Marca o distanciamento mínimo que os deslocados deverão manter entre si na fila para receber donativos (mantas e esteiras) e o recinto até é delimitado com uma corda, tudo para prevenir a covid-19.

Mas a ironia é evidente: à volta, centenas de pessoas estão literalmente a acotovelarem-se umas nas outras para ver o que se está a passar e para marcar lugar na distribuição – muitos sem máscara.

“Não é à primeira que acatam as recomendações. Há quem até pense que isto não é coisa que os afete”, descreve Mustafá, membro da organização não-governamental (ONG), Ayuda en Acción, que gere as cinco zonas de acomodação de deslocados de Metuge, Cabo Delgado.

Ali estão refugiadas cerca de 10.000 pessoas, com famílias numerosas de cinco a 10 pessoas que partilham tendas.

“Nós como organizações que com eles trabalhamos, aconselhamo-los sempre e tentamos fazer ver”, através do exemplo, “quais são as formas de distanciamento social”, sublinha.

Assim, a distribuição lá decorre, seguindo à risca as marcas no chão, cada um a lavar as mãos antes de passar para dentro da corda – mas do lado de fora, o único sinal de prevenção de covid-19 em todo campo são as máscaras que alguns deslocados trazem.

O bispo de Pemba, Luiz Fernando Lisboa, visita as zonas de acomodação com regularidade e diz que não há maneira de garantir distanciamento social nestes campos de deslocados.

“Toda a gente está junta. As crianças brincam o tempo todo juntas. Não há como”, sublinha o bispo, considerando que, “infelizmente, a covid-19 ficou para segundo plano” em Cabo Delgado.

“Não falo isso com prazer. Dá tristeza, porque só veio piorar a situação”, numa altura em que a província mais precisa de apoio do mundo inteiro.

Se por um lado parece que não há maneira de haver prevenção, por outro pode ser uma questão de insistência.

“Não é impossível” cumprir as medidas nestes campos, diz Daniel Timme, chefe de comunicação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), “mas é um processo educacional”.

“Estamos a fazer campanhas” de divulgação de informação, destaca, no que classifica como um trabalho continuo.

Mas a pandemia tem outro lado, acrescenta: afeta também o trabalho humanitário, por exemplo, no combate à nutrição, que atinge cerca de metade da população.

“Normalmente, o que fazemos em zonas como esta é estabelecer centros de saúde para observação”, mas tal não é possível agora, por forma a evitar aglomerações, ficando o trabalho entregue apenas a brigadas móveis, no exterior.

Há também menos oportunidades para mobilizar recursos humanos e materiais a nível global para acudir à emergência em Cabo Delgado, reconhece.

Célia Aiuba, deslocada, usa uma máscara e abastece-se de água no campo 03 de Fevereiro em Metuge: dois alguidares que vão servir para cozinhar, lavar roupa e para a higiene pessoal, descreve.

Ao lado Tima Ali, de sorriso à vista, carrega baldes e ri-se quando lhe perguntam onde está a máscara.

Duas torneiras emergem do chão de terra, rodeadas de alguidares e baldes coloridos, com várias mulheres de olho na água, cada qual a aguardar a sua vez.

“Tivemos de criar condições para as pessoas terem água potável, instalações de saneamento e fazer educação comunitária para melhorarem os hábitos de higiene, considerando a covid-19″, destaca Samuel Manhiça, responsável pela água e saneamento do UNICEF.

A agência das Nações Unidas instalou vários quilómetros de canalizações desde a rede principal de abastecimento a Pemba, capital provincial, até aos campos de deslocados.

As torneiras garantem água 24 horas por dia, numa zona que mesmo antes da covid-19 “já era considerada de risco para doenças relacionadas com água imprópria”, como a cólera.

“Daí a importância de garantir água potável nesta zona”, sublinha, pois não haverá desculpa para não lavar as mãos.

Já quanto a usar máscara e haver distanciamento social, a missão parece impossível, mas as organizações humanitárias continuam a insistir nas recomendações, acreditando que haverá quem cumpra as regras de prevenção.