Há sondagens para "todos os gostos" como referiu Carlos Rosado de Carvalho e multiplicam-se as situações que criam desconfiança e tensão em torno do processo eleitoral que irá decidir o futuro político de Angola.
Na próxima quarta-feira, 24 de agosto, cerca de 14 milhões de angolanos, incluindo residentes no estrangeiro, estão habilitados a votar. Refira-se que metade dos eleitores angolanos têm menos de 35 anos, sendo que em Portugal estão mais de um terço dos eleitores registados no estrangeiro. As urnas abrem às 07h00 e fecham às 17:00, “desde que já não haja ninguém para votar”, garantiu Lucas Quilundo, porta-voz da Comissão Nacional de Eleições (CNE).
Esta será a quinta eleição da história de Angola, sendo que desde que entrou em vigor a Constituição de 2010 que não se realizam eleições presidenciais. Ditam as regras que o Presidente e o vice-presidente de Angola sejam os dois primeiros nomes da lista do partido mais votado no círculo nacional.
Os 220 membros da Assembleia Nacional angolana são eleitos por dois métodos: 130 membros de forma proporcional pelo chamado círculo nacional, e os restantes 90 assentos estão reservados para cada uma das 18 províncias de Angola, usando o método de Hondt, e em que cada uma elege cinco parlamentares.
No total, são oito partidos políticos que concorrem às eleições gerais de 24 de agosto: o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA); a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA); a Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE); o Partido de Renovação Social (PRS); a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA); A Aliança Patriótica Nacional (APN); o Partido Humanista (PH) — que tem a única mulher candidata à presidência, Florbela Malaquias — e o Partido Nacionalista da Justiça em Angola (P-Njango).
Em 2017, o MPLA obteve a maioria, com 61,07% dos votos, e elegeu 150 deputados. Já a UNITA conquistou 26,67% e 51 deputados, mas o cenário pode ser muito diferente a 24 de agosto deste ano, num frente a frente que opõe João Lourenço, o escolhido de José Eduardo dos Santos para manter o legado do MPLA, e o líder da UNITA, Adalberto da Costa Júnior.
Não faltam sondagens, mas questiona-se a sua fiabilidade. A 16 de agosto, o Jornal de Angola deu nota de três sondagens que davam uma vitória do MPLA, em particular uma da Pob Brasil (com 62% das intenções de voto) e outra da AngoPolls (com 59%), mas as auscultações recentes do Movimento Cívico Mudei apontam para uma vitória da UNITA (com 48,5% das intenções de voto, face a 28,9% para o MPLA), assim como os dados mais recentes do Angobarómetro, que indicam que 76,36% dos eleitores é favorável à alternância política, que 62,33% preferiam entregar os destinos da nação a Adalberto da Costa Júnior e que a UNITA reúne 61,58% de votos, contra 35,62% para o MPLA.
O Angobarómetro refere ainda que os resultados apurados em julho apontam para uma tendência que se prolonga há mais de um ano e que pode ser explicada pelo "desgaste cada vez mais acentuado da imagem de João Manuel Gonçalves Lourenço que – pese embora a consequente e permanente mediatização de suas frequentes aparições nos órgãos públicos de comunicação social - não consegue convencer o eleitorado, atendendo o facto de que a excessiva campanha tem surtido efeitos adversos, de saturação a favor do partido UNITA e do seu cabeça de lista".
Em entrevista ao SAPO24, Luaty Beirão deu voz a este sentimento, dizendo que "todo o capital de confiança que [João Lourenço] granjeou foi completamente desperdiçado”, dando nota da desilusão de muitos angolanos pela ausência de reformas de fundo depois dos 38 anos de poder de José Eduardo dos Santos.
"Votou/Sentou" ou "Votou/Bazou"?
As sondagens — o MPLA foi acusado de ter "inventado" sondagens que lhe dão a vitória nas eleições do dia 24 de agosto — não são o único motivo para a descredibilização do processo eleitoral, um tema, aliás, que tem dominado a campanha.
A UNITA, pela voz do seu líder, denunciou a existência de 2,5 milhões de falecidos nos cadernos eleitorais (incluindo o falecido Jonas Savimbi, ex-líder do partido).
A sociedade civil, em marchas e outras ações de protesto, reivindicou não apenas a limpeza dos cadernos eleitorais, como contestou a instrumentalização da comunicação social pública pelo MPLA, das forças de segurança e de entidades como a Comissão Nacional de Eleições, além de apontar várias irregularidades na contratação da INDRA, empresa que vai assegurar a logística eleitoral, ameaçando mesmo impugnar o resultado das eleições.
Mais recentemente, um cabeça de lista da UNITA, Sampaio Mucanda, acusou o MPLA de corromper cidadãos pobres do Namibe, em troca de 51 mil kwanzas, avisando que podem ser impedidos de votar por terem tinta indelével no dedo. (Vídeos colocados a circular nas redes sociais, mostram cidadãos com os dedos indicadores pintados com tinta indelével, após receberem a quantia financeira, cerca de 117 euros, distribuída por responsáveis do projeto Kwenda, programa do Governo angolano que visa apoiar as famílias em situação de pobreza e vulnerabilidade, e que entrou em vigor em maio de 2020. Em troca, os beneficiários recebiam um boletim simulado, já preenchido, para que pudessem mobilizar família e amigos a votar no MPLA.)
A desconfiança é sentida mesmo por aqueles que estão fora do país. "Não acredito que haverá uma mudança política, porque há muita manipulação de voto", partilhou Dania Silva, de 22 anos, em declarações à Reuters. "Nada mudou em termos de transparência nas eleições desde 2017, então se o partido no poder, o MPLA, vê que as coisas não lhe estão a correr bem, tem a capacidade de falsificar os resultados", acrescentava Justin Pearce na mesma reportagem.
Integrante do Movimento Cívico Mudei, o rapper e ativista Luaty Beirão prepara-se para participar numa operação nacional de contagem de votos paralela à oficial. “Ninguém confia neste processo, isso é palpável, as pessoas estão crispadas, estão enervadas”, disse à Lusa.
No centro de escrutínio paralelo, já montado em Luanda, será possível carregar as atas síntese das assembleias de voto de todo o país numa plataforma eletrónica, tornando os resultados visíveis ao público no imediato. Por lei, as atas síntese devem ser afixadas em cada assembleia assim que terminar a contagem dos votos, e o movimento conta receber, através dos seus números de WhatsApp e do Facebook, milhares de fotografias enviadas por pessoas, pertencentes, ou não, ao Mudei. Luaty garante que a contagem é fidedigna, até mais do que a dos partidos “que são parte interessada nas eleições”, enquanto “a sociedade civil está interessada na transparência”.
A desconfiança deu mesmo origem a um movimento, denominado, "Votou/Sentou", com a UNITA a apelar aos eleitores que se mantenham nas imediações das assembleias após exercerem o seu direito de voto para garantir que não há irregularidades.
Além de ser ilegal permanecer no local de voto, receia-se que a adesão a este apelo venha a gerar atritos no dia 24 de agosto. O presidente da CNE, o presidente e líder do MPLA, João Lourenço e Manuel Fernandes, candidato da coligação CASA-CE, terceira força política do Parlamento, manifestaram já a sua discordância. E já há apelos para que se faça o oposto "Votou/Bazou".
Luaty Beirão defende a fiscalização do voto pelos eleitores, apesar de não tomar posição sobre o apelo “Votou/Sentou”.
“Quem levou as pessoas a este nível de desconfiança foi quem não promoveu um processo transparente”, diz, realçando que “as pessoas vão usar do seu legítimo e constitucional direito à circulação e liberdade de informar e ser informadas”.
O escrutínio contará ainda com a Missão de Observação Eleitoral da CPLP, que terá 33 pessoas e permanecerá no país entre os dias 19 e 27 de agosto, sendo chefiada pelo ex-presidente cabo-verdiano Jorge Carlos Fonseca. “Os observadores da CPLP vão testemunhar a fase final da campanha eleitoral, o dia da votação, a contagem dos votos e o apuramento parcial dos resultados, prevendo-se a permanência na capital, Luanda, e o desdobramento em equipas enviadas para outras províncias”, lê-se em comunicado.
"A eleição mais tensa desde 1992"
Metade dos angolanos vive na pobreza e mais de metade daqueles que têm menos de 25 anos estão desempregados (a taxa de desemprego na população com 15 ou mais anos foi estimada em 30,2% entre abril e junho). Estas condições permitem à UNITA capitalizar uma mensagem de mudança.
"Sem dúvida que esta é a eleição mais tensa desde 1992", diz Ricardo Soares de Oliveira, investigador da Universidade de Oxford, à Reuters. "Há uma grande volatilidade e imprevisibilidade — e o partido no poder tem muito medo", acrescentou.
Escolhido por José Eduardo dos Santos, João Lourenço prometeu lutar contra a corrupção — não poupando sequer os filhos do ex-presidente — e impulsionar a economia, mas "os problemas que afetam as pessoas diretamente... não foram resolvidos", diz Jon Schubert, professor de Antropologia na Universidade da Basileia, na Suíça.
A tensão está latente e faz multiplicar os apelos à paz social, uma vez conhecidos os resultados.
O líder do MPLA, João Lourenço, garantiu que o seu partido vai "aceitar e respeitar" os resultados das eleições — e exortou todos os concorrentes a fazerem o mesmo. “Todos nós concorrentes, temos obrigação de aceitar os resultados eleitorais”, disse, lembrando que os partidos políticos que concorrem às eleições, “por este simples facto, assumem o compromisso da defesa da paz e da estabilidade, da Constituição e da lei e de aceitar os resultados eleitorais depois de anunciados pela entidade competente”.
Também a UNITA disse estar "segura na sua vitória inapelável" e pediu ao candidato do MPLA que "aceite os resultados eleitorais", recusando qualquer possibilidade do regresso à guerra no país. "A perturbação da ordem só interessa ao regime, que perante a certeza da sua derrota nas urnas, não tem, obviamente, interesse em que o processo eleitoral seja transparente e justo e se conclua em festa da democracia e da alternância", atirou o diretor-geral da campanha eleitoral do maior partido na oposição, Lukamba Paulo "Gato".
Um relatório do Instituto de Estudos de Segurança (ISS, na sigla em inglês), da África do Sul, no entanto, defende que “a mediação será necessária para evitar um provável conflito violento pós-eleitoral".
O documento, a que a agência Lusa teve acesso, considera dois cenários para a votação: “O primeiro, e mais provável, é que o MPLA vença as eleições, manipulando as instituições eleitorais e de justiça e beneficiando-se da parcialidade. Isso pode causar uma revolta popular que poderia descambar em violência pós-eleitoral. O segundo cenário, menos provável, é uma vitória da UNITA, o que levaria a alguns grupos conservadores no seio do MPLA a recusarem transferir o poder”, lê-se no documento, escrito por Borges Nhamirre, jurista e investigador no Centro de Integridade Pública de Moçambique e consultor do ISS.
“A mediação será necessária para evitar um provável conflito violento pós-eleitoral”, reitera o autor do documento.
Trabalho, saúde e educação continuam a ser as principais reivindicações de um povo que viveu 27 anos de guerra civil e que tem dificuldade em perceber como um país rico em recursos não consegue oferecer melhores condições de vida aos seus cidadãos.
“Tem de existir um investimento muito sério e sustentado na educação e na democratização da economia. Libertar as pessoas da pobreza e da precariedade vai também aumentar o seu nível de autonomia e a sua capacidade para exprimirem as suas opiniões. Essas serão mais sofisticadas quanto maior o acesso à educação e à informação, pelo que, tem de começar-se a apostar nas gerações vindouras e tornar vergonhosa a fotografia de crianças a brincarem em amontoados de lixo, crianças que, pelas vicissitudes da vida, nunca chegam a frequentar uma escola", reiterou Luaty Beirão na conversa com o SAPO24.
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