Em declarações aos jornalistas, no final de uma audiência com o Presidente da República sobre o Orçamento do Estado para 2023, André Ventura confirmou que também quis tratar na reunião este tema, um dia depois de declarações de Marcelo Rebelo de Sousa causaram polémica e críticas partidárias de que estaria a desvalorizar as vítimas.

“As declarações como foram feitas foram graves e desajustadas e merecem a censura do Chega (…) O Presidente da República hoje explicou-nos o contexto em que foram proferidas e o sentido profundo que queria transmitir”, disse.

Segundo Ventura, o chefe de Estado estaria a aludir a possíveis “cifras negras” dos abusos sexuais em Portugal, dado o papel institucional que a Igreja tem desempenhado no país quer em democracia, quer antes em ditadura.

“Neste sentido, o Chega registou as palavras do Presidente da República como boas e verídicas. Acreditamos que tenha sido este o sentido que quis dar e que o Presidente da República quer combater os abusos sexuais tanto como o Chega”, disse.

Ainda assim, defendeu, Marcelo Rebelo de Sousa deveria falar ao país para uma maior clarificação.

“Eu, se fosse Presidente da República, quando acabassem as audiências vinha aqui e falava convosco e explicava ao país”, disse, apelando a que Marcelo Rebelo de Sousa não volte e “ziguezaguear” sobre este tema.

André Ventura defendeu que “nenhum partido tem lutado tanto contra os abusos sexuais de menores como o Chega”, referindo-se a iniciativas legislativas no âmbito da castração química e de agravamento de penas.

Questionado se figuras como Manuel Clemente, cardeal-patriarca de Lisboa, e o bispo José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), têm condições para se manter nos cargos, o líder do Chega distinguiu entre o primeiro, “que tem um cargo institucional e com regras próprias”, e o segundo, “o rosto da igreja executiva em Portugal” e que estará a ser alvo de duas investigações por parte do Ministério Público.

“Se se confirmar que houve atos de encobrimento — e quero colocar o ‘se’ muito firmemente, não conheço os dados de investigação — será bom um afastamento, nem que seja provisório das funções na CEP”, defendeu.

Na terça-feira, questionado sobre a recolha de 424 testemunhos de abusos sexuais contra crianças na Igreja Católica em Portugal, o Presidente da República afirmou não estar surpreendido, salientou que “não há limite de tempo para estas queixas” que têm estado a ser recolhidas, algumas relativas “há 60 ou há 70 ou há 80 anos”.

“Significa que estamos perante um universo de pessoas que se relacionou com a Igreja Católica de milhões ou muitas centenas de milhares”, prosseguiu Marcelo Rebelo de Sousa, concluindo: “Haver 400 casos não me parece que seja particularmente elevado, porque noutros países e com horizontes mais pequenos houve milhares de casos”.

Face às críticas que estas declarações suscitaram, o chefe de Estado divulgou uma nota na qual afirma que “este número não parece particularmente elevado face à provável triste realidade, quer em Portugal, quer pelo mundo”, admitindo que “terá havido também números muito superiores em Portugal”.

Depois, o Presidente da República falou para a RTP e para a SIC a reforçar a mesma mensagem, reiterando que 424 queixas lhe parece um número “curto”, declarando que aceita democraticamente as críticas que recebeu, mas não as compreende.