“Não menti, de maneira nenhuma. E também não omiti nada, na medida em que durante a audição não se falou deste processo da autorização da participação qualificada, (…) que o Banco de Portugal tinha de dar”, afirmou hoje Vítor Constâncio, em entrevista à RTP.

O ex governador do Banco de Portugal adiantou que “o assunto da não objeção à participação qualificada [superior a 5% e inferior a 10% do capital do BCP] não apareceu durante a audição”.

“Portanto, eu não omiti nada”, reforçou Vítor Constâncio, depois de ter sido hoje noticiado que teria omitido informações à Assembleia da República (AR) e que teria participado, enquanto membro do Conselho de Administração do Banco de Portugal, na autorização de uma operação de crédito concedida pela Caixa Geral de Depósitos (CGD) ao Grupo Berardo.

Na entrevista à RTP, Vítor Constâncio repetiu, várias vezes, que “a operação de crédito não tinha de ser sujeita a autorização do Banco de Portugal” e “já estava concedida há meses”.

O ex governador do BdP sublinhou que “a única coisa que o BdP tinha de autorizar era a participação qualificada, para a qual a lei diz que tinha de verificar a idoneidade da pessoa – e na altura o grupo Berardo era um elemento importante na vida económica portuguesa – e, em segundo lugar, verificar que a origem dos fundos para concretizar a operação não era clandestina ou suspeita”.

Ou seja, o supervisor tinha de confirmar que os fundos para financiar a compra de ações do BCP, que permitiria o reforço da participação da Fundação Berardo no banco, era legal, e a informação que chegou ao BdP foi que existia um empréstimo da CGD para financiar.

“O BdP só tinha competência para objetar a que a Fundação Berardo passasse a ser acionista qualificado no BCP. Mas não havia qualquer razão legal para o fazer”, frisou Vítor Constâncio, acrescentando que “não havia razão para recusar que a Fundação Berardo ultrapassasse os 5% de participação no BCP”, uma vez que “não havia razão para colocar em causa a idoneidade nem a origem dos fundos” e “a operação da Caixa era legal”.

O também ex vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE) salientou que “a única coisa que no momento em que alguém pede para ser acionista qualificado de um banco tem de demonstrar é que tem dinheiro legal para pagar”.

Vítor Constâncio sublinhou também que, “de acordo com a lei, o supervisor não tem competência legal para exigir o conhecimento prévio das operações de crédito que os bancos vão fazer e ainda menos tem competência para interferir nessas decisões de crédito, e à posteriori, estando os créditos concedidos, não os pode mandar anular”.

Segundo noticia hoje o jornal Público, "Constâncio deu aval a crédito ruinoso da CGD a Berardo", já que "a operação foi aprovada em Conselho de Administração do Banco de Portugal", informação que, de acordo com o jornal, o ex-governador omitiu à Assembleia da República.

Segundo documentos a que a Lusa teve acesso, dois membros da supervisão bancária do BdP, Carlos Nunes e Virgílio Mendes, assinaram uma carta em que se pode ler que "o Conselho de Administração do Banco de Portugal, em sessão de 21 de agosto de 2007, deliberou não se opor à detenção por parte da Fundação José Berardo de uma participação qualificada superior a 5% e inferior a 10% no capital social do Banco Comercial Português SA e inerentes direitos de voto".

Na sua audição na comissão parlamentar de inquérito à recapitalização e gestão da CGD, em 28 de março, em resposta ao deputado do PSD Duarte Marques, que lhe tinha perguntado se "não achou estranho" o "assalto ao BCP com dinheiro da Caixa", Vítor Constâncio afirmou: "Eu não teria feito essas operações [de concessão de crédito com ações como garantia], mas elas foram legais".

Na audição, o também ex vice-presidente do BCE, em resposta ao deputado do PCP Duarte Alves, disse que era "claro" que o Banco de Portugal "só tinha conhecimento delas [das operações] depois".

"Como é óbvio. É natural. Essa ideia de que pode conhecer antes é impossível", disse então Vítor Constâncio, acrescentando que o supervisor não podia "interferir nessa decisão", e que não se podia "avaliar as coisas com o conhecimento que se teve depois como admitindo que ele tinha que existir antes".

Numa carta ao Banco de Portugal, datada de 07 de agosto de 2007, a Fundação José Berardo comunicou ao supervisor que "a aquisição de ações [do BCP] será feita com recurso a fundos disponibilizados pela Caixa Geral de Depósitos [CGD], através do contrato de abertura de crédito em conta corrente, celebrado em 28 de maio de 2007, até ao montante de € 350.000.000 (trezentos e cinquenta milhões de euros)".

Anteriormente, o Banco de Portugal tinha pedido à Fundação José Berardo "uma descrição detalhada das fontes e forma de financiamento da aquisição da participação em apreço [...], nomeadamente com a cópia das condições contratuais da linha de crédito aberta junto da Caixa Geral de Depósitos", algo que a fundação presidida pelo empresário José Berardo anexou na carta enviada a 07 de agosto de 2007.

Em 2015, segundo uma auditoria da EY à CGD, a exposição do banco público à Fundação José Berardo era de 268 milhões de euros, depois de uma concessão de crédito de 350 milhões de euros para compra de ações no BCP, dando como garantia as próprias ações, que desvalorizaram consideravelmente e geraram grandes perdas para o banco.