Ao longo de mais de uma hora de debate na Assembleia da República (AR), Governo e partidos da oposição, PS e partidos da oposição, e todos os partidos entre si trocaram acusações e imputaram responsabilidades numa discussão acesa que parece demonstrar que será difícil um acordo para alcançar um objetivo com o qual todos declararam estar de acordo: a contagem integral do tempo de serviço dos professores, ou seja, nove anos, quatro meses e dois dias.
Ana Mesquita, do PCP, foi a primeira a falar e a primeira a tentar puxar a direita parlamentar para o lado da esquerda, recusando “empurrar a solução para as calendas gregas”, numa alusão às propostas do PSD e CDS-PP, que remetem a definição da recuperação total do tempo de serviço para nova negociação entre sindicatos e Governo a partir de 2020.
“Ninguém pode hoje negar a necessidade de a AR tomar uma solução definitiva para este problema (…). Não podemos estar permanentemente a voltar à estaca zero num problema que conta com zero vontade negocial e que devia ter sido logo resolvido em 2018”, disse a deputada comunista, acrescentando que a proposta do PCP “é clara” e uma “solução definitiva” e aquela que corresponde “às expetativas dos professores e das suas justas reivindicações”.
Mas foi Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda (BE), quem de seguida foi mais clara no desafio ao PSD para votar uma proposta mais concreta do que aquela que apresentou, que não impõe nenhum limite temporal para a recuperação do tempo de serviço, mas impõe condições de sustentabilidade financeira para o fazer, acusando os sociais-democratas de “estender uma mão aos professores, mas depois dar a outra a Mário Centeno”.
“Com muitos ‘mas’ o PSD tenta enganar os professores. Num joguinho eleitoralista que descredibiliza o parlamento e falha naquilo que foi a palavra aos professores. Senhores deputados do PSD, se é verdade que querem devolver o tempo de serviço aos professores cá estamos para isso. A oportunidade é agora (…) de ver quem de verdade está do lado dos professores. Os nossos votos contam, são 19, estão todos com os professores. Há muito mais votos aqui, vamos ver de que lado é que vão estar”, disse Joana Mortágua.
Este foi o primeiro momento de exaltação e de muitas trocas de palavras e acusações entre os deputados, com alguns parlamentares do PSD a responder ao apelo da bloquista: “Pede ao PS”.
Segundos antes, o alvo foi o Governo, o qual Joana Mortágua acusou de ter falhado “no respeito aos professores” e de ter provocado “mais uma trapalhada” na contagem do tempo de serviço.
“O Governo falhou porque quis pôr a carreira europeia do ministro das Finanças à frente da carreira dos professores”, afirmou, entre aplausos da sua bancada, concluindo: “Como falhou, agora é o momento do parlamento”.
Mas os momentos de maior exaltação entre bancadas viriam após a intervenção da vice-presidente da bancada parlamentar do PSD Margarida Mano, com socialistas e sociais-democratas a apontarem responsabilidades passadas a cada um dos lados, e com o PS a acusar o PSD de eleitoralismo.
“Já vimos antes este filme do PSD com duas caras”, referiu o deputado socialista Porfírio Silva, que trouxe a governação de Pedro Passos Coelho para o debate, para lembrar promessas dos sociais-democratas antes de serem eleitos, “para depois governar contra tudo o que disseram”.
“O problema é que o PSD entrou outra vez em modo campanha eleitoral, o que para o PSD é um modo duas caras. A direção do PSD diz uma coisa, os deputados dizem outra”, notou Porfírio Silva, apontando incoerência no discurso do PSD sobre o aumento da despesa com a administração pública.
“Uma vez que propõe aqui o contrário dos deputados que criticam o aumento da despesa, que impostos acha que devemos aumentar?”, questionou Porfírio Silva.
O CDS-PP teve uma posição em tudo semelhante à do PSD, defendendo uma proposta que também não se compromete com calendários, atirando ao Governo que em ano eleitoral – “e não há como ignorar esse contexto” – não resolve a questão dos professores e aos partidos da esquerda, atribuindo-lhes “a demagogia de prometer sem ter como garantir nada”.
“O que se discute não é se há um problema, mas qual a melhor solução. Entre a popularidade de alguns e a responsabilidade de todos o CDS sabe bem qual tem de ser o caminho”, disse a deputada centrista Ana Rita Bessa.
O ministro da Educação, que pouco depois de ter dado início à sua intervenção viu a maioria dos professores que estavam presentes nas galerias do parlamento abandonar o hemiciclo em protesto, defendeu que “governar implica escolher e, por vezes, até desagradar”, lamentando que “ser oposição implique apenas querer tudo e o seu contrário” e acusando diretamente o PSD e a sua proposta de “tremendo oportunismo político”.
“Porque somos Governo, não temos infelizmente a liberdade de dispor dos recursos presentes e futuros dos portugueses para dar tudo a todos. Felizmente, porque somos Governo, não temos a hipocrisia política de tomar os portugueses por tolos e prometer a uns dar tudo, isto enquanto dizemos, ao mesmo tempo, que quem dará esse tudo será alguém lá para a frente, num futuro governo cujas circunstâncias não podemos conhecer hoje, num tempo que não dizemos qual é e com recursos que não explicamos a quê e a quem são retirados”, disse Tiago Brandão Rodrigues.
As propostas de alteração ao decreto do Governo, que apenas recupera parcialmente o tempo de serviço congelado dos professores, baixaram à comissão de educação e ciência sem votação, para apreciação na especialidade.
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