Três carros da polícia, cerca de duas dezenas de agentes e uma barreira de proteção mantinham os ativistas, na maioria homens e mulheres jovens, concentrados perto do monumento aos Mortos da Grande Guerra.
Os manifestantes tinham todos máscara de proteção e cumpriram o necessário distanciamento, devido à pandemia de covid-19.
Entre os manifestantes, um empunhava uma bandeira às listas horizontais vermelha, amarela e lilás, a insígnia da II República espanhola, outro tinha uma bandeira vermelha com foice e martelo, um terceiro com um cartaz em que se lia que “o socialismo é a única forma viável de mudança em grande escala”, ainda um outro com bandeira vermelha e negra e a sigla do movimento internacional antifascista.
Através de uma aparelhagem instalada no chão escutavam-se músicas de protesto do ‘rapper’ — na prisão desde há dez dias após deliberação da justiça espanhola –, numa iniciativa convocada pela “Plataforma Liberdade Pablo Hasél” destinada a demonstrar a “solidariedade política e humanitária” ao cantor catalão, à qual aderiu a União Antifascista Portuguesa (UAP – Secção portuguesa da Alternative International Movement) e outras organizações, incluindo a Assembleia Nacional Catalã (ANC).
O músico ‘rapper’ Pablo Hasél (designação que adotou quando começou a gravar, o nome original é Pablo Rivadulla Duró), 33 anos, natural de Lérida, província autónoma da Catalunha, foi condenado a nove meses de prisão ao ser acusado em tribunal de insultar as forças policiais espanholas, glorificar o terrorismo e injuriar a monarquia, que apelidou de “fascista”.
Detido em 16 de fevereiro pelos Mossos d’Esquadra (polícia regional catalã) após se ter barricado na Universidade de Lérida, foi transferido para o estabelecimento prisional de Ponent.
“Entendemos que esta situação era demasiado grave para que não fosse nada feito em Portugal. O mundo da música, arte e cultura quiseram dar um sinal porque hoje é um ‘rapper’ do outro lado da fronteira, amanhã pode ser aqui em Portugal”, disse à Lusa Luís Batista, subscritor do Manifesto, uma petição com mais de 4.500 assinaturas entregue em mão no consulado no final da concentração.
O ativista, também dirigente sindical, refere-se a uma “plataforma de vontades” também destinada servir de alerta porque “os tempos não são bons” e os cenários atuais podem rapidamente ser alterados.
“Em Portugal nunca poderia ser condenado porque no nosso ordenamento jurídico não existe a noção de enaltecimento do terrorismo, em Portugal ou és terrorista ou não és… “, explicita.
“No Estado espanhol é acusado ao abrigo desse ordenamento, mas está detido porque a pessoa em questão escreve e canta, e essa é a principal razão por que está encarcerado. A acusação fala de música, canções e opções políticas”, acrescenta.
Luís Batista também alerta para a “pandemia do medo” instalada, e denuncia as liberdades reprimidas.
“Consideramos que a pandemia também está a ser utilizada para restringir liberdades, direitos e garantias”, considera.
Em três curtas intervenções, que denunciaram a prisão do músico, também foram emitidas críticas ao silêncio da diplomacia portuguesa, da União Europeia e da ONU, intervaladas por aplausos e uma palavra de ordem em uníssono, “Liberdade para Pablo Hasél”.
De máscara e ao som da aparelhagem, Manuela Pinto e Fernanda Rodrigues referiram ter vindo de Setúbal, “diretamente do trabalhinho” até ao protesto.
“A liberdade de expressão é coisa que tem de fazer perdurar, já bastou 48 anos de fascismo. É aqui ao lado, mas em Portugal pode acontecer em qualquer momento, estamos na União Europeia mas o que é esta União Europeia? Não a reconheço como democrática, há fome, há presos, tanta coisa… não podia ficar em casa”, frisa Manuela.
A sua amiga explica que a sua presença significa um “ato de solidariedade” para impedir o regresso da censura, também em Portugal.
“São seres humanos, são artistas, são pessoas que têm de se expressar, já basta de limitação e manipulação da informação. Já basta de manipulação e apropriamento da cabeça das pessoas, já basta o capitalismo pôr as unhas de fora, e já basta as pessoas estarem caladas e amordaçadas”, afirma Fernanda, com convicção.
E deixa um último recado: “É na rua e pela solidariedade que nos manifestamos a democracia é expressão suprema da liberdade dos cidadãos, não podemos permitir que um artista ou alguém que discorda seja preso por isso. Em Espanha ou noutro lado qualquer e por isso estamos aqui, viemos de Setúbal para isso”.
A detenção de Pablo Hasél originou uma vaga de protestos em Barcelona e que se estenderam a Madrid, Valência, Bilbau e outras cidades de Espanha, e quando o país mantém medidas restritivas devido à pandemia do novo coronavírus que já provocou mais de 67.000 mortos desde março de 2020.
Símbolo da liberdade de expressão para parte significativa da população, já recebeu o apoio de nomes como o realizador Pedro Almodóvar, do ator Javier Bradem ou do cantor José Manuel Serrat.
No Porto
Cerca de 50 pessoas exigiram hoje no Porto a libertação do rapper espanhol Pablo Hasél, ao mesmo tempo que alertaram para a necessidade de os portugueses se afirmarem contra a intolerância e a censura da liberdade de expressão.
Com a Praça D. João I reservada, foram poucos os que se deslocaram à baixa para dar voz à indignação pela prisão do cantor preso na Catalunha a 16 de fevereiro acusado de terrorismo e de injúrias à família real espanhola, cumprindo uma pena de nove meses.
Luís Lisboa, membro da União Antifascista Portuguesa e promotor da manifestação no Porto, expressou à Lusa “um alerta muito importante, que está ligado a tudo aquilo que está a acontecer e a crescer em todo o mundo, a intolerância e a censura”, enfatizando que a “censura não pode nunca tornar-se cultura”.
Alertando que a intolerância existe em Portugal e que “começou a ser legitimada e normalizada de há dois anos para cá”, considera haver “o risco de piorar cada vez mais”, explicando os seus receios com o “trumpismo, [Donald] Trump e tudo aquilo que ele fez e que teve e continua a ter repercussões em todo o mundo”.
Luís Lisboa lamentou depois que “a sociedade portuguesa e grande parte da imprensa nacional estejam a tentar implementar a narrativa de que o Pablo Hasél é um terrorista, um apoiante do terrorismo”, argumentando ser essa “uma situação lateral da sua luta pela autodeterminação da Catalunha”.
“Aquilo que é mais importante de apresentar, de falar, porque os portugueses não estão a entender, é que a Espanha tem leis em pleno século XXI que impedem os cidadãos normais de injuriar a monarquia”, indignou-se o ativista.
E prosseguiu: “A lei espanhola continua a contemplar o direito de uma família ser superior a todo o outro país e não poder ser injuriada. O governo espanhol já se comprometeu em rever estas leis e alterá-las, mas em Portugal essa notícia não passou e não está a ser entendível”.
Para Nadine Santos, gestora de projetos, “censurar a cultura não é um meio para se prosseguir”, reclamando, por isso, “lutar pela liberdade de expressão” num tempo em que a “desinformação é uma palavra de ordem”.
“Não podemos censurar os artistas, a cultura e a música que com a pandemia estão cada vez mais numa caixinha. Temos de dar voz e não ficar pela luta que acontece no país ao nosso lado, temos de ser irmãos para eles e estar a par do que se passa, nomeadamente a opressão e a censura”, disse.
Nesse sentido, defendeu, o “primeiro passo é sempre consciencializar sobre os problemas que se passam porque a informação não chega às pessoas”.
Luís Miguel falou à Lusa com a máscara antifascista, escrita em alemão, colocada na face, afirmando-se como um “cidadão europeu preocupado com o futuro das próximas gerações”.
Ainda assim, mostrou otimismo quando o tema foi a luta contra a intolerância: “Acho que a intolerância não vai ganhar a corrida. Não vamos consentir que ganhe. Há momentos na história que confirmam que as pessoas sairão à rua se for necessário e estou a lembrar-me da manifestação “Que se lixe a troika”, disse.
E foi a falar de Portugal e da atenção que os portugueses devem dispensar ao fenómeno que prosseguiu a conversa com a Lusa, aconselhando que “às pessoas que expressam a sua intolerância e a quem elas podem influenciar” se faça ver da “forma mais educada, informada e fundamentada possível” que esse “não é o caminho” pugnando-se por “uma sociedade mais aberta e mais justa”.
“Este é um momento muito difícil para a mobilização e isso vê-se nesta praça”, disse antes de olhar em volta para os cerca de 50 presentes, num momento muito afetado pela pandemia e pelo confinamento, assumindo ser no seu caso particular “complicado” justificar-se à “sociedade e à família” pela participação no protesto.
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