Manuel do Carmo Gomes comentava à agência Lusa as medidas de novo confinamento geral anunciadas na quarta-feira pelo Governo, que entram em vigor às 00:00 de sexta-feira, nas quais se destaca a manutenção do ensino presencial nas escolas.
“A lista de exceções é extremamente longa”, disse à agência Lusa o investigador da Faculdade de Ciências de Lisboa, considerando que, com estas medidas, o país vai levar “muito mais tempo a achatar a curva”.
Na reunião no Infarmed, que juntou na terça-feira investigadores e políticos, Manuel do Carmo Gomes alertou, com base em projeções, para o agravamento da situação epidemiológica, afirmando que dificilmente se evitará os 154 óbitos por dia de covid-19 dentro de duas semanas, número entretanto já atingido, e 14.000 casos diários.
“A minha opinião foi manifestada no Infarmed, penso que claramente, mas se calhar não fui suficientemente claro, e acho que devia imperar o princípio da precaução e usarmos todas as armas que temos neste momento para travar isto o mais depressa possível”, sublinhou.
Referindo-se particularmente às universidades, o epidemiologista disse ter “alguma dificuldade em compreender” porque é que “não se pode numa situação destas, que é tão séria, colocar parte do ensino, pelo menos, à distância, evitando a movimentação de uma série de jovens”.
“Mesmo que admitamos que dentro das salas de aulas não há contágio - enfim é discutível porque eu não acredito que a biologia do vírus mude dessa maneira - eu vejo frequentemente que os jovens socializam muito e vejo-os à porta da minha faculdade a formar grupos de convívio que seria completamente indesejável numa situação destas”, sublinhou.
Por isso, disse entender “mal estas exceções” e estar “preocupadíssimo”.
“Agora vamos ter duas semanas para ver qual é o impacto que isto tem. Se o meu pessimismo se confirmar, espero estar errado e que outros colegas tenham razão, veremos se temos de reajustar isto de outra maneira, só que no meu entender estamos a perder tempo”, avisou.
Para Carmo Gomes, o princípio da precaução implicava que o país tivesse aprendido com as “lições do passado”, recordando o que se passou na primeira vaga, em que havia 400 casos por dia e o país fechou a partir de 16 de março.
“Levámos sete semanas para ir ao pico e depois descer, com um confinamento muito mais forte do que este que temos agora, com escolas fechadas”, observou.
Neste momento, Portugal está a ir em direção aos 12, 13, 14 mil casos, disse, duvidando que com estas medidas “se consiga evitar chegar tão alto na epidemia”.
Questionou ainda quanto tempo irá levar “a ultrapassar o pico e a descer para níveis geríveis” que no seu entender são os 1.000, 2.000 casos. “Penso que só aí nós teremos um alívio a sério nos hospitais”, defendeu.
Alertou ainda para outra situação que “põe ainda em risco maior a situação”: “Quando o número de casos aumenta, os contactos aumentam exponencialmente” e os recursos humanos “não são infinitos”.
Se o país atingir os 12.000 casos diários, e houver uma positividade de 20%, vai ser necessário realizar em média 70.000 testes por dia para detetar todos estes casos.
“Será que há capacidade para isto?”, questionou afirmando que sente que “as pessoas estão cansadíssimas” e que se está com dificuldade em manter a testagem ao nível necessário.
Segundo Carmo Gomes, a consequência desta situação é não detetar casos. “Por cada 1.000 que se deixam escapar ao fim de dois ou três dias há mais 1.000 e por aí adiante”.
A covid-19 já matou em Portugal 8.236 pessoas dos 507.108 casos de infeção confirmados, segundo a Direção-Geral da Saúde.
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