“Os dias que se seguiram ao golpe de Estado foram muito estranhos, porque a situação social no Chile mudou radicalmente, em 180 graus. De maneira súbita, os chilenos enfrentaram uma situação de recolher obrigatório noturno, que se prolongou no tempo, com poucas horas no dia para estarem nas ruas”, afirmou, lembrando que se aproxima a data dos 50 anos deste evento traumático para o país.
Segundo o fotojornalista argentino, as pessoas que se aventuravam a sair às ruas, que eram pouquíssimas, “pareciam estar anestesiadas, em choque, diante do aparato militar instalado nas ruas”, nomeadamente em Santiago, nos dias seguintes ao golpe militar.
“Existiu uma aquiescência, uma aceitação pelo menos na superfície por parte das pessoas, porque ao serem confrontados por soldados que estavam com armas de assalto, atitudes arrogantes e dando ordens, a população teve de manter uma atitude de submissão”, avaliou.
Encabeçado pelo general Augusto Pinochet, o golpe militar no Chile em 1973 derrubou o governo democraticamente eleito do Presidente Salvador Allende, que venceu o sufrágio presidencial em 1970 apoiado pela coligação de esquerda Unidade Popular (UP).
Salvador Allende não deixou o palácio de La Moneda, sede da Presidência, mesmo quando este foi violentamente atacado em 11 de setembro de 1973 e acabou por morrer neste processo de tomada de poder dos militares.
Horacio Vilallobos, que trabalhou para diversos meios de comunicação internacionais, estava no Chile na altura do golpe militar para fotografar o Presidente Allende durante uma entrevista que seria concedida à revista norte-americana Time, marcada justamente para o dia 11 de setembro,
“Fiquei mais 12 dias no país para fazer a cobertura do golpe e as minhas memórias daqueles dias ainda são muito vívidas”, declarou Villalobos, que tirou uma das últimas fotografias de Allende com vida, numa das janelas de La Moneda antes do ataque militar ao palácio.
O fotojornalista esteve nas principais artérias da capital, Santiago, e presenciou as atitudes de arrogância e de violência dos militares com a população, num ambiente que caracterizou como totalmente pesado, violento, intimidatório e de medo.
Villalobos afirmou que teve de enfrentar a situação daquele momento e realizar o seu trabalho, produzindo fotografias que se tornaram documentos históricos e já foram exibidas em várias exposições.
“Foi uma situação de surpresa e de silêncios. Para quem nunca viveu uma situação de ditadura, digo que é uma situação muito estranha. Esta vida sob a ditadura trouxe pessoas muito diferentes ao dia anterior [do golpe], que faziam determinadas coisas que não eram possíveis com os governantes anteriores”, declarou.
A ditadura no Chile durou 17 anos (1973-1990) e deixou mais de 40 mil vítimas entre mortos, desaparecidos e presos políticos, segundo os números da comissão oficial que realizou um trabalho de levantamento através de depoimentos de vítimas e dos familiares.
Mais de 3.200 chilenos morreram às mãos dos agentes de segurança do regime de Pinochet, segundo esta comissão.
De acordo com o fotojornalista, que atualmente trabalha para a Corbis/Getty Images e reside em Portugal, “este golpe militar foi muito violento, sendo mesmo incomum em relação ao restante da América do Sul – que mantinha naquele momento várias ditaduras militares -, pois foi o único em que um Presidente morreu”.
“O golpe militar de 1973 no Chile foi um ato supremo de injustiça política e social. A resposta do Presidente Allende foi excecional. Eu sempre o comparo a Leónidas, que enfrentou os persas na batalha de Termópilas [na Grécia, em 480 a.C.], porque mesmo sabendo que iriam perder, morreram para defender aquilo que entendiam como o seu dever” enquanto líderes e também os seus princípios, afirmou Villalobos.
“Mesmo que Pinochet tenha sido um ditador brutal, sangrento, penso que quem ganhou foi Allende, porque não deu a Pinochet o prazer de o ver fugir do país. Isso foi muito importante”, avaliou.
Para o fotojornalista, “o grande legado de Allende foi não se importar de morrer, pois o primordial era a defesa da legalidade democrática contra um brutal golpe de Estado”.
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