Publicamente apresentada a 10 de janeiro de 2022, a Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja em Portugal – que revelou, em outubro, ter validado 424 testemunhos que apontam para um “número significativo” de abusadores entre 1950 e 2022, e enviado para o Ministério Público 17 casos, indicando nessa data haver mais 30 casos em análise que poderiam seguir o mesmo caminho – apresentará na segunda-feira o relatório final sobre o seu trabalho.
As denúncias de abusos sexuais de menores pela Igreja Católica tornaram-se mais frequentes no final do século XX e início do século XXI, mas a maioria dos casos continua encoberta e raramente desencadeia ações judiciais com consequências para os perpetradores.
As queixas sobre tais casos foram quase sempre recebidas pela hierarquia da Igreja Católica com ceticismo e desvalorização dos testemunhos, tendo mesmo, em alguns países, bispos e cardeais a quem foram comunicados casos – muitos dos quais em contexto escolar - argumentado que, não sendo o abuso sexual de menores um crime público, não eram obrigados a denunciá-los às autoridades civis, pelo que acabavam por ser, em vez disso, ignorados pelas autoridades canónicas.
Ao nível mundial, não existem números fidedignos, apesar de relatórios ao longo dos anos elaborados sobre o flagelo, que estarão muito longe dos reais, precisamente graças a essa tendência perpetuada de geração em geração pela Igreja de proteger os seus, apenas quebrada pelo Papa Francisco, que já declarou que “um caso de abuso sexual de menores na Igreja Católica já é um caso a mais” e tem prestado atenção às denúncias e afastado os respetivos autores, independentemente de quão alto seja o lugar que ocupam na hierarquia eclesiástica.
Antes do argentino Jorge Bergoglio ocupar a chefia da Igreja Católica, em 2013, houve alguns escândalos com ecos à escala mundial, o primeiro dos quais talvez o resultante da investigação, em 2001, do diário Boston Globe, que valeu à equipa “Spotlight”, que a realizou, um prémio Pulitzer, pela denúncia de que a hierarquia católica encobrira crimes sexuais cometidos por cerca de 90 padres só naquela cidade norte-americana.
Nessa altura, o antecessor do Papa Francisco, Bento XVI, chegou a ser acusado pelo diário The New York Times de ter diretamente participado no encobrimento de casos de pedofilia ocorridos não só nos Estados Unidos mas também na Alemanha, na década de 1980.
A partir daí, sucederam-se denúncias de proporções gigantescas um pouco por todo o mundo, de França (onde um relatório de 2021 responsabiliza diretamente clérigos e religiosos católicos pelo abuso de 216 mil menores entre 1950 e 2020) à Polónia (um dos países mais católicos do mundo), passando pelo Canadá (nos 130 internatos para crianças indígenas geridos pela Igreja Católica), Áustria, Bélgica, Irlanda, Países Baixos, México, Chile, Colômbia, Austrália e Timor-Leste -, que obrigaram a Igreja a reagir.
Em 2013, quando Francisco iniciou o seu pontificado, o Vaticano criou uma comissão especial destinada a proteger menores vítimas de abusos sexuais e combater os casos de pedofilia no clero.
Em fevereiro de 2019, o Papa convocou a Roma os responsáveis pelas conferências episcopais de todo o mundo para um encontro sem precedentes destinado a debater e encontrar soluções para o flagelo do abuso de menores, já designado como “o 11 de Setembro da Igreja Católica”.
Em maio desse ano, anunciou legislação mais rigorosa, impondo a obrigatoriedade de os sacerdotes e religiosos denunciarem suspeitas de abusos na Igreja, assim como qualquer encobrimento por parte da hierarquia.
Mais tarde, em dezembro, adotou uma das medidas consideradas mais relevantes nesta matéria: pôs fim ao segredo pontifício para denúncias de abusos sexuais, determinando que os processos canónicos conservados nos arquivos das dioceses e do Vaticano relativos a abusos sexuais cometidos por membros do clero fossem facultados às autoridades civis.
Apesar de tudo isso, em junho de 2021, uma equipa de relatores especiais do Alto-Comissariado da ONU para os Direitos Humanos criticou o Vaticano por continuarem as acusações de obstrução e não-cooperação da Igreja Católica com processos judiciais internos, para impedir a responsabilização dos abusadores e a indemnização das vítimas.
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