“É muito difícil fazer um isolamento nestas condições. As pessoas têm medo e tentam ter cuidado, mas acabam amontoadas e nem sempre têm dinheiro para máscaras”, disse à agência Lusa o secretário-geral da Associação de Doentes Angolanos em Portugal (ADAP), Vitorino Leonardo.

Este angolano vive há 12 anos em Portugal, onde chegou para fazer tratamento de hemodiálise devido a uma doença renal, estando alojado numa habitação que partilha com a família.

No entanto, existem dezenas de angolanos que, sem conseguir suportar o custo de uma habitação, vivem nestas duas pensões em Lisboa, pagas pelo Estado angolano, onde comem uma refeição, a única que conseguem fazer por dia.

O subsídio que recebem do Governo angolano (cerca de sete euros por dia) por esta deslocação por motivos de saúde raramente chega para as despesas mínimas e nos últimos anos tem registado atrasos significativos que já levaram estes doentes a realizar vários protestos frente à Embaixada de Angola, em Lisboa.

Atualmente, segundo Vitorino Leonardo, o atraso nos pagamentos ronda os quatro meses, mas pelo menos ainda têm direito à refeição diária na pensão que, apesar de muito criticada, ajuda. Esta única refeição foi, há alguns meses, suspensa pelo proprietário que acusava já um atraso no pagamento da estadia de vários anos.

Ao abrigo dos acordos entre Portugal e Angola, os cidadãos angolanos com patologias para as quais o sistema de saúde naquele país africano não dá resposta - nomeadamente cancro, doenças cardíacas e renais, que exigem hemodiálise, e algumas cirurgias – são transferidos para os serviços de saúde portugueses.

Contudo, em alguns casos os tratamentos prolongam-se por anos e devido aos problemas de saúde estes angolanos são impedidos de trabalhar, dependendo da estadia nas pensões, do subsídio e de ajuda para comer ou pagar medicamentos.

Muitos deles estão atualmente a recorrer a instituições de solidariedade para obter mais alimentos e medicamentos.

A situação agravou-se com a chegada da pandemia de covid-19 que, devido ao desemprego que tem provocado, impede muitas famílias e amigos de ajudar estes doentes, como até então faziam.

Os reflexos estendem-se aos tratamentos que, tal como tem acontecido para todos os utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS), estão a ser adiados, a par dos exames, consultas e até cirurgias.

“Nós entendemos que está tudo difícil para todos e que os hospitais não conseguem dar vazão. E que em alguns casos é melhor ficar em casa do que ir para os hospitais por causa do risco de infeção”, disse Vitorino Leonardo.

O problema agrava-se no interior das pensões, onde mais pessoas ficam durante mais tempo, sem a necessária distância. E assim estão dezenas de homens, mulheres e crianças.

Vitorino Leonardo disse que estes doentes têm muito medo de ficar infetados, até por causa dos seus problemas de saúde que os tornam de alto risco.

Sem gel nem material desinfetante à disposição, adquirem estes produtos e as máscaras sempre que o dinheiro chega.

“Agora, por exemplo, como receberam os subsídios em atraso há pouco tempo, muitos trataram logo de comprar máscaras. Mas quando acabar, como vão comprar?”, questionou.

Segundo Vitorino Leonardo, já se registaram casos de covid-19 nestas pensões e o medo é constante.

Em 2019, Angola transferiu para Portugal 43 doentes ao abrigo dos acordos de cooperação, através dos quais assegura o alojamento e um subsídio aos doentes e as despesas do SNS português. Em 2018 tinham sido 123 os doentes oriundos de Angola.

Entre 2016 e 2019, o SNS de Portugal tratou 8.344 doentes oriundos dos países africanos lusófonos, segundo dados da Direção-Geral da Saúde (DGS), avançados à Lusa.

As especialidades mais procuradas são cardiologia, oncologia, oftalmologia, pediatria, urologia, otorrinolaringologia, cirurgia geral e cirurgia pediátrica, ortopedia e neurocirurgia.

Os acordos de cooperação internacional no domínio da saúde visam assegurar, nas mesmas condições dos cidadãos nacionais, a assistência médica de doentes enviados pelos PALOP. Em Portugal encontram cuidados de saúde hospitalares e em regime de ambulatório no SNS, para os quais o sistema de saúde do país de origem não tem capacidade técnica para os prestar.

Para receberem tratamento em Portugal, estes doentes têm de ser aprovados pela Junta Médica Nacional ou pela autoridade de saúde competente do respetivo país de origem.

O Governo angolano anunciou entretanto, no sábado, o encerramento da junta de saúde em Portugal, a partir de fevereiro, após uma auditoria onde se concluiu que houve vários abusos no uso deste mecanismo.

O anúncio foi feito pelas ministras de Estado para a Área Social, Carolina Cerqueira, e da Saúde, Sílvia Lutucuta, numa conferência de imprensa, em Luanda.

Segundo Carolina Cerqueira, a junta de saúde tem beneficiado uma faixa da população já de si privilegiada e muitas das patologias que estavam a ser tratadas em Portugal já podem ser resolvidas em Angola.

A governante revelou que a maior parte dos doentes já foi cadastrada e foram regularizados os subsídios em atraso, tendo sido iniciado o regresso dos doentes com alta.

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