Na Argentina, país que teve a maior quarentena em todo o mundo, cerca de oito meses, um estudo da Faculdade de Psicologia da Universidade de Buenos Aires concluiu que o confinamento afetava a saúde mental de 80,3% dos argentinos.

Entre os transtornos mais visíveis devido ao confinamento prolongado na Argentina, apareciam o medo, a ansiedade e a depressão. Mas o caso do país sul-americano está longe de ser único no mundo.

Alemanha

Um estudo recente, conduzido pela Universidade de Saarland, indica que a satisfação com a vida do dia-a-dia diminuiu significativamente. Os investigadores analisaram as consequências psicológicas e sociais do último ano em 1.500 homens e mulheres, concluindo que “as preocupações, o stress e o estado depressivo aumentaram”.

Durante o primeiro confinamento, os participantes neste estudo revelaram uma noção de “proximidade da sociedade”, revelou a investigadora Dorota Reis à agência de notícias alemã DPA, acrescentando que agora avaliam os comportamentos como “bastante egoístas e distanciados”.

Também um novo estudo em mais de mil crianças, entre os sete e os 17 anos, levado a cabo pela Universidade Médica de Hamburg-Eppendorf, indica que o stress e as privações durante a pandemia de covid-19 estão a afetar a saúde mental, especialmente entre as famílias mais carenciadas.

As conclusões revelam que uma em cada três crianças alemãs sofre de ansiedade, depressão ou apresenta sintomas psicossomáticos como dores de cabeça ou de estômago.

Também os pedidos de ajuda e aconselhamento telefónico aumentaram. A linha “Nummer gegen Kummer” (Linha contra o luto, em tradução livre) recebeu, no ano passado, 33 mil chamadas, o triplo das recebidas em 2019. Os pedidos de ajuda prendem-se com situações de stress agudo, incerteza na forma de cuidar das crianças, excesso de tarefas e frustração.

Argentina

O país teve, durante 2020, o mais prolongado e estrito isolamento social do mundo.

Na região metropolitana de Buenos Aires, que compreende a capital e dez municípios ao redor, a quarentena durou 233 dias, quase oito meses. Começou em 20 de março e terminou em 09 de novembro.

Em julho, um estudo da Faculdade de Psicologia da Universidade de Buenos Aires, concluiu que o confinamento afetava a saúde mental de 80,3% dos argentinos. Entre os transtornos mais visíveis devido ao confinamento prolongado, apareciam o medo, a ansiedade e a depressão.

A Argentina é um dos países onde as pessoas mais recorrem a psicólogos. Não fazer terapia é pouco habitual mas, durante a quarentena, os profissionais de saúde mental também ficaram proibidos de dar consultas.

Somente em setembro, seis meses depois de quarentena, os habitantes de Buenos Aires puderam ter atendimento médico e fazer exames, algo que estava restrito aos casos urgentes.

Os tratamentos de reabilitação só voltaram em outubro.

“Os argentinos estavam exaustos. O cansaço social depois de quase oito meses chegou ao limite. A fase racional da quarentena já tinha acabado no final de abril. O que veio depois foi irracional”, disse à agência Lusa o consultor em opinião pública, Jorge Giacobbe, que mediu mensalmente a aprovação e reprovação da chamada "quarentena eterna".

Quando a quarentena terminou, a Argentina era o nono país com mais casos no mundo, mesmo quando era um dos países que menos testes fazia. Em número de mortos em relação a sua população, a Argentina ocupava o 8.º lugar, numa evidência de que a chamada "quarentena eterna" tinha sido exagerada e tinha fracassado.

No dia 17 de fevereiro de 2021, na cidade de Buenos Aires, a crianças começaram a, gradualmente, voltar às aulas presenciais. Na próxima segunda-feira, dia 01 de março, recomeçam as aulas na região metropolitana, depois de um ano inteiro sem aulas presenciais. As escolas permaneceram fechadas durante um ano letivo inteiro.

O dano psicológico nas crianças é o mais acentuado. A saúde mental mais afetada foi nas crianças.

Na área periférica à capital argentina, as crianças não puderam ir às praças e jardins para brincar até agosto, mantendo um confinamento de cinco meses.

Nessa altura de setembro, oito em cada dez jovens estava em depressão. Seis em cada dez argentinos tinham a sua saúde mental afetada, segundo a Faculdade de Psicologia da Universidade de Buenos Aires.

Na cidade de Buenos Aires, as crianças só puderam sair de casa depois de 100 dias de confinamento.

No começo, apenas no final de semana, no sábado ou no domingo com um dos pais, por apenas uma hora e num raio de 100 metros ao redor do domicílio.

Depois, foi permitido no sábado e no domingo, por uma hora, com os dois pais.

Bélgica

Segundo um estudo divulgado em janeiro pelo Gabinete Federal de Planeamento, um organismo governamental belga, com base num inquérito de dezembro de 2020, no pico da segunda vaga e com novas medidas de confinamento em vigor desde outubro, “a saúde mental dos belgas deteriorou-se”.

O inquérito revelou que 64% das pessoas com mais de 18 anos “estão insatisfeitas com os seus contactos sociais, quase o dobro da percentagem em setembro de 2020”.

Por outro lado, 40% dos inquiridos sentem pouco apoio social, um valor que aumentou em quase um terço desde o verão.

Por outro lado, as perturbações de ansiedade e depressivas seguem um padrão em forma de U: em junho de 2020, cerca de 22% da população referiu uma destas perturbações, tendo sido registado um recuo para cerca de 16% no verão e no outono, a que se segue nova subida para os 22% iniciais.

“Ao longo da crise, é evidente uma consistência surpreendente: mais de sete em cada dez pessoas, uma proporção muito elevada, queixam-se de perturbações do sono”, segundo o mesmo estudo.

Os números, salientam os peritos em saúde pública, confirmam ainda que “as pessoas do escalão etário 18-24 anos, as pessoas isoladas com ou sem filhos e os beneficiários da assistência social têm dificuldade em manter a sua saúde mental”.

O gabinete – sem revelar dados – destaca ainda que “os antidepressivos e os reguladores do humor estão na base do consumo crescente de drogas psicotrópicas reembolsadas”.

A Bélgica disponibiliza números gratuitos de apoio, nomeadamente para prevenção de suicídio, e ligações na Internet para páginas com informação e conselhos.

Espanha

A população espanhola sofre mais problemas de saúde mental do que o resto dos europeus, segundo um estudo europeu realizado pela Fundação AXA em Espanha, que também concluiu que 34% deles admitem ter-se sentido mal ou muito mal, a taxa mais alta da amostra internacional, enquanto apenas 20% dizem que o seu humor é bom (a percentagem mais baixa de todo o estudo).

O painel, realizado em Espanha, Itália, França, Reino Unido, Alemanha, Suíça e Bélgica, com quase 6.000 entrevistas, analisou em agosto e setembro o impacto emocional provocado pela crise sanitária.

O estudo da Fundação AXA também indica que os espanhóis são os europeus que mais refletiram sobre o futuro das suas vidas (72% dizem ter refletido sobre o que é importante para o futuro, em comparação com 58% da média europeia) e 41% sentiram que não tinham o controlo sobre as suas vidas.

Por outro lado, 86% das pessoas inquiridas em Espanha disseram que sentiram falta de ter contacto físico com outras pessoas para além do seu círculo familiar.

Até setembro do ano passado e durante a pandemia de covid-19, o número de pessoas com problemas de saúde mental em Espanha triplicou, com 78% dos inquiridos a afirmar que sentiram que os seus níveis de stress tinham aumentado por causa da pandemia.

Oito em dez dos inquiridos confessou que tinham ponderado pedir ajuda profissional para lutar contra os seus problemas emocionais, o que é visto como um “sinal claro” de que esta matéria já não é tabu na sociedade espanhola.

Os resultados do inquérito também mostram uma “profunda desconfiança” em relação à forma como o Governo espanhol conduziu a luta contra a pandemia.

Em contraste, a maioria das pessoas sondadas afirmou que o sistema nacional de saúde esteve à altura da situação durante a crise.

Outro estudo, do Centro de Investigações Sociológicas, publicado no início de novembro de 2020 concluiu que sentimentos como ansiedade, tristeza ou preocupação têm estado presentes nas famílias espanhóis durante a crise de saúde: metade dos inquiridos admitem sentir-se ansiosos (50,6%), preocupados (53,1%) ou tristes (52,4%) por vezes.

Além disso, 29,3% dos inquiridos confessam sentir-se por vezes deprimidos e 40,7% irritados.

Estados Unidos

Nos Estados Unidos, a ansiedade e a depressão atingiram mais pessoas, de acordo com o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) e várias instituições de saúde mental, acompanhadas pelo aumento de pessoas com pensamentos suicidas.

A instituição Mental Health America (MHA) revelou num relatório deste ano que, em 2020, “mais pessoas relataram pensamentos frequentes de suicídio e automutilação”.

“Desde que a pandemia de covid-19 começou a espalhar-se rapidamente em março de 2020, mais de 178.000 pessoas relataram ideação suicida frequente”, alerta a MHA, acrescentando que 37% destes relataram ter tido pensamentos suicidas quase todos os dias em setembro de 2020.

Ainda segundo a MHA, entre janeiro e setembro de 2020, mais de 315 mil norte-americanos realizaram testes de ansiedade (uma subida de 93% em relação ao ano anterior inteiro), das quais oito em cada dez pessoas revelaram sintomas moderados a graves, com especial incidência nos jovens entre 11 e 17 anos.

Em relação à depressão, os testes nos EUA também aumentaram em relação a 2019, com oito em cada dez pessoas das 535 mil que realizaram testes de depressão a revelarem sintomas moderados a severos.

Mais de 70% das pessoas que procuraram ajuda por ansiedade ou depressão revelaram que um dos três fatores principais foi a solidão provocada pelo ‘lockdown’ [confinamento] e medidas de distanciamento social, constatou a MHA.

Segundo uma pesquisa da Kaiser Family Foundation, a pandemia de covid-19 demonstrou um aumento de preocupações e stress que se traduziu em dificuldades em dormir (para 36% dos inquiridos) ou alimentar-se (32%) e no aumento do consumo de álcool ou substâncias (12%).

Em declarações à agência Lusa, Susan Borja, especialista do Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH, na sigla em inglês), considera que existem muitas medidas novas para ajudar os cidadãos nesta altura.

Entre “grandes e significativas mudanças de políticas” sobre saúde mental nos EUA, a implementação ou reforço de serviços virtuais ou telefónicos de saúde são uma das principais medidas, a par de mudanças na prescrição e administração de medicamentos para pessoas com distúrbios mentais, disse Susan Borja.

França

O ministro da Saúde francês, Olivier Véran, disse no fim de 2020 que a saúde mental dos franceses se tinha degradado devido à pandemia, com a covid-19 a ter "um impacto psicológico real" na vida dos cidadãos.

"A saúde mental dos franceses degradou-se significativamente entre o fim de setembro e o início de novembro", declarou o ministro.

As autoridades francesas de saúde acompanham desde março de 2020 a evolução da saúde mental dos gauleses, notando um aumento nos estados ansiosos da população especialmente entre quem teve a doença covid-19 ou sintomas, quem está numa situação financeira mais difícil e sem atividade profissional.

Também as mulheres são mais vulneráveis a estados ansiosos e perturbações de sono, assim como os estudantes e os jovens entre os 18 e os 34 anos.

O aumento das depressões e dos estados de ansiedade fez também aumentar o consumo de antidepressivos e ansiolíticos no país. No primeiro confinamento, mais 330 mil pessoas tomaram este tipo de medicamentos.

De forma a combater estes impactos, o Governo criou no início deste ano um cheque-consulta para os estudantes poderem ir ao psicólogo, havendo sempre a possibilidade da escuta telefónica através do número verde de combate à covid-19.

Reino Unido

De acordo com o instituto de estatísticas britânico [Office for National Statistics], as taxas de depressão em adultos duplicaram durante a pandemia de covid-19 para 20%, com maior incidência em mulheres entre os 16 e os 39 anos devido à falta de capacidade para fazer face a despesas.

O stress e a ansiedade foram os sintomas mais referidos por pessoas afetadas por algum tipo de depressão no inquérito publicado em agosto.

Um estudo mais recente da fundação Prince’s Trust, publicada em janeiro, revelou que 26% dos jovens com idades entre os 16 e os 25 anos sente-se incapaz de lidar com a situação e metade admitem que a saúde mental deteriorou-se desde o início da pandemia.

O Governo britânico está consciente do problema e reforçou não só o apoio a profissionais de saúde e trabalhadores de assistência social, reconhecendo a pressão adicional durante o último ano, como também nomeou um Embaixador da Saúde Mental para a Juventude.

Alex George, médico de formação e antigo concorrente no ‘reality show’ “Live Island” foi nomeado no início de fevereiro pelo primeiro-ministro, Boris Johnson, para aconselhar os políticos e promover as medidas junto dos seus quase dois milhões de seguidores nas redes sociais.