“A gente vive disto, é o que nos dá de comer. Não o poderia voltar a fazer [parar], era impensável”, afirmou Maria José Machado, de 56 anos, feirante há 20, que durante três meses (entre março e maio) se viu impossibilitada de trabalhar devido ao confinamento decretado pelo Governo e não se imagina a passar pela mesma situação.

Entre ferragens, pijamas, sapatos, roupa hasteada, meias dobradas, fruta e doces tradicionais, poucos foram os que passaram e ainda menos os que compraram algo na feira de hoje de Paços de Ferreira, concelho que, no domingo, o primeiro-ministro António Costa apontou como o mais grave por ter uma taxa de incidência de infeções pelo novo coronavírus de mais de 4.000 casos por 100 mil habitantes.

“A feira vive de momentos”, desabafa Maria José Machado, a remexer nos pijamas e a controlar quem passava, quando a Lusa lhe pergunta como tem corrido o negócio.

Célia Monteiro Sousa, de 39 anos, também não “aguentava ficar outra vez na mesma situação” de março, e com o “rendimento a zeros”.

À feira de Paços, que hoje reunia cerca de 10 feirantes, Célia chegou cedo para montar a banca e também é cedo que hoje a desmonta.

“Não compensa ficar de tarde”, explicou.

Às portas do Mercado Municipal, perto de meia centena de empresários da restauração preparavam-se para, munidos das cadeiras dos próprios restaurantes, iniciar uma marcha silenciosa até às portas da Câmara.

“Não deixem os restaurantes morrer à fome” e “Não pedimos esmolas, só pedimos que nos deixem trabalhar” foram algumas das frases hasteadas nas cadeiras que, pelas ruas da cidade, despertaram a curiosidade da população.

Adelaide Martins, de 61 anos, mora no centro e já não via as ruas assim há algum tempo.

“Chega a haver dias em que não se vê ninguém”, assegura.

“É uma diferença brutal, à noite não se vê ninguém e durante o dia chega-se a uma certa hora e desaparece tudo”, contou a moradora, para quem “não são precisas mais medidas".

Também Júlia Moreira, de 61 anos, foi surpreendida esta manhã, mas a situação que descreve é outra e a indignação por o concelho “andar nas bocas do mundo” causa-lhe “vergonha”.

“Paços de Ferreira agora é falado todos os dias, tenho vergonha. Estamos a passar uma fase muito difícil. O que é melhor, melhorarmos ou morrermos?”, questionou.

Tem sido precisamente para “não morrer de tédio” em casa que Júlio Ferreira Coelho, de 76 anos, sai “só para tomar um cafezinho e dar um passeio”.

“Regresso a casa sempre por volta das 11:45 e depois não saio mais, recolho logo”, contou o reformado, lamentando que os restaurantes estejam encerrados ao domingo, pois é o dia em que habitualmente vai almoçar fora com a mulher.

O dever de recolher obrigatório aos fins de semana pelas 13:00 foi uma das reivindicações dos empresários da restauração que não arrecadaram pé da porta da autarquia até que alguém os ouvisse.

Se, cá fora, se lutavam por direitos, na tentativa de combater “o medo” dos munícipes em frequentar os estabelecimentos, dentro da autarquia, quatro funcionárias acompanham quem está em casa em isolamento sem saber o que fazer.

Em média, o ‘call center’, instalado desde segunda-feira, na Câmara de Paços de Ferreira, tem feito 500 chamadas diárias, algumas das quais referentes a casos que remetem ao dia 21 de outubro, disse à Lusa o presidente da autarquia, Humberto Brito.

“É uma solução revolucionária em Portugal”, classificou.

O autarca destaca que os serviço permite “libertar serviços que estão assoberbados de trabalho e de chamadas”, mas também acompanhar todas as pessoas referenciadas pelas unidades de saúde pública.

Por: Sofia Cortez da Agência Lusa