O dia no Santuário começou cedo. Às 9h00 tiveram lugar as primeiras celebrações do dia que marca a última aparição de Nossa Senhora aos três pastorinhos em 1917. Mas a 13 de outubro assinala-se ainda a solenidade da dedicação da Basílica de Nossa Senhora do Rosário. Numa data que costuma ser de multidões, o Santuário de Fátima começava a dar mostras da calma da noite passada: não se acumulavam pessoas nas entradas e o recinto tinha muitos lugares vagos.
Com o avançar do tempo, a situação não se modificou muito. Por volta das 10h30, Carmo Rodeia, porta-voz do Santuário, informava que tinham sido registadas 3.274 entradas. Até ao final das celebrações foram contadas cerca de 4 mil pessoas, número aproximado ao de ontem.
Desta forma, o Santuário fez um balanço positivo da Peregrinação Internacional Aniversária de outubro, que hoje termina, durante a qual não foi atingido o limite de 6.000 peregrinos que tinha sido estipulado — mas que foi atingido na missa do passado domingo, 11 de outubro.
Dados os números, estava provado que as medidas adicionais que constavam do plano de contingência no âmbito da covid-19 foram aplicadas e surtiram efeito.
Daqui para a frente, há um “regresso à normalidade”, ainda que cumprindo o plano original — e olhando para as necessidades de cada dia. Quanto aos círculos desenhados no chão, estes vão desaparecer com o tempo, mas tal não será impeditivo de que o Santuário continue a garantir que o espaço seja ocupado em segurança.
Além do balanço do Santuário, que contou com a ajuda de 80 voluntários para assegurar o cumprimento das normas, também a GNR fez um balanço positivo desta operação, não tendo registado qualquer incidente, disse à Lusa o capitão das Relações Públicas, David Ferreira.
“O foco era garantir que não havia ajuntamentos e que os peregrinos cumpriam o distanciamento físico e o balanço dos três dias [de domingo a hoje] é francamente positivo”, notou.
De acordo com o responsável, a GNR apenas teve alguma “ação preventiva” e de sensibilização para desfazer algumas filas que se foram formando nas portas de entrada do recinto mais concorridas.
“Os peregrinos cumpriram as regras e acataram as indicações. É motivo para ficarmos felizes”, acrescentou David Ferreira.
Os alertas que surgem pelo meio da peregrinação
Já na missa, depois da oração do terço e da procissão inicial, o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. José Ornelas, lembrou na homilia que “este ano celebramos o dia 13 de outubro de uma forma muito contida, no que diz respeito ao número de peregrinos, à sua proveniência e à forma festiva das manifestações que habitualmente caracterizam esta última grande peregrinação do ano”.
“Todos sabemos que esta forma mais atenta e cuidado provém de uma atitude necessária e responsável perante os condicionalismos da pandemia, que veio alterar radicalmente toda a vida da humanidade, sobretudo nos modos de relacionamento entre as pessoas”, disse D. José Ornelas.
“Trazemos a este Santuário as dores nossas e da humanidade, pedindo luz e força para vencermos esta pandemia”, reforçou.
Dirigindo-se aos peregrinos no Santuário de Fátima, o bispo de Setúbal chamou ainda a atenção para os populismos e nacionalismos que têm surgido e crescido nos últimos tempos, tema que havia referido também na homilia da noite de ontem.
"Vivemos num tempo em que movimentos populistas manipulam a nostalgia do passado, o medo real e imaginário, o perigo do estrangeiro e do que pensa diferente, que usam a ganância de possuir e dominar e até usam o nome de Deus e modelos religiosos para os seus interesses", vincou.
Segundo D. José Ornelas, esses movimentos "constroem muros, exacerbam nacionalismos egoístas e conflituosos", impedindo que "se chegue a consensos mundiais para encontrar soluções para os problemas de todos, como a pobreza, a injustiça, a guerra e a depredação do planeta, que colocam em perigo o futuro”.
Para o bispo de Setúbal, "este não é certamente o projeto de Deus" e "não é deste modo que se constrói a Igreja”. "A pandemia veio tornar mais visíveis estes problemas, como todos sabemos. Estamos no mesmo barco. Ou nos ajudamos para nos salvarmos todos ou então o barco afunda", alertou.
D. José Ornelas deixou também um apelo à valorização das mulheres na Igreja, referindo que é necessário “mudar o paradigma”.
“Perante o protagonismo masculino, as mulheres estão lá como elemento na construção da Igreja“, afirmou o bispo, recordando episódios bíblicos que mostram a relevância das mulheres. Afinal, junto de Jesus e dos apóstolos estavam várias mulheres e, entre elas, Nossa Senhora. Elas “não estavam lá só como decoração”, rematou.
Um agradecimento aos peregrinos: tudo correu bem
D. António Marto, bispo de Leiria-Fátima, elogiou, no final da celebração, a responsabilidade dos peregrinos que participaram nas celebrações e respeitaram as indicações de segurança e higiene face à covid-19.
“Desde já, quero agradecer o testemunho da vossa responsabilidade cívica, de aceitar estas limitações, para o bem da saúde pública. É um exemplo cívico, mas também um exemplo cristão, de fé, de amor ao próximo”, começou por dizer.
Apesar de a configuração do Santuário estar diferente do habitual nesta data, o cardeal falou num “espetáculo de beleza”, apesar do número reduzido de participantes, que mostraram um testemunho “forte” de fé e devoção a Nossa Senhora.
“Caros peregrinos, os meus parabéns a todos pelo vosso testemunho. Parabéns e gratidão, pelo vosso testemunho, que estendo também a todos os que nos acompanham neste momento”, através dos diversos meios de comunicação.
Lembrando a pandemia e as suas vítimas, D. António Marto convidou os presentes a rezar uma Ave-Maria, em silêncio, pelos doentes e vítimas da covid-19, bem como pelos que faleceram e pelos seus familiares em luto.
No final da celebração, o bispo de Leiria-Fátima enviou a sua habitual saudação para as crianças que se encontram hoje nas escolas, os “amiguitos e amiguitas”, enviando cumprimento através dos familiares presentes, juntamente com uma “bênção especial”.
Terminada a celebração, foi pedido que os participantes se mantivessem nos seus lugares, aguardando pelas indicações dos acolhedores — era necessário que a saída decorresse de forma “organizada e segura”.
Dadas as informações necessárias, a Procissão do Adeus teve início. Momento emotivo por excelência, em ano de pandemia não foi diferente. Os peregrinos presentes — nos seus devidos espaços — agitaram os tradicionais lenços brancos, despedindo-se de Nossa Senhora. No fim, chegado andor à capelinha, ouviram-se palmas por todo o recinto. A pandemia não travou a fé.
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