No arraial, onde participam mais de meio milhar de pessoas e que está a ser acompanhado por um forte dispositivo de segurança, ouvem-se palavras de ordem como “racistas, fascistas não passarão” e “abaixo Mário Machado” e veem-se cartazes com mensagens como “facho, és o único estrangeiro do bairro” ou “todos os imigrantes são bem vindos”.
Em declarações à agência Lusa, António Tonga, membro do coletivo Consciência Negra, explicou que este encontro serve para “festejar a diversidade e a multiculturalidade” e “alertar para os discursos de ódio e divisórios”.
“Cinquenta anos depois do 25 de Abril é preciso lutar para afirmar esse 25 de Abril e quais são os valores para a sociedade que nós queremos”, afirmou o ativista.
António Tonga sublinhou que este arraial é também uma resposta aos grupos “fascistas” que pretendem realizar esta tarde uma manifestação “contra a islamização”, inicialmente prevista para a zona do Martim Moniz, mas que acabou por ser marcada para o Largo Camões.
“Quando existe uma ameaça, como existe para esta comunidade do Benformoso (artéria do bairro da Mouraria), nós agimos em conformidade. Ou nós permitimos que estas ideologias de ódio, divisoras, continuem a marcar a política ou nós avançamos e fazemos questionamentos”, disse.
Também presente no arraial, a coordenadora do BE, Mariana Mortágua, disse ter decidido participar neste protesto “para lembrar que, cada vez que há uma pequena minoria que quer afirmar o ódio e a violência em Portugal, há uma grande maioria que se levanta pela decência, pelos direitos humanos e que diz que Portugal tem o dever de integrar toda a gente”.
A líder bloquista referiu que Portugal tem o dever de acolher os imigrantes não só “por respeito pelos direitos humanos”, mas também porque lhes “deve muito”, uma vez que “estão a pagar as reformas da Segurança Social” e garantem setores essenciais como a agricultura, as pescas ou o turismo.
“O que devemos fazer é integrar estes imigrantes, quem nos procura para trabalhar, ao invés de procurar alimentar divergências, ódio e violência. Nenhuma sociedade alguma vez melhorou com este discurso do ódio. Estamos aqui para afirmar o sensato, que é a decência”, afirmou.
O dirigente do PAN Pedro Fidalgo Marques também esteve no arraial, tendo defendido que "é uma demonstração de Portugal é um país multicultural" e que "sabe receber".
"Do que falamos é de uma minoria que quer passar uma ideia que não é verdadeira dos portugueses. É um povo acolhedor, que integra e assim vamos continuar a ser", afirmou.
Neste arraial, marcaram também presença vários imigrantes, entre os quais Sanhá Fodé, estudante da Guiné-Bissau que está em Portugal há quatro anos e admitiu, em declarações à Lusa, que foi vítima de racismo na faculdade.
Sanhá disse estar preocupado com o crescimento de partidos de extrema-direita, que considerou não estarem “vinculados a valores humanistas” e terem “um discurso de divisão” que “não faz sentido num mundo global”.
“É lamentável e preocupante se estas pessoas conseguem ter mais poder. Como é que a gente vai ficar? É por isso que nós, imigrantes, estamos preocupados com esse crescimento”, afirmou.
Outro cidadão do Bangladesh, que não quis revelar o seu nome, também admitiu à Lusa que se sente "mais ou menos" em Portugal, salientando que, a maior parte das vezes em que se desloca a serviços públicos, “sente que não é bem-vindo”.
O imigrante indicou que vive na rua de Benformoso, perto do Martim Moniz, zona prevista inicialmente para o protesto de extrema-direita, salientando que se sentiu “visado” por essa manifestação, que mostra que o racismo é uma realidade em Portugal.
“Quando ouvimos que ia haver um arraial contra o racismo, pensámos que os portugueses deveriam ouvir a nossa voz”, disse.
O movimento de extrema-direita “grupo 1.143” tinha pedido para fazer uma manifestação na zona da Mouraria que iria partir do largo do Intendente, um pedido que foi recusado pela Câmara de Lisboa, após um parecer da PSP que alertava para o risco de segurança.
O grupo 1.143 interpôs uma ação na justiça para “proteção de direitos, liberdades e garantias”, por considerar que a proibição da manifestação pela Câmara de Lisboa (CML) – que anunciou em 26 de janeiro que não iria autorizar a sua realização – seria uma violação do direito de liberdade de expressão.
Na sexta-feira, o tribunal administrativo do círculo de Lisboa indeferiu o pedido e o grupo anunciou a concentração para o Largo Camões.
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