As crianças do Jardim de Infância do Canhoso, no concelho da Covilhã, estão a recolher roupa inutilizada e a levá-la para uma fábrica de reciclagem mecânica, que a transforma em fio para fazer novas peças e oferecê-las a instituições.

O projeto “Roupa Velha e Estragada Pode ser Reciclada” resulta de uma parceria com a empresa de fio reciclado ecológico J. Gomes, localizada no concelho do distrito de Castelo Branco, que desafiou outras três fábricas a colaborarem para fazerem o produto final.

Na J. Gomes, que recolhe os restos da indústria têxtil e dos lanifícios e, em vez de irem para aterro ou serem incinerados, transforma-os novamente em fio para ser reutilizado, “tudo é aproveitado”, salientou Catarina Gomes, proprietária da empresa que há 47 anos trabalha a sustentabilidade, quando essa palavra não era ainda utilizada.

Contactada pela educadora de infância para a cedência de materiais, quando foi mencionado o interesse da escola em desenvolver um projeto na área, Catarina Gomes entendeu ser a ocasião para implementar a Reuse Box.

O entusiasmo das crianças, entre os 03 e os 06 anos, foi tal, que rapidamente encheram o caixote com roupas estragadas e já queriam levar peças de casa que podem ser doadas, uma diferença que lhes foi explicada.

De mão dada com outra criança, enquanto o grupo comentava o cheiro a lã e visitava a fábrica, para ver todas as fases do processo de transformação, Carlota, de seis anos, pediu para que “as pessoas parem de fazer mal ao planeta”.

“Não sabia que se podia fazer isto”, acrescentou, com amostras do resultado de cada máquina na mão.

No Parque Industrial do Canhoso, onde assistiu desde a separação da roupa à entrada na cortadeira, esfarrapadeira, ida para o sortido, fiação e a saída do fio para a bobinadeira, pronto a ser reutilizado, Laura, 06 anos, agitou-se com o ruído da fiação e cada vez que a carruagem com os rolos se aproximava, mas manifestou-se satisfeita por “existir esta forma de ajudar a melhorar o planeta”.

Catarina Gomes vincou que a educadora lançou às crianças “uma semente”, que a J. Gomes vai ajudar a germinar, juntamente com o Grupo Paulo de Oliveira, na Covilhã, a Twintex, no Fundão, e a Borgstena, em Nelas, “aproveitando sinergias”.

Do fio reciclado, uma faz os tecidos, outra os cortes e bainhas e cada uma escolhe a que instituições da região vão doar as peças, sejam roupa, mantas ou camas para animais, informou, em declarações à agência Lusa, a empresária da J. Gomes, unidade “habituada a fazer acontecer com o que ninguém quer, com o ‘pré-consumer’, com o que para outros é lixo”.

A educadora de infância Emília Carvalho notou uma sensibilização das crianças para a temática e disse acreditar que podem ser veículos para passar a mensagem às famílias e na comunidade.

“É uma geração que pode ficar mais consciencializada. As anteriores não estavam tão despertas para estas questões”, frisou.

Na sede do Agrupamento ‘A Lã e a Neve’ vai ser colocada também uma caixa e o diretor, Ricardo Silva, considerou importante os alunos perceberem que a roupa “estragada e sem solução não vai poluir o ambiente, mas ter um segundo ciclo de vida, além de poderem acompanhar o processo, verem como se faz o fio e saberem que em outra fábrica vai ser produzido alguma coisa com um fim social, para a qual eles contribuíram”.

Para ajudar a transmitir o conceito, Catarina Gomes escreveu um livro onde fala sobre o ciclo da lã e o “hospital do doutor Gomes”, que trata roupa rasgada ou com borbotos e lhe dá outra utilidade, numa unidade onde, mensalmente são recolhidas cerca de 150 toneladas de resíduos que não vão para o lixo.

Catarina Gomes sublinhou não poder “ter as máquinas a trabalhar só para solidariedade”, porque há 35 ordenados para pagar e existirem limitações no alargamento do projeto, mas destacou que o objetivo é contribuir para a missão de “ajudar a sensibilizar as crianças e a sociedade”.

Para as crianças, alinhadas duas a duas, passa a mensagem de que se deve é “comprar pouca roupa e tornar as compras mais conscientes”.

“Eu posso ganhar muito dinheiro, mas, se não tiver planeta, não o posso gastar, e a minha geração vai deixar aos filhos um planeta pior do que o que recebeu dos avós”, enfatizou Catarina Gomes, à Lusa.