O nevoeiro foi denso e a chuva caiu miúda durante todo o dia em Sintra. Um autêntico postal ilustrado desta vila classificada pela UNESCO como património mundial e que vive dias difíceis, em grande parte justificados pela ausência de turistas que até há poucos meses enchiam em frenesim as vielas apertadas.

Maria José Castro recorda com saudade essa azáfama. A loja que tem, alugada, está aberta há 42 anos, mas nunca como hoje vendeu tão pouco. Em dezembro, até hoje, entraram na caixa registadora desta loja de lembranças e artesanato 78,20 euros.

“Há mais gente na rua, mas dentro das lojas não. As vendas são muito más. Temos dias e dias a zero. Hoje vendi uma peça de 19,50 euros”, conta triste esta lojista.

A renda baixa é o que permite a Maria José continuar a ter as portas abertas, embora se confesse triste por já não ter a companhia das duas funcionárias que a ajudaram a fazer crescer o negócio nos últimos anos.

“Penso que a partir de maio já vá haver mais movimento e que em agosto e setembro haja mais pessoas, mas vou ficar sozinha, não vou pôr pessoal, o que é muito triste, porque as pessoas que estavam a trabalhar comigo eram impecáveis, gostava muito delas”, lamenta Maria José.

Esta comerciante diz que já viveu muito em Sintra e que a vila não voltará a ser a mesma depois desta crise.

Uma porta ao lado, no ‘Cantinho Gourmet’, Joana Catalão tem uma visão algo mais animadora que a da ‘vizinha’ e realça que o dia de hoje “foi mais positivo do que esperava” para o negócio da família.

“Por incrível que pareça, está a correr bem. Como Lisboa está ‘fechada’, as pessoas têm fugido aqui para Sintra e tem sido bom. Hoje não me posso queixar”, afirma a comerciante.

Depois do ‘lay-of’f e do regresso aos soluços, Joana quer dar mais uso à nova sala que inaugurou no verão e acredita que no segundo trimestre de 2021 já vai poder ter um pouco de normalidade, com clientes num vaivém mais constante e mesas cheias dos ‘comes e bebes’.

“Temos de ser positivos e tenho uma expectativa positiva relativamente ao ano que vem. Só temos de resistir a estes meses de janeiro e fevereiro”, diz confiante esta jovem.

No bairro Dona Estefânia, a umas centenas de metros da zona histórica, Paulo Lucas e João Pedro têm tido um problema um pouco diferente da maioria dos comerciantes: falta de espaço para sentar clientes.

A pastelaria Dona Estefânia fez há poucos dias um ano, começou com apenas quatro funcionários mas já abriu mais três espaços e tem hoje a trabalhar 22 funcionários. Um negócio em contraciclo com as portas que se vão fechando nos negócios um pouco por todo o país e que para um dos sócios tem, afinal, um segredo simples.

“Foi fulcral para este crescimento termos percebido rapidamente que tínhamos de nos adaptar a uma nova realidade. Um funcionário que hoje está a servir às mesas teve que se readaptar e perceber que tem de fazer uma entrega ao domicílio. É preciso esta disponibilidade, é preciso reinventar e perceber isso rapidamente, porque não vai voltar a ser como era e se não formos versáteis dificilmente vamos conseguir vingar”, explica Paulo Lucas.

João Pedro é o outro sócio deste negócio, que já abriu loja no Cacém e tem planos para abrir espaços noutras zonas do concelho. É ele que trata da massa dos bolos rei, dos travesseiros, das queijadas, ‘croissants’ e pastéis de nata que não param de sair do forno.

O dia deste pasteleiro começou às três da manhã. O novo horário, que permite estar aberto depois das 13:00, veio trazer “menos confusão” nas palavras de Paulo Lucas, mas não necessariamente gerar mais receitas.

“O que aconteceu nos fins de semana que se fechou mais cedo foi que houve uma concentração maior até à uma da tarde. A faturação comprova isso mesmo e hoje os clientes estão a estender-se pelo dia todo. Hoje vamos certamente faturar o mesmo que faturamos nos outros fins de semana até às 13:00″, explica o gestor.

Numa das mesas da pastelaria está Oscar Cardona. Veio de Cascais até Sintra, a conselho de um amigo, e depois de provar os travesseiros diz que valeu a pena. Este brasileiro diz que poder sair de casa “lhe aqueceu o coração” e que dentro do possível faz por ajudar a combater a crise que o comércio está a viver.

“Tenho procurado ir ao comércio e ajudar as pessoas que estão a lutar, dar uma força para continuarem e não fraquejarem. Temos de pular esse muro e do outro lado vai ter uma coisa boa, é uma esperança que eu tenho”, conclui.

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