Liberdade é poder dizer que dois mais dois são quatro. Se isso for garantido, o resto vem atrás. É mais ou menos isto que escreve Orwell, George Orwell em 1984, um dos mais conhecidos livros sobre distopias.

Na Oceania do INGSOC, num futuro que hoje já está no passado, a mediação do Partido no poder abarca tudo. Do controlo da política ao controlo dos pensamentos. Ao controlo dos factos. Nesta Oceania distante, nesta Oceania impossível, porque é ficção, o poder decidiu que dois mais dois dá cinco.

Numa Oceania onde tudo está controlado, a derradeira liberdade é a de pensar. E acreditar que os factos não podem ter alternativas. Liberdade é dizer que dois mais dois são quatro (e não cinco); liberdade é dizer que uma maçã é uma maçã (e não uma banana).

É isto que vem dizer a CNN. O canal de informação norte-americano, um dos mais criticados pelo presidente Donald Trump, lançou no início desta semana uma nova campanha. Campanha de simples premissa: uma maçã é uma maçã. Uma maçã é sempre uma maçã. Mesmo que gritem, mesmo que escrevam tudo em maiúsculas, uma maçã não pode ser banana.

Publicado pela primeira vez em 1949, o clássico romance de Orwell, sobre uma sociedade que vive sob um regime político totalitário e repressivo, e em que os factos são distorcidos e suprimidos numa nuvem de “noticiários”, chegou ao primeiro lugar do ‘top’ de vendas da Amazon, depois de uma subida constante nos últimos dias, que o levou a superar a lista de ‘best-sellers’.

“FNN”, Fake News Network - Rede de Notícias Falsas -, “Fraud News” - Notícias Fraudulentas - são alguns dos epítetos encontrados por Donald Trump para falar da CNN.

O anúncio da CNN pode ser visto como uma resposta às agressões da administração Trump. Administração que, logo no início do mandato, ainda com Sean Spicer a bordo, cunhou o termo “factos alternativos”, com os assistentes de Trump a dizer ser verdadeiros factos que comprovadamente o não eram.

“Por vezes podemos discordar dos factos”, dizia Spicer diante das evidências de que “a maior audiência e ponto final”, na tomada de posse de Trump, não era assim tão grande.

O vídeo da cadeia norte-americana é este:

Isto é uma maçã. Algumas pessoas podem tentar dizer-lhe que isto é uma banana.

Podem gritar “banana, banana, banana”, uma e outra vez.

Podem escrever BANANA, em maiúsculas.

E pode até começar a acreditar que isto é uma banana

Mas não é.

Isto é uma maçã.

Factos primeiro.

O pequeno clipe tem trinta segundos e conta já com milhares de partilhas e comentários nas redes sociais. E reações. Muitas reações, dos que concordam, dos que discordam. Dos que dizem que a maçã na verdade é uma banana, dos que dizem que a banana nunca pode ser maçã.

A assinatura da campanha é “factos primeiro”, assumindo-se a CNN como porta-estandarte da verdade, por oposição àqueles que não põe os factos, a verdade, à frente de tudo. Se a acusam de ser “fake news”, notícias falsas, a CNN devolve a crítica e diz que são os outros quem encapota a realidade.

O Late Show, programa de televisão da CBS, apresentado pelo humorista norte-americano Stephen Colbert achou que o vídeo da CNN não era explícito o suficiente e, no meio de trocadilhos com variada fruta, perguntou quando é que os Estados Unidos partem para o impeachment (peach significa pêssego). Sempre sem esquecer o trocadilho com o facto de “bananas” significar também “maluco”.

Já a plataforma BuzzFeed News aproveita para fazer uma piada. A típica “knock knock joke”, como lhe chamam os americanos, ou piada da porta: “truz-truz, quem é? É uma banana. Banana quem?...” Por aí fora. Terminando com um trocadilho com laranjas.

Páginas conservadoras nos Estados Unidos publicaram, entretanto, vídeos inspirados no anúncio da CNN. O Daily Caller pega no áudio da CNN e cola-o a um vídeo em tudo semelhante, só que no lugar de uma maçã, temos uma banana - e um narrador a chamar-lhe maçã.

Também o Daily Wire, também conservador, pegou na ideia e adaptou-a. Em vez de fruta, coloca o ícone de um homem e aproveita para passar uma mensagem contra as pessoas transgénero, terminando com a frase: “os factos não querem saber dos teus sentimentos”.

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