Nos programas eleitorais com que se apresentaram às legislativas de 06 de outubro, a ideia de não dar tréguas à corrupção é transversal a todos os partidos, que apostam em diferentes medidas, a vários níveis, para o concretizar.
O PS, cujo texto eleitoral está na base do Programa do XXII Governo Constitucional, reivindica para si os “passos decisivos” que foram dados na “luta contra a criminalidade financeira” e propõe dezenas de medidas para um “combate determinado” contra a corrupção, que passam por mais transparência, mas também por alteração de algumas penas.
Entre as medidas, os socialistas pretendem instituir que “de três em três anos, no âmbito dos relatórios de política criminal, a Procuradoria-Geral da República deve reportar à Assembleia da República o grau de aproveitamento e aplicação dos mecanismos legalmente existentes no âmbito do combate à corrupção”.
Por outro lado, o PS propõe a criação de “uma pena acessória para os titulares de cargos políticos condenados por corrupção”, o que, “através de decisão judicial, poderá impedir a sua eleição ou nomeação para cargos políticos em caso de condenação pela prática de crimes de corrupção, a decretar judicialmente por um período até 10 anos”.
Uma “pena acessória para gerentes e administradores de sociedades que tenham sido condenados por crimes de corrupção”, é também preconizada pelo partido do Governo, tal com a revisão da lei e da moldura penal dos crimes de aquisição ilícita de quotas ou ações e de prestação de informações falsas perante quem as sociedades comerciais devem responder, cujas penas máximas o PS considera serem “atualmente incipientes”.
Instituir o “relatório nacional anticorrupção”, maior cooperação com GRECO – Grupo de Estados contra a Corrupção, consagrar o princípio da “pegada legislativa”, estabelecendo o “registo obrigatório de qualquer intervenção de entidades externas no processo legislativo”, bem como avaliar a “permeabilidade das leis aos riscos de fraude, corrupção e infrações conexas”, são também propostas dos socialistas.
O PSD atribui “a mais elevada prioridade” ao combate à corrupção, mas considera que, para o levar por diante, é preciso “uma permanente e estável política de reforço de meios e de recursos para os órgãos de investigação criminal”.
O partido de Rui Rio quer “dotar de melhores meios e instrumentos o Ministério Público e a Polícia Judiciária na investigação criminal (meios técnicos e informáticos, meios humanos e meios periciais)”, uma vez que a criminalidade económico-financeira “é cada vez mais sofisticada”.
A “seleção e formação altamente especializada de magistrados”, a monitorização de setores de atividade específicos onde é maior o risco de corrupção e da criminalidade económico-financeira e a eliminação da burocracia geradora de dificuldades e de falta de transparência, são outras das medidas preconizadas pelos sociais-democratas.
O Bloco de Esquerda considera que “as portas giratórias entre o público e o privado devem ser travadas, garantindo a defesa da transparência e a salvaguarda dos interesses públicos” e avança com várias medidas, desde logo a “criminalização do enriquecimento injustificado, com confisco dos bens”.
“A riqueza sem origem clara e acumulada abusivamente deve ser taxada a 100%”, invocam os bloquistas, uma ideia parecida com a da inversão dos ónus da prova muito debatida nos meios político-judiciais há alguns anos, no tempo da governação de Passos Coelho.
O partido de Catarina Martins defende a “fiscalização do património e dos rendimentos das e dos políticos e dos altos cargos do Estado por uma Entidade para a Transparência, com os recursos necessários para a sua tarefa”, o reforço dos meios de investigação criminal e a eliminação dos ‘vistos gold’ da ordem jurídica portuguesa, bem como o alargamento para seis anos do período em que os ex-governantes não podem trabalhar nas empresas do setor que tutelaram.
Já o PCP, que concorreu às legislativas coligado com o Partido Ecologista “Os Verdes” na CDU, reivindica, no seu programa eleitoral, uma “resposta cabal e consistente à crónica carência dos mais elementares meios materiais e humanos, principal dificuldade que se coloca no trabalho diário do Ministério Público e da Polícia Judiciária”.
Os comunistas querem “dotar o Departamento Central de Investigação e Ação Penal das condições mínimas para uma resposta mais pronta eficaz na luta anticorrupção, particularmente o reforço do quadro de procuradores, a disponibilidade permanente de peritos e de apoio técnico especializado, adequados às exigências de maior celeridade dos processos de maior complexidade na investigação da criminalidade económica e financeira”.
Mas o PCP pretende também “revalorizar a Polícia Judiciária, estancar a deterioração da situação operacional da polícia científica” e combater a criminalidade económico-financeira, “decorrente da promiscuidade e subordinação do poder político ao poder económico, e traduzida em escândalos de dimensão gigantesca envolvendo os responsáveis por instituições financeiras, em tráfico de influências em negócios ruinosos para o Estado em benefício de interesses privados, em branqueamento de capitais e em fuga ao fisco, assume um caráter sistémico”.
O CDS de Assunção Cristas, que terá em janeiro um congresso extraordinário para eleger um novo líder, quer aprovar “uma Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Criminalidade Organizada, com mais meios e assessoria especializada”.
Entre as medidas preconizadas pelos centristas está a criação de “um verdadeiro estatuto do arrependido”, uma vez que consideram “urgente proteger as pessoas que, não tendo cometido qualquer crime, denunciam práticas ilícitas de que hajam tido conhecimento”.
“O estatuto do arrependido vigente em Portugal é incipiente, não permitindo que a colaboração dos arguidos possa ir mais longe e chegar a todo o processo. Criaremos um verdadeiro estatuto do arrependido, alargando-o não só a outras fases do processo, como também ordenando os benefícios concedidos em função da fase em que aquele se encontre, garantindo sempre que o arguido que colabora é, ainda assim, alvo da censura penal e, por isso, responsabilizado pelo crime cometido”, propõem.
O CDS quer ainda aprovar “as medidas necessárias para que os megaprocessos não constituam um entrave à efetivação da justiça”, mas também “assegurar o recrutamento contínuo e perene para a Polícia Judiciária e o Ministério Público, a fim de não só serem preenchidos os respetivos quadros – no caso da Polícia Judiciária em quase metade – como também de garantir que as saídas por aposentação ou jubilação são compensadas”.
O PAN (Pessoas-Animais-Natureza) quer "reforçar com meios humanos e materiais o Ministério Público e a Polícia Judiciária, promovendo a especialização de quadros no âmbito da investigação de crimes cometidos no exercício de funções públicas, como sejam os de corrupção, peculato e abuso de poder".
No seu programa eleitoral "Da indiferença à emergência – Ainda vamos a tempo", propõe também "criar um regime de proteção de denunciantes que garanta o anonimato e a segurança" dos denunciantes ao mesmo tempo que assegura que a informação por aqueles prestada é protegida" e "alargar o conceito de denunciante às pessoas que não possuem qualquer relação de trabalho com a pessoa ou entidade em que são praticadas as irregularidades/crimes", no quadro da "investigação e combate à corrupção".
Além destas medidas, o PAN entende, em termos gerais, que há que "reduzir o tempo médio de cumprimento de penas efetivas, assegurando, com essa redução, mais recursos para investir nas estratégias de socialização dos reclusos e reclusas", e que a Assembleia da República deve criar uma comissão "tendente à revisão dos limites mínimos e máximos das penas, em termos que assegurem uma adequação da pena e uma coerência com a censura pública que certos crimes merecem".
O Chega, no "Programa Político" com que se apresentou às eleições legislativas, considera que "é necessário um substancial agravamento das penas para os crimes de corrupção, contra o ambiente, recursos hídricos e florestais, património cultural e histórico, e contra a integridade física e moral dos agentes da autoridade policial em exercício das suas funções específicas".
Propõe também a introdução no sistema penal português da "possibilidade de atenuação especial de pena para arguidos que colaborem com a Justiça, com regime de produção de prova complementar, com a outorga de Acordos de Leniência e Pactos de Clemência", quando estão em causa "crimes de corrupção, de branqueamento de capitais, de associação criminosa, e outros de criminalidade económica".
O Chega elenca uma série de medidas para uma reforma do sistema judiciário, como "transferir a competência de estabelecer as prioridades de investigação criminal do Governo para a maioria qualificada da Assembleia da República", diminuir o período de férias judiciais, e eleger "por concurso de mérito" os membros do Supremo Tribunal. Em matéria penal, quer "castração química como forma de punição de agressores sexuais" e "pena de prisão perpétua para os crimes mais graves, nomeadamente crimes de terrorismo ou homicídios".
No seu "Compromisso eleitoral – Descomplicar Portugal", o partido Iniciativa Liberal sustenta que um "excessivo poder do Estado sobre as pessoas abre a porta a abusos do poder político, a casos de nepotismo e corrupção" e escreve que "o contínuo combate a este flagelo é um imperativo nacional".
Para a combater, defende princípios de transparência e medidas para reduzir o tempo médio das decisões judiciais, como um "controlo dos prazos relativamente aos atos dos magistrados" judiciais e do Ministério Público, "sendo os desvios e as justificações objeto de avaliação pelos órgãos de controlo", e a "limitação dos expedientes dilatórios que permitem às partes atrasar os procedimentos judiciais".
"A partir do momento em que há uma decisão judicial, o princípio deve ser do seu cumprimento (sem prejuízo da possibilidade de revisão da mesma, mas enquanto esta decorre, não deve ser suspensa a aplicação da decisão impugnada). Por outro lado, nos casos em que o efeito suspensivo seja excecionalmente mantido, os riscos resultantes dessa situação devem ser minimizados através de exigências especiais (prestação de caução ou outras medidas a determinar pelo tribunal consoante as circunstâncias)", lê-se no programa.
Por sua vez, o Livre afirma que é preciso "combater e prevenir a corrupção com mais meios, efetivando um Plano Nacional de Prevenção e Combate à Corrupção" e propõe a criação de "tribunais especializados em corrupção e criminalidade económico-financeira" e de "um organismo especializado de combate à corrupção, que reúna competências de investigação, prevenção (nos setores público e privado), prossecução criminal e educação".
No seu programa eleitoral "Libertar o Futuro – Uma sociedade justa num planeta saudável", o Livre considera que um combate eficaz à corrupção implica também assegurar "formação especializada" aos magistrados e "a efetiva proteção de denunciantes e testemunhas".
No capítulo dedicado à justiça em geral, o Livre defende que há que "reformar o sistema prisional, combatendo o paradigma da punição, através de um forte investimento na integração social", e propõe, entre outras medidas, um "reforço do número de tribunais em todas as especialidades e do reforço dos meios técnicos na investigação nas áreas do crime financeiro, da lavagem de dinheiro e da evasão fiscal".
O Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV), que concorreu às legislativas coligado com o PCP através da CDU, apresentou um documento próprio com dez páginas intitulado "Compromissos do PEV", centrado sobretudo no ambiente, do qual não consta nenhuma ideia ou medida específica para o setor da justiça.
Comentários