Há atualmente 258 milhões de migrantes no mundo, pelo que “a gestão da migração é um dos testes mais urgentes e profundos à cooperação internacional no nosso tempo”, frisou António Guterres num relatório divulgado hoje, que marca o ponto de partida para as negociações multilaterais do futuro e inédito pacto global para a migração (Global Compact for Migration, na versão em inglês) que a ONU ambiciona formalizar ainda este ano.
Sob o lema “Making Migration Work for All” (“Tornar a migração positiva para todos”, na tradução em português), o secretário-geral das Nações Unidas relembrou neste relatório que a migração é “uma realidade global em expansão”.
As estimativas atuais, enfatizou, apontam para 258 milhões de migrantes no mundo, valor que significa, segundo os cálculos da ONU, que estes representam 3,4% dos habitantes mundiais e que aumentaram mais do que a própria população mundial durante os últimos 17 anos (49% contra 23%).
A probabilidade destes números crescerem no futuro, devido a tendências demográficas e aspetos como o impacto das alterações climáticas, é muito real e como tal, segundo António Guterres, “o tempo para debater a necessidade de cooperação neste campo é uma coisa do passado”.
Para o ex-primeiro-ministro português, que assumiu a liderança das Nações Unidas em janeiro de 2017, o presente mostra aos Estados-membros da ONU um desafio basilar: “Maximizar os benefícios da migração, ao invés de ficarmos obcecados em minimizar os riscos”.
“Temos provas claras que, apesar de muitos problemas reais, a migração é benéfica tanto para os migrantes quanto para as comunidades que os acolhem, em termos económicos e sociais. A nossa principal tarefa é ampliar as oportunidades que a migração oferece a todos nós”, sublinhou Guterres no documento onde traça linhas orientadoras e sugestões para o processo negocial deste pacto de contornos mundiais.
A par das dimensões mundial, regional, local e até comunitária da questão migratória — todas elas frisadas no documento – o secretário-geral da ONU dirigiu palavras aos governos nacionais dos países que integram a organização e advertiu: “Dado que o pacto global é um acordo entre os Estados-membros, a credibilidade [do pacto] dependerá de compromissos nacionais bem definidos”
“Exorto os Estados-membros a elaborarem planos de ação nacionais pormenorizados de forma a avançar com uma abordagem governamental que procure abordar as dimensões de desenvolvimento, segurança e direitos humanos da migração”, disse António Guterres, pedindo também, entre outros aspetos, que se concentrem em alternativas à detenção de migrantes e, em particular, no fim da detenção de crianças migrantes.
Ainda a nível político, o relatório assinado por Guterres sustenta que os Estados-membros precisam de renovar “o sentido de confiança mútua” na gestão das questões migratórias, de convencer a opinião pública que os governos conseguem lidar com este dossiê “com responsabilidade e eficácia” e de assinalar as oportunidades geradas.
“A alternativa é mais desconfiança e discriminação em relação aos migrantes, mais xenofobia e mais falhas para lidar com os grandes movimentos mistos de migrantes e de refugiados. Este é um cenário inaceitável e devemos nos esforçar para o prevenir”, prosseguiu.
“Se os governos abrirem mais caminhos jurídicos para a migração, com base em análises realistas das necessidades do mercado de trabalho, é provável que existam menos cruzamentos nas fronteiras, menos migrantes a trabalhar fora da lei e menos abusos de migrantes irregulares”, reforçou.
Embora a maioria dos migrantes circule de forma segura, ordenada e regular, existe uma minoria significativa, exposta a situações vulneráveis, que enfrenta condições que colocam vidas em perigo.
O relatório do secretário-geral das Nações Unidas observa que 2017 ficou marcado pela morte de 5.136 migrantes (números até ao início de dezembro) e que, desde 2014, mais de 22 mil migrantes perderam a vida em todo o mundo. O documento destaca ainda que cerca de seis milhões de migrantes são atualmente vítimas de trabalho forçado.
Na opinião de Guterres, os recentes movimentos migratórios de grande escala, muitos dos quais desencadearam grandes crises humanitárias, “testaram severamente” as capacidades de uma resposta global e, como tal, o futuro pacto também deve incluir uma estratégia especial para esta matéria.
O pacto global para a migração deu os primeiros passos em setembro de 2016, quando os 193 membros da Assembleia-Geral da ONU adotaram por unanimidade a chamada “Declaração de Nova Iorque”.
Em dezembro passado, o México (país, a par da Suíça, que ficou encarregado de facilitar a elaboração do quadro internacional sobre migração) acolheu reuniões preparatórias com os Estados-membros.
O relatório assinado por António Guterres surge após a conclusão desta fase preparatória de consultas, mas também depois de o Presidente norte-americano, Donald Trump, ter decidido, em dezembro, retirar os Estados Unidos deste pacto da ONU, alegando que o acordo é “incompatível” com a política da atual administração norte-americana.
Comentários