"Estamos com saúde e estamos bem. É o mais importante", diz, abalado, Miguel Garcia, presidente de uma das associações que no final da semana passada assinou um documento com o compromisso para a reabertura dos cabeleireiros, barbeiros, manicures, pedicures e institutos de beleza no início de maio.
Todavia, as notícias interpretaram o documento — que ainda não foi validado pelas autoridades — como já sendo certa a data em que passa a ser possível marcar uma ida a estes espaços. Miguel denuncia: "é fake news”.
O presidente da Associação Portuguesa de Barbeiros, Cabeleireiros e Institutos de Beleza (APBCIB) esclarece que "o Governo não deu essa notícia”: "Estamos constantemente a ser bombardeados e a ouvir dizer que somos 'tolinhos', porque na televisão aparece a dizer que reabrimos no dia 2 de maio”.
Cristina Bento, citada nas notícias como sendo a presidente da APBCIB, é, na verdade, a assessora da direção desta organização, estando a servir como porta-voz das cinco associações do setor dos cuidados pessoais. Ao SAPO24 alerta para uma situação que pode levar a “falsas expectativas e comportamentos menos adequados”.
"O que as associações fizeram, em conjunto, foi solicitar ao governo a permissão de abertura no início de maio, comprometendo-se ao cumprimento de determinadas regras, que entendem ser suficientes e necessárias para reiniciar a atividade, protegendo todas as pessoas envolvidas.”
"Não somos nós que podemos dizer quando abre”, explica. "Até acredito que neste momento ninguém tem a resposta para essa pergunta, porque tudo vai depender da evolução da pandemia nesta próxima semana: pode haver uma contenção, ou um aumento de casos que leve, até, a que eventualmente o estado de emergência seja novamente declarado, com outras medidas menos ou mais restritivas", diz a porta-voz de todas as cinco associações do setor em Portugal.
"Esta afirmação tem de ser clarificada porque se está a criar expectativas num setor que está a atravessar imensas dificuldades e cria-se esta inquietação", alerta Cristina. "Depois não dá bom resultado.”
Miguel Garcia sublinha a preocupação: “estas notícias, estes comunicados — e este que apareceu agora no Polígrafo deixou-nos arrasados — deixam-nos sem saber o que havemos de fazer”.
"Para o comum cidadão e para o profissional que está no terreno e que está aflito para trabalhar, vê na televisão que é dia 2 e nós estamos a ser massacrados e não sabemos como vamos sair disto, porque não há certezas absolutamente nenhumas de que consigamos abrir”.
"Nunca foi divulgado pela nossa parte que a abertura seria no dia 2 de maio", afirma Cristina. "Nem nós, nem nenhum setor pode dizer que vai reabrir em determinada data porque isto ainda vai estar sujeito a apreciação", explica.
"O que nós quisemos foi alertar que estamos em condições de poder mobilizar o setor dos cuidados pessoais para retomar a atividade em segurança", esclarece. "Estamos a criar uma instabilidade: não há nenhuma garantia para abertura, muito menos no dia 2 de maio. Há, sim, um pedido, em nome de todas as associações do setor, para que a reabertura seja no início de maio, com o cumprimento de determinadas regras — mas é um pedido, não é nada garantido", reforça.
O estado de emergência vigora em Portugal desde o dia 19 de março e, segundo a Constituição, não pode ter duração superior a 15 dias, sem prejuízo de eventuais renovações com o mesmo limite temporal. A última renovação estendeu-o até ao dia 2 de maio.
No decreto que renova o estado de emergência, Marcelo Rebelo de Sousa afirma que “em função da evolução dos dados e considerada a experiência noutros países europeus, prevê-se agora a possibilidade de futura reativação gradual, faseada, alternada e diferenciada de serviços, empresas e estabelecimentos, com eventuais aberturas com horários de funcionamento adaptados, por sectores de atividade, por dimensão da empresa em termos de emprego, da área do estabelecimento comercial ou da sua localização geográfica, com a adequada monitorização.”
Porém, o presidente alerta que “para que tal seja possível, é necessário, nomeadamente, como definido pela União Europeia, que os dados epidemiológicos continuem a demonstrar uma diminuição da propagação do vírus, que a capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde continue a estar assegurada e que a capacidade de testes seja robusta e a monitorização conveniente.”
No dia 16, no parlamento, primeiro-ministro afirmou ser necessário já em maio “olhar para as atividades a que a autoridade do Estado impôs o encerramento: desde logo o comércio, mas também a restauração", defendendo ações "prudentes e graduais.”
“Devemos começar pelo pequeno comércio de bairro, aquele que junta menos gente, que exige menos distância de deslocação, melhor serve a economia local e melhor. Responde às necessidades mais imediatas dos cidadãos; depois, podemos avançar para outras lojas de porta aberta para a rua; e, finalmente, devemos chegar também às grandes superfícies.”
Sobre o setor dos cabeleireiros, o líder do governo disse que “esse é um grande desafio: os cuidados pessoais, designadamente os cabeleireiros ou os barbeiros — temos de ter normas específicas de segurança para os profissionais e também para os utentes, mas temos de dar resposta e temos de ser capazes, durante o mês de maio, de criar condições para que voltemos também a ter esses serviços abertos”, disse Costa, sem nunca se comprometer com uma data concreta.
Situação “extremamente dramática”
Miguel Garcia admite que o setor está a chegar a um ponto "extremamente dramático". "Estamos a chegar ao final do mês e não há uma decisão concreta sobre se vamos abrir no princípio de maio — no dia 4 — ou se se vai prolongar mais 15 dias", diz o responsável.
"No caso de se prolongar [o estado de emergência] por mais 15 dias, não temos indicação nenhuma do governo sobre se o lay-off que está até ao final de abril terá algum ajuste e um prolongamento para maio, para que nós tenhamos um mínimo de apoio", explica o presidente da APBCIB.
Mas mesmo este apoio, com o governo a assumir 70% dos salários, prometido para o mês de abril, ainda não chegou às empresas, denuncia.
Porém, apesar dos eventuais apoios, “há muita gente que já não vai retomar, que já fez renúncias de contratos. Há muita gente que não vai retomar, independentemente do dia em que se começar.”
Para estancar os encerramentos, alerta para a necessidade do prolongamento do apoio ao lay-off: “se quando recomeçar a atividade não continuar a haver a ajuda do Estado, no mínimo durante três meses, com um lay-off remodelado e ajustado à nova realidade de partes da equipa ficarem em casa, ao fim de dois três meses cai a situação das outras empresas todas e não sabemos como vamos reagir, porque o desemprego vai ser mais que muito”.
Até porque o regresso à atividade não garante o regresso ao rendimento anterior à crise: "vamos trabalhar por marcações, com distância entre clientes, e, portanto, vamos ter menos gente. Automaticamente isto leva a uma menor receita", alerta Miguel. "Não podemos trabalhar todos ao mesmo tempo”.
Em 2018, o Instituto Nacional de Estatística contabilizava 38.328 salões de cabeleireiro e institutos de beleza em Portugal, nos quais trabalhavam 50.244 pessoas.
Miguel Garcia assume que nesta altura já seria possível reabrir com tranquilidade: poderíamos abrir a 4 de maio perfeitamente tranquilos”. "A curva dos contagiados tem estado num planalto, como se tem visto, mais ou menos controlado. Parece-me perfeitamente normal, apesar de ainda faltar uma semana e meia", diz. "A não ser que haja qualquer coisa até lá nos contágios", ressalva o responsável.
Miguel Garcia admite que após a reabertura "haja algum aumento, numa ou outra zona, num ou outro caso" dos contágios. "Vamos ter de viver com isto até ao inverno que vem, é inevitável", antevê. "Não temos alternativa, mas não podemos estar a parar. É inviável para os empregadores, para os trabalhadores, para o estado", resume.
Arranjar o cabelo só com marcação, máscara e muitos cuidados
Aos secadores, tesouras e pentes, acrescenta-se agora "a viseira, a máscara e as luvas" na paisagem do salão de beleza, para além das marcações, que também hão de ficar "até ao inverno que vem", prevê Miguel.
"Nós cabeleireiros, barbeiros e estéticas já tínhamos um sistema de higiene que era normal, porque trabalhamos com o corpo, com o contacto físico entre pessoas; já havia uma higienização e já havia doenças infectocontagiosas com que nós tínhamos sempre cuidado", lembra o responsável. "Neste momento é só um reforço de todas as medidas que já tínhamos”, explica.
Entre as medidas sugeridas pelas associações do setor inclui-se a imposição de um número limitado de pessoas dentro de cada estabelecimento, para que seja possível cumprir as indicações de distanciamento social que têm sido sublinhadas pela autoridade de saúde.
Além disto, o acesso aos serviços será feito apenas por marcação, solução que permitirá evitar concentrações de pessoas além do número limite que deve ser observado, e os clientes e funcionários estarão obrigados a usar máscara e materiais descartáveis. Os não descartáveis serão esterilizados.
"As pessoas estão conscientes de que isto é fundamental. Ninguém quer ficar doente, ninguém quer ficar com uma cliente doente, nem ter a possibilidade de um dia haver quem diga que o contágio foi no seu estabelecimento", lembra Cristina Bento.
Estes procedimentos estão a ser propostos às autoridades de saúde pelas associações, que agora aguardam a eventual validação pelas entidades competentes, como a Direção-Geral da Saúde.
Foram feitos tendo como base "documentação da Organização Mundial da Saúde e orientações já publicadas pela própria Direção-Geral da Saúde", explica Cristina. "Não inventámos a roda, consultámos as orientações", lembra. Para além disso, foram ver as orientações dadas ao setor nos países onde a atividade já está a ser retomada.
Também os clientes deverão estar de máscara. Miguel Garcia acredita que a maioria das pessoas não vai sair de casa sem ela, mas explica que será entregue uma aos clientes que cheguem desprotegidos aos salões.
"Todos os clientes conhecem o seu profissional, normalmente há uma ligação", explica Miguel, afastando a possibilidade de haver uma quebra na confiança. "Neste momento há o medo, mas depois será diluído", acredita o responsável da APBCIB.
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