O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) disse hoje que os abusos sexuais na Igreja Católica são acontecimentos dramáticos que “não têm desculpa”, considerando que qualquer “número é sempre demasiado” e uma derrota.
Em conferência de imprensa, no Santuário de Fátima, onde hoje começa a peregrinação internacional aniversária de outubro, D. José Ornelas, também bispo da Diocese de Leiria-Fátima, reconheceu que estes são “acontecimentos trágicos e dramáticos que não têm desculpa, nem nunca deviam ter acontecido”.
“Mas estamos num ponto, também nós, de viragem”, garantiu, assinalando que a constituição da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa “significa um esforço grande” que a instituição está a fazer, porque não se conforma com aquilo que sabe que, “infelizmente, existiu também na Igreja”.
Questionado sobre os 424 testemunhos recebidos pela comissão, número divulgado na terça-feira, D. José Ornelas salientou que não se trata de uma “questão de números” — e disse não comentar as declarações de Marcelo Rebelo de Sousa.
"Não vou comentar diretamente as palavras do senhor presidente, porque são dele, mas posso reafirmar aquilo que temos dito e comentar os números que foram apresentados", disse.
"Desde o início que dizemos que não é uma questão de números. O que queremos é saber a realidade que existe, sejam os números que forem", apontou o presidente da CEP.
Para o bispo de Leiria-Fátima, é importante lembrar que por trás de cada número estão pessoas "com dramas muito grandes". "E é por isso que ainda ontem a comissão dizia que essas narrações serão devidamente analisadas e é bom que fiquem como memorial", apontou.
"O grande memorial é dizer o sofrimento que cada um destes casos comportam. Se for um ou se forem muitos... isso não me interessa. Interessa-me conhecer. O pior que podemos ter é não conhecer e viver com um peso desconhecido sobre nós", frisou D. José Ornelas.
"Para nós, Igreja, cada caso que acontece é uma derrota. É uma derrota, antes de mais, porque alguém sofre. É uma derrota porque alguém foi espezinhado nos seus direitos fundamentais e de uma forma que é aquela que mais atingiria qualquer pessoas. Depois, porque também contradiz radicalmente tudo aquilo que nós queremos, somos e queremos ser como Igreja — a nossa identidade e a nossa missão", acrescentou.
O bispo falou ainda sobre os próximos tempos quanto a este tema dos abusos sexuais na Igreja. "Infelizmente, não posso dizer que no futuro não vai acontecer. Mas o nosso trabalho e o que estamos a fazer é para dizer 'ponto 0'. Isto é que seria o ideal. O resto são cálculos que não gosto de fazer, porque isso não seria digno para com as pessoas", disse.
Sobre os casos que o visam particularmente, declarou-se “tranquilo”, frisando não ter havido “nenhuma manobra de encobrimento” e não ter sido contactado pelo Ministério Público.
Quanto a estar a presidir a esta peregrinação aniversária em Fátima após a denúncia, D. José Ornelas mostra-se confiante. "Não tenho dificuldade", garante.
“Isto não me faz resignar, é por isso mesmo que é preciso transformar. (…) O ser credível é o agir credivelmente e é isso que estamos a procurar fazer. Encontrar caminhos de credibilidade e credibilidade significa honestidade perante aquilo que somos, entre aquilo que somos, aquilo que dizemos e aquilo que fazemos”, acrescentou.
Considerando os abusos sexuais "uma praga" que envergonha a Igreja, o bispo deixa também um apelo. "Se alguém tem ainda algo para dizer, que o faça. Até porque, no fim deste mês, a comissão já anunciou que vai acabar com a recolha de depoimentos para efeito estatístico".
Sobre o apoio às vítimas de abusos sexuais por parte de elementos da Igreja Católica, adiantou que o apoio é “aquele que for pedido em cada caso”.
Assumindo que a “grande justiça é dar dignidade às pessoas” o presidente da CEP frisou que as vítimas não podem ser “simplesmente esquecidas”, mas também que a Igreja não se quer impor neste apoio.
Os mais pobres não devem "pagar a fatura do que estamos a viver"
D. José Ornelas, manifestou também o desejo de que os responsáveis políticos, nacionais e internacionais, procurem o consenso para ultrapassar as dificuldades económicas provocadas, nomeadamente, pela guerra na Ucrânia.
“Que os mais pobres não sejam eles, de novo, a pagar a fatura do que estamos a viver”, disse.
O prelado, que é também presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), assegurou que este “é um tema que a Igreja acompanha, preocupada com os mais pobres”.
José Ornelas, que aludiu a 2022 como “um ano marcado por acontecimentos complicados a nível mundial”, destacando a guerra na Ucrânia, que “põe em causa não só a segurança dos ucranianos, como dos povos vizinhos”, frisou que “em Fátima, o tema da paz, da preocupação com o mundo e o seu futuro” está sempre presente.
O bispo abordou ainda a caminhada sinodal que a Igreja Católica está a viver, e que culminará no Vaticano no próximo ano, caracterizando-a como “um movimento de mudança”.
Os peregrinos voltam ao Santuário, que está de olhos postos na JMJ
No encontro com os jornalistas, participou também o reitor do Santuário de Fátima, Carlos Cabecinhas, que apresentou os números da afluência de grupos organizados ao templo mariano desde janeiro.
Segundo o reitor, “até final de setembro foram 2.133 os grupos de peregrinos” registados no Santuário, 1.340 dos quais estrangeiros, o que significa um aumento de mais de um milhar de grupos em relação a todo o ano de 2021.
“Outubro é para os estrangeiros o mês de maior presença no Santuário”, adiantou Carlos Cabecinhas, apontando Espanha, Polónia e Itália como os três países de com maior presença na Cova da Iria.
Já os grupos asiáticos registam, ainda, “números longe dos registados no período pré-pandemia”.
Carlos Cabecinhas aproveitou a ocasião para abordar, também, a próxima Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e a participação que o Santuário quer ter nessa grande iniciativa que congregará jovens de todo o mundo em Lisboa, em agosto do próximo ano, e que será encerrada pelo Papa.
“O Papa estará em Fátima em 2023. Virá no contexto da JMJ, ainda sem data concreta”, disse o reitor, acrescentando que o Santuário está a preparar um conjunto de iniciativas para o período que precede e se segue à Jornada.
Em maio, a peregrinação de 12 e 13 contará com a presença dos símbolos da JMJ - a cruz peregrina e o ícone de Nossa Senhora Salus Populi Romani –, ao mesmo tempo que está a ser preparada uma “aldeia jovem”, que funcionará no período imediatamente antes e imediatamente após o encontro mundial de Lisboa.
O novo ano pastoral do Santuário de Fátima, a iniciar em 26 de novembro, terá também como tema orientador a JMJ, com programação virada para os jovens que por ali passarão nos próximos meses.
Subordinado ao tema da própria Jornada, definido pelo Papa Francisco – “Maria levantou-se e partiu apressadamente" – o ano pastoral do Santuário vai apresentar no seu itinerário “uma série de iniciativas pastorais e logísticas, de forma a ser o lugar de encontro da juventude portuguesa e mundial”, que participa na JMJ e que se apreste a fazer “a experiência de um encontro com Deus através de Nossa Senhora”, informou o Santuário de Fátima.
“A partir do início do próximo ano serão desenvolvidos workshops e diversas propostas de reflexão e oração, em formato de itinerário do peregrino, com esquemas de oração e vivência espiritual de Fátima”, adiantou o jornal Voz da Fátima, especificando que haverá um programa de workshops, de cerca de 25 minutos cada, em torno de quatro temáticas: Adoração, Imaculado Coração, Oração do Rosário e Sacrifício.
Estes encontros acontecerão ao longo do dia, em diferentes horas e espaços do Santuário, em português, espanhol inglês e francês.
Em preparação está também o lançamento de seis caminhos para peregrinar a Fátima, partindo de locais próximos, e com percursos entre os cinco e os 15 quilómetros.
Caminhos com Santa Jacinta Marto, com o Anjo da Paz, com a Senhora do Rosário, com a Irmã Lúcia de Jesus, com o Imaculado Coração de Maria e com São Francisco Marto compõem este programa de peregrinação.
Lisboa foi a cidade escolhida pelo Papa Francisco para a próxima edição da Jornada Mundial da Juventude, que vai decorrer entre os dias 01 e 06 de agosto de 2023, com as principais cerimónias a terem lugar no Parque Tejo, a norte do Parque das Nações, na margem ribeirinha do Tejo, em terrenos dos concelhos de Lisboa e Loures.
As JMJ nasceram por iniciativa do Papa João Paulo II, após o sucesso do encontro promovido em 1985, em Roma, no Ano Internacional da Juventude.
A primeira edição aconteceu em 1986, em Roma, tendo já passado por Buenos Aires (1987), Santiago de Compostela (1989), Czestochowa (1991), Denver (1993), Manila (1995), Paris (1997), Roma (2000), Toronto (2002), Colónia (2005), Sidney (2008), Madrid (2011), Rio de Janeiro (2013), Cracóvia (2016) e Panamá (2019).
A edição de 2023, que será encerrada pelo Papa, esteve inicialmente prevista para este ano, mas foi adiada devido à pandemia de covid-19.
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