silva volta a falar do Governo liderado por António Costa, confessando que logo no dia a seguir às eleições de 04 de outubro de 2015 teve “a perceção” que o agora primeiro-ministro, “rompendo com a tradição de 40 anos do seu partido, já estava trabalhar num entendimento de Governo com o Partido Comunista Português e o Bloco de Esquerda”.
Falando nas “grandes preocupações” que as confederações patronais, a UGT, os presidentes dos maiores bancos e economistas lhe tinham transmitido em relação à hipótese de um “Governo do PS apoiado pela extrema-esquerda”, Cavaco termina o livro remetendo para o próximo volume da obra.
“Mas, essa é uma história que não faz parte deste volume”, conclui.
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