As pessoas com covid-19 residentes nas duas freguesias de Odemira alvo da cerca sanitária vão ser colocadas na pousada de Almograve, enquanto o complexo Zmar vai acolher quem estiver em isolamento profilático ou sem condições de habitabilidade.

O anúncio foi feito hoje pelo presidente da Câmara de Odemira (Beja), José Alberto Guerreiro, numa conferência de imprensa realizada esta tarde, a propósito da cerca sanitária decretada pelo Governo para as freguesias de São Teotónio e Longueira-Almograve.

Segundo o autarca, foi decidido, numa reunião que teve lugar esta manhã, que a Pousada da Juventude de Almograve, localizada neste concelho alentejano e que dispõe de 42 camas, vai servir para “o eventual alojamento de infetados” com o novo coronavírus SARS-CoV-2.

Já o empreendimento turístico ZMar Eco-Experience, localizado na freguesia de Longueira-Almograve", cuja “requisição temporária, por motivos de urgência e de interesse público e nacional”, foi decidida pelo Governo, vai ser afeto a pessoas que precisem de quarentena.

O complexo será “utilizado para indivíduos com necessidade de quarentena profilática e indivíduos que, eventualmente, possam vir a ter de se deslocar para lá por dificuldades e sobrelotação dos seus alojamentos atuais”, indicou o autarca de Odemira.

O Governo decidiu decretar uma cerca sanitária às freguesias de São Teotónio e de Almograve devido à elevada incidência de casos de covid-19, sobretudo entre trabalhadores do setor agrícola, anunciou o primeiro-ministro, António Costa, na quinta-feira à noite.

António Costa sublinhou também que "alguma população vive em situações de insalubridade habitacional inadmissível, com hipersobrelotação das habitações”, relatando mesmo situações de "risco enorme para a saúde pública, para além de uma violação gritante dos direitos humanos”.

O presidente da câmara de Odemira, na conferência de imprensa após a reunião desta manhã da ‘task force’ do concelho, disse aos jornalistas, quando questionado sobre o assunto, que a requisição do Zmar o “ultrapassa”.

Essa utilização surge de uma “determinação por despacho superior”, do Governo, lembrou, indicando, contudo, que “haverá indemnização por utilização deste equipamento pelo período que for necessário”.

O autarca referiu também que já está a decorrer, desde hoje, uma ação de fiscalização “a várias situações de alojamento” no território, em especial nas duas freguesias onde foi decretada a cerca e envolvendo a GNR, responsáveis de saúde pública e Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).

Caso sejam identificados infetados, e se “não houver condições para os manter no seu alojamento em isolamento”, “serão encaminhados para a Pousada de Almograve”.

“Se, por acaso, houver cidadãos, nesses mesmos alojamentos, que sejam considerados pela autoridade de Saúde em sobrelotação, esse número de elementos será encaminhado para o Zmar”, acrescentou.

Estas transferências vão ocorrer “à medida” que os casos forem sendo detetados e que “estas ações forem determinadas pela equipa que foi criada para este fim pela ‘task force’”, assinalou.

Segundo o autarca, os trabalhadores agrícolas, em torno dos quais se concentram as preocupações relativamente aos casos de covid-19, encontram-se “em três circunstâncias bem diferentes”.

“Alguns estão a viver em alojamentos nas quintas”, onde há, por um lado, “bons exemplos de alojamento” e, por outro, quem não tenha “adequação de instalações” ou se encontre “em sobrelotação”, sendo estes os que “estarão na situação de poderem ser direcionados para o Zmar”.

“Finalmente, uma terceira situação que será também fiscalizada” é a de “casas isoladas ou não, em meio urbano ou não, onde sejam identificadas situações de sobrelotação”, acrescentou.

José Alberto Guerreiro aludiu também às proibições e exceções à circulação a partir e para as freguesias sob cerca sanitária, frisando que “há limitações” para “trabalhadores que ultrapassem os limites” dessa medida.

Todos os trabalhadores, com exceção dos relativos às escolas e a “tudo o que tenha a ver com o sistema educativo, o sistema social e serviços essenciais”, como águas, saúde, gestão de resíduos, “ficarão com a sua circulação nesse território condicionada”, assinalou.

“Relativamente a trabalhadores que se encontrem alojados fora dos limites da cerca”, independentemente da atividade, agrícola ou outra, “não estão autorizados a entrar na cerca, nem com teste [de rastreio à covid-19] efetuado”, destacou.

Na conferência de imprensa, o autarca considerou ainda, tal como já tinha dito esta semana, que “existiam condições objetivas para um desconfinamento geral” no concelho, “face às últimas descidas, algo acentuadas, do número de casos de infeção e ao incremento da taxa de vacinação nos últimos 14 dias”.

Contudo, como tal não foi o entendimento do Governo, sendo que a cerca sanitária o apanhou de surpresa, admitiu, é preciso agora “empenho” e “determinação” para que esta “possa ser eficaz”.

“Só assim se justificará, para que os números, que estão neste momento em franco decréscimo, praticamente desapareçam do concelho” e, para que, no próximo Conselho de Ministros, possa ser determinado “o fim da cerca sanitária”, argumentou.

Autarca de São Teotónio culpa o governo pela necessidade de cerca sanitária

O presidente da Junta de Freguesia de São Teotónio, no concelho de Odemira, em Beja, culpou hoje o Governo pela necessidade de criação de uma cerca sanitária na sua freguesia, mostrando “consternação e surpresa” com o anúncio do primeiro-ministro.

“São Teotónio está neste momento a ser uma vítima da incompetência deste Governo, porque parece só agora ter acordado para esta realidade. A situação não tem sido acompanhada e não foi devidamente acautelada, mas o Governo sabe há muito tempo o que se passa nesta freguesia, afirmou Dário Guerreiro (PS).

Dário Guerreiro mostrou-se “surpreendido” com as declarações do primeiro-ministro, salientando que a Junta de Freguesia tem “ao longo dos últimos anos participado em reuniões com membros do Governo, onde tem feito o retrato do que se passa na freguesia”, o que sugere, diz, que António Costa “não fala com os seus ministros e secretários de Estado”.

É uma fatura demasiado pesada para população de São Teotónio que tem vindo a sofrer, como todo o país, confinamentos atrás de confinamentos, com uma fatura ainda mais pesada para aqueles que, mais uma vez, estão impedidos de abrir as portas dos seus negócios, nomeadamente, no turismo, restauração e pequeno comércio”, lamentou.

O autarca queixa-se de ter pouca, ou nenhuma, informação oficial e que a única que recebe é através do presidente da Câmara de Odemira, que o vai “convidando” para reuniões. “Até ao momento, não tenho um único telefonema do Governo ou das autoridades de saúde”, afirmou.

Dário Guerreiro sublinhou que a cerca é uma “realidade” e que há que ter “coragem e força para a ultrapassar”, mostrando-se disponível para “ajudar a encontrar soluções” para “eliminar esta situação” e para que “não volte a acontece no futuro”.

O Governo tem agora as portas abertas para, definitivamente, revolver a situação que existe na freguesia e não pode continuar a fechar os olhos, tem que agir e imediatamente”, advertiu.

O autarca aproveitou para questionar o ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, sobre o que tem feito para resolver a questão da subvenção estatal anual que a freguesia recebe e que não inclui a população migrante, mas a quem a freguesia “tem de prestar serviços”.

Deixou ainda perguntas à atual ministra e ao ex-ministro da Agricultura sobre o que foi feito ou está previsto fazer para que “este problema [de habitação dos migrantes] nunca mais venha a acontecer”, já que a pandemia “pode ir embora, mas este problema vai cá ficar”.

Dário Guerreiro questiona também o que se pretende fazer com a população que vai ser colocada no empreendimento ZMar Eco Experience requisitada pelo Governo para alojar alguns dos trabalhadores rurais.

“Quando a pandemia acabar estão a pensar colocá-los onde? Nas casas? É que temos aqui casas com 40, 50, 60 pessoas. Se agora são um problema de saúde pública, como é quando a pandemia acabar? Vai continuar tudo na mesma?” questionou.

Proprietários de casas do Zmar protestam contra requisição e recusam ceder habitações

Cerca de 20 proprietários com habitações no empreendimento Zmar, no concelho de Odemira, concentraram-se hoje no local em protesto contra a requisição decretada pelo Governo, para ali alojar pessoas em isolamento profilático, e recusam-se a abandonar as casas.

Em declarações aos jornalistas, o advogado Nuno Silva Vieira, que representa 114 dos 160 proprietários, esclareceu que o Zmar “não é apenas um parque de campismo, mas sim um espaço onde existem várias habitações particulares”.

“Há 260 casas, 160 de particulares, e esta requisição civil [do Governo] é para todo o empreendimento, por isso, espero que esta decisão venha a ser alterada pelo Governo”, sublinhou.

Num despacho publicado na quinta-feira à noite em Diário da República e que produziu efeitos imediatos, o Governo decretou “a requisição temporária, por motivos de urgência e de interesse público e nacional, da totalidade dos imóveis e dos direitos a eles inerentes que compõem o empreendimento ‘ZMar Eco Experience’, localizado na freguesia de Longueira-Almograve".

O espaço ficará alocado à realização do “confinamento obrigatório e do isolamento profilático por pessoa a quem o mesmo tenha sido determinado”, lê-se no diploma.

Segundo Nuno Silva Vieira, a requisição do Governo é sobre todas as habitações, o que demonstra que o executivo desconhece o empreendimento.

“Ninguém vai sair das suas casas e vamos ficar aqui tranquilamente à espera que o Governo venha falar connosco, porque com certeza o Governo não conhece este empreendimento”, destacou.

O advogado reforçou que o 'resort' não é um parque de campismo e que, “de acordo com a mais elementar regra constitucional do direito à habitação, ninguém pode sair das suas casas sem um despacho do tribunal”.

“O Governo não é o tribunal e as pessoas que aqui vivem não vão abandonar as suas casas para dar lugar a pessoas doentes. Não se trata de má vontade, tem a ver com leis”, apontou.

As dificuldades financeiras do empreendimento levaram a empresa gestora a avançar para a insolvência, mas um acordo entre credores e um plano de investimento previa a reabertura do espaço em 28 de maio.

De acordo com o administrador de insolvência, Pedro Pidwell, a requisição civil do Governo pode inviabilizar o investimento, “colocando em causa todo o processo”.

Segundo Pedro Pidwell, “a requisição civil para os fins a que se propõe coloca em causa a época alta e a faturação que seria essencial para que a empresa pudesse prosseguir a sua recuperação”.

“Isto aponta para a liquidação da empresa e para a extinção de mais de 100 postos de trabalho”, alertou.

Para o responsável, a ocupação turística do ‘resort’ pode ficar comprometida durante o verão, porque, no seu entender, “passar férias num sítio que foi um ‘covidário’ não é a solução mais apelativa”.

Pedro Pidwell disse aos jornalistas que foi enviada uma carta ao ministro da Economia “a explicar a situação e a expor os argumentos dos gestores e proprietários, mas, ao contrário do que foi dito, não houve qualquer resposta [da parte do Governo].

Alexandra Beato, uma das proprietárias, disse aos jornalistas que “a decisão do Governo não faz qualquer sentido, uma vez que as casas estão equipadas com os bens pessoais de cada pessoa”.

“Isto não é governar, isto é desgovernar, porque o que estamos a assistir não faz qualquer sentido, porque quem tomou esta decisão não se deu ao trabalho de perceber que tipo de empreendimento é este”, enfatizou.

O Zmar situa-se na freguesia de Almograve-Longueira, umas das duas freguesias - juntamente com São Teotónio - do concelho de Odemira que estão sob cerca sanitária para controlo epidemiológico da covid-19, decisão decretada pelo Governo na quinta-feira.

Questionado pelos jornalistas, em Vendas Novas, no distrito de Évora, sobre se haverá uma compensação financeira para os proprietários do Zmar, o ministro da Administração Interna respondeu que “essa questão não tem relevância” e que “o que está em causa é a saúde pública”.

Perante a insistência dos jornalistas, o ministro Eduardo Cabrita lembrou o que consta no despacho do Governo, nomeadamente que “o Ministério das Finanças assumirá as responsabilidades necessárias no termo do Código das Expropriações”.

“Mas, o que é fundamental é garantir que as pessoas que não têm condições de habitação digna” tenham a possibilidade de cumprir as “regras de isolamento profilático”, sublinhou o titular da pasta da Administração Interna.

Em Vendas Novas, no final da assinatura de protocolos para a constituição de 60 equipas de intervenção permanente (EIP), o ministro referiu que “a Lei de Bases da Proteção Civil diz que podem ser mobilizados equipamentos públicos ou privados” para dar resposta a problemas criados pela pandemia.
Este alojamento, adiantou, será feito em equipamentos públicos, na Pousada de Juventude de Almograve e nos pavilhões da Feira das Atividades Culturais e Económicas do Concelho de Odemira (FACECO), em São Teotónio.

“São dois equipamentos públicos no concelho e há outros equipamentos públicos mais distantes que estão também à disposição, designadamente a Base Aérea de Beja, mas, porque entendemos que a resposta pode ser dada localizadamente, está a ser usada uma estrutura privada”, realçou.

PSD acusa Governo de perpetuar más condições de habitabilidade em Odemira

O PSD considerou hoje "da maior gravidade" as declarações do primeiro-ministro relativamente às condições de habitabilidade da população migrante em Odemira e defendeu que a situação "foi perpetuada pelo Governo" através da moratória que permite manter contentores.

O Grupo Parlamentar do PSD endereçou hoje, através do parlamento, uma pergunta aos ministros do Ambiente e da Transição Energética e das Infraestruturas e da Habitação, iniciativa que é assinada pelos deputados Cristóvão Norte, Afonso Oliveira e Filipa Roseta.

Os sociais-democratas referem que António Costa falava sobre a "profusão de situações de indignidade habitacional, em particular, a fenómenos de permanência de trabalhadores agrícolas em estruturas sobrelotadas, em regra contentores, o que colide frontalmente com o acesso a habitação condigna".

"Sucede, todavia, que a situação descrita foi perpetuada pelo Governo, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 179/2019, a qual estabeleceu uma moratória de 10 anos que permite a manutenção de estruturas de habitação amovíveis, vulgo contentores, sem qualquer sentido de urgência para com os direitos humanos ou para com aqueles que hoje diz serem vítimas", salienta o PSD.

Neste sentido, os deputados querem saber se o Governo pretende "manter o prazo de dez anos de moratória concedida para colocar fim a estruturas habitacionais amovíveis, vulgo contentores, ou procederá a alterações na legislação em vigor", uma vez que "entende agora que estão em causa direitos humanos".

Na pergunta dirigida hoje ao Governo, o PSD destaca igualmente que "espoletou o debate desta matéria na Assembleia da República, por força da apresentação de um projeto de resolução em que representou a gravidade da matéria e no qual exigiu, entre outros aspetos, uma solução urbanística urgente e definitiva no prazo de um ano para resolver a crítica questão da habitação condigna, bem como o reforço imediato das infraestruturas e dos serviços públicos nos concelhos de Odemira e Aljezur para dar resposta à explosão demográfica resultado do crescimento agrícola registado nos últimos anos".

O partido assinala que o projeto de resolução "foi aprovado" mas lamenta que "desconhece-se que o Governo tenha adotado qualquer das recomendações da Assembleia da República a este respeito".

Os deputados sociais-democratas querem saber igualmente "que reforço de serviços públicos têm vindo a ter lugar para garantir as respostas adequadas às populações dos concelhos de Odemira e Aljezur" e perguntam ainda se o "Governo acusou a receção da Estratégia Local de Habitação dos municípios de Odemira e Aljezur para efeitos de apoio no âmbito do programa 1.º Direito" e se "já celebrou protocolo com os municípios em causa".

[Artigo atualizado às 19:43]