O principal rosto da organização da Jornada Mundial da Juventude que se realizou em Lisboa em agosto assegura, em entrevista conjunta à agência Lusa e à agência Ecclesia, não ter “expectativa nenhuma” em relação à sua elevação a cardeal, reconhecendo que os primeiros sentimentos que sentiu quando, a 9 de julho, foi conhecida a sua nomeação, “foram de medo, foram de incapacidade”, foram de se sentir um “danoninho”.
Rapidamente, porém, surgiu a confiança. “Eu tenho uma coisa – que mesmo quem porventura não me aprecia [reconhece] – que é quando tenho um desafio entrego-me na totalidade a esse desafio, aprendo e tento corresponder e é nessa disponibilidade que vou responder ao desafio”, assegura.
D. Américo Aguiar viu a sua nomeação para o colégio cardinalício como “um gesto de homenagem aos jovens, aos jovens portugueses envolvidos na preparação da Jornada Mundial da Juventude, por quem o Papa sempre manifestou grande carinho, grande homenagem, grande gratidão nos quatro anos” em que decorreu a preparação do encontro mundial de Lisboa.
Sobre os motivos concretos da escolha de Francisco, o futuro bispo de Setúbal admite que os contactos frequentes que teve com o pontífice em Roma para a preparação da Jornada tenham sido fulcrais.
“Nós, nos últimos quatro anos, tivemos a graça – e nunca este jovem de Leça do Balio pensou alguma vez privar com o Papa. Portanto, eu acredito e interpreto humanamente que o facto de ter tido seis, oito, 10, 12 audiências privadas com o Papa ao longo destes quatro anos, levou a que ele me mirasse e tirasse as medidas e concluísse e decidisse o que decidiu”, afirma o “cardeal Américo”, como já era conhecido no seminário.
Por outro lado, e como o próprio reconheceu numa entrevista recente ao jornal Observador, é visto por muitos como “um terrível seguidor de Francisco”. Terá esta faceta sido determinante na nomeação para o cardinalato?
“Acredito que sim. O contrário não faria sentido”, diz D. Américo Aguiar, para quem o Papa, face ao “que é a sua leitura dos tempos atuais da Igreja, dos desafios da Igreja, daquilo que são os desafios futuros da Igreja”, terá valorizado a sua “disponibilidade, sincronização, fidelidade” ao que Francisco significa para o futuro cardeal, mas também o que significaram Bento XVI ou João Paulo II.
O que confessa é que ainda não teve a ousadia de perguntar ao Papa porque é decidiu fazer dele cardeal.
Quanto ao que poderá ser o exercício do seu papel enquanto cardeal, D. Américo Aguiar sublinha concordar com uma frase que leu recentemente e que aponta para o estar a assistir-se a uma mudança de paradigma: de cardeais “príncipes da Igreja” para cardeais “príncipes do Papa”.
“Isto é interessante e eu acho que é isso que o Papa, nas suas últimas nomeações, tem reforçado: não é poder, não é fausto, não é nada disso. São aqueles que ele chama mais proximamente para junto de si, sem ser até geográfico, mas para aquilo que seja o governo da Igreja, naquilo que seja o ter mais perto as sensibilidades, seja da idade, seja da geografia, seja das outras circunstâncias”, afirma.
A verdade é que, estando próximo das posições do Papa, D. Américo Aguiar viu já alguns setores da Igreja estarem distantes das suas próprias posições, como quando antes da JMJ referiu que naquele encontro mundial não se quereria “converter os jovens a Cristo ou à Igreja”.
De imediato “choveram” críticas de setores vistos como mais conservadores, mas o até agora bispo auxiliar de Lisboa desdramatiza.
“Quando estamos em casa, com os amigos, com a família, com os conhecidos, quando estamos à mesa, nós não estamos todos na mesma posição, nem estamos todos com as mesmas proximidades”, enquadra, para defender que “nesta família que somos, nesta humanidade que constituímos… acho que é importante – e é aquilo que o Papa tem dito e nós referimos muitas vezes até em relação à Jornada Mundial da Juventude – é definitivamente aprendermos que é importante conhecer os outros, conhecermo-nos uns aos outros e o que é diferente não deve ser obstáculo, não deve ser problema”.
“O que é diferente deve ser oportunidade, deve ser riqueza e deve ser caminho em conjunto. Eu sinto isso”, diz D. Américo Aguiar, que não deixa de lamentar: “estamos na era da liberdade de expressão, mas parece que quando alguém se expressa de modo diferente daquilo que eu penso dá uma guerra”.
Para o futuro cardeal, que não deixou de responder a todos os críticos que lhe enviaram mensagens sobre a posição tomada a poucas semanas da JMJ, “é uma coisa estranha”. Por um lado, exigimos o respeito pela liberdade de expressão e, depois, reagimos violentamente quando alguém pensa diferente. (…) Dentro de casa, às vezes, há reações que eu acho que não são justificáveis”, diz, nesta entrevista à Lusa e à Ecclesia.
*João Luís Gomes (texto) e José Sena Goulão (foto) / Agência Lusa
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