Nascido no Rio de Janeiro em 19 de junho de 1944, quarto de sete filhos do historiador Sérgio Buarque de Hollanda e da pianista Maria Amélia Cesário Alvim, Chico Buarque venceu hoje o Prémio Camões, juntando-se a uma lista de conterrâneos galardoados com a distinção literária criada por Portugal e pelo Brasil que inclui, entre outros, Rachel Queiroz, Jorge Amado e Rubem Fonseca.

Entrevistado por José Nuno Martins, em Lisboa, em 1974, pouco tempo depois do 25 de Abril, quando o Brasil ainda estava sob ditadura militar, o texto da RTP começava com uma pergunta e uma resposta: “Haverá quem não conheça Chico Buarque de Hollanda em Portugal? Evidentemente que sim, toda a gente conhece esse menino tímido que um dia disparou com a banda por aí fora”.

O mesmo tom lê-se, décadas mais tarde, em textos de fora do Brasil: no espanhol El País, em 2015, escrevia-se que era difícil encontrar em Espanha quem tivesse uma palavra de mal a dizer de Buarque, enquanto o britânico The Guardian intitulava um texto sobre o autor de “Construção” com “o rei do Rio”.

“Chico é para os brasileiros o que John Lennon poderia ter sido para os britânicos, caso ainda estivesse vivo, ou o que Bob Dylan poderia ter sido para os americanos se ainda fosse entusiasmante. Em 40 anos como compositor e cantor, criou um tipo de legado musical que, num contexto europeu, apenas poderia ser reclamado por Jacques Brel”, escrevia o também britânico Financial Times, em 2004.

Sem se deixar levar pelas expectativas em torno de um trabalho musical e literário que já lhe valeu Grammys, prémios Jabuti e Oceanos (em 2010, quando o venceu com “Leite Derramado”, ainda chamado Prémio Portugal Telecom de Literatura), Chico Buarque admite que “é difícil ser o Chico quando as pessoas pensam que você é o Chico”.

“Quando você entra no teatro e acham que você é o Chico e que você tem de falar sobre a sua vida ou sobre a sua obra e tal. Porque você está distraído. Você não anda na rua e pensa: ‘Ah, sou o Chico Buarque’. Não passa pela cabeça do artista. A não ser que ele seja um louco e saia por aí, ‘Sou o Picasso, sou o Picasso’. Não faz parte das minhas preocupações isso de ‘o que vou dizer’ e ‘o que vou fazer’. É difícil, às vezes, dar entrevista e ter de ficar se explicando. Fora isso, não tenho queixas”, como disse à Rolling Stone brasileira, em 2011.

Na mesma conversa, Buarque lembrou Tom Jobim e João Gilberto como “os responsáveis” pela sua formação.

Alinhado à esquerda do espetro político, Chico Buarque disse, em janeiro passado, sobre o governo do presidente Jair Bolsonaro, que “com esses ministros, é preferível que Cultura não tenha ministério”, referindo-se à extinção daquela entidade, que foi diminuída para Secretaria Especial.

Para além da música e da literatura, Chico Buarque tem também obra reconhecida no teatro, com peças como “Roda Viva”, “Gota d’Água” e “Ópera do Malandro”.

“É difícil dissociar a trajetória de Chico Buarque como dramaturgo e compositor especificamente teatral do seu perfil mais amplo como músico, poeta e personalidade pública visceralmente engajada nas lutas por uma sociedade melhor. Por indiscutível que seja a posição de ‘Gota d'Água’ na moderna dramaturgia brasileira, por interessantes e poeticamente densas que sejam as suas músicas originalmente escritas para servir de suporte a obras cênicas, a importância maior da contribuição teatral de Chico reside na sua intrínseca coerência com a contribuição global que essa singular personalidade vem trazendo, através da sua excecional sensibilidade poética, ética e ideológica, para a vida cultural do país”, escreveu o crítico teatral Yan Michalski, citado pela enciclopédia Itáu Cultural.

O primeiro conto foi escrito aos 18 anos e enviado pelo pai ao editor literário da Folha de S. Paulo, mas só depois de lido em casa. Estreou-se como romancista com "Estorvo", publicado em 1991, a que se seguiram "Benjamim", "Budapeste", "Leite Derramado" e "O Irmão Alemão", em 2014.

"Tantas Palavras", que reúne todas as canções e uma reportagem biográfica de Humberto Werneck, sobre o músico e escritor, "Querido Poeta", com a correspondência trocada com Vinícius de Moraes, são outros títulos de Chico Buarque que começou a carreira nas letras com a produção para teatro.

"Roda Viva", de 1967, foi a primeira peça por si escrita, a que se seguiu, em 1973, "Calabar - O Elogio da Traição". Proibidas pela censura, as obras acabaram por se transformar em símbolos de resistência à ditadura militar brasileira. "Calabar" só chegaria aos palcos em 1979.

Entre um e outro título escreveu "Chapeuzinho Amarelo", o seu único livro de literatura infantil. Datado de 1970, contou com ilustrações originais do cartoonista Ziraldo, que foi distinguido com o prémio Jabuti, por este trabalho.

"Gota d'Água", o drama de um casal que se separa, data de 1975, e antecede a conhecida "Ópera do Malandro", de 1978, última obra do escritor concebida para cena, um musical inspirado na "Beggars Opera", de John Gray, e na "Ópera dos Três Vinténs", de Bertolt Brecht e Kurt Weill.

Em 1981, publicou "A Bordo do Rui Barbosa", poema escrito entre 1963 e 1964, com ilustrações de Valandro Keating.