"Não imaginava que aprenderia o idioma do homem branco e muito menos que poderia pronunciar um discurso diante dele", diz o indígena em "La chute du ciel" ("A Queda do Céu", em tradução livre), o seu longo testemunho oral registado pelo antropólogo francês Bruce Albert, em 2010.

Agora, a sua campanha levou-o a Paris, para a inauguração esta quinta-feira da exposição de fotografia da sua amiga Claudia Andujar sobre os yanomami, na Fundação Cartier.

Davi Kopenawa, de 63 anos, encarna dramas pessoais e lutas pela sobrevivência dos quase 27.000 membros da tribo do norte do Brasil, perto da fronteira com a Venezuela.

"Davi luta incansavelmente pelo seu povo há mais de 30 anos, sem tréguas, apesar das ameaças de morte, das tentativas de corrompê-lo e da constante deterioração da situação", disse Bruce Albert à AFP.

Uma ameaça que aumentou com a chegada ao poder de Jair Bolsonaro, um presidente que "não ama os indígenas" e "não entende o valor da floresta amazónica", declarou Kopenawa à AFP.

A primeira vez que viu um homem branco, o garoto Kopenawa sentiu-se "aterrorizado" com a sua "horrível feiura" e a sua "espantosa brancura".

Um contacto foi então estabelecido entre os dois mundos. Os brancos passaram a fornecer aos yanomami, na base da troca, machados e roupas, conta Kopenawa no seu testemunho.

Mas "também vimos os brancos espalhar as suas doenças e matar-nos com as suas armas", acusa. "Desde então, a minha raiva nunca me deixou".

Estando doente, Davi viu a sua mãe e muitos parentes morrerem por epidemias trazidas pelos brancos. Missionários evangélicos enterraram a sua mãe em segredo, privando-o dos rituais funerários tradicionais. E foi essa ofensa, essa dor, que construiu a sua luta.

"Um habitante da floresta"

Na adolescência, sozinho e desamparado, Davi foi tentado a deixar a floresta.

"Tornar-me um homem branco era a única coisa que tinha em mente", admite, fascinado por relógios, calças compridas e barcos a motor.

Davi deixou a sua aldeia Toototobi para trabalhar com os brancos. Atuou principalmente como intérprete por vários períodos, ofuscados pela tuberculose e pela malária.

Hospitalizado por um ano, dedicou-se a melhorar o seu português. Mas finalmente voltou com a sua família: continuou a ser "um habitante da floresta".

Davi rebelou-se contra a invasão em massa de mineiros ilegais que "cavam em todos os lugares como porcos selvagens" e enchem os rios de óleo de motor e mercúrio.

No auge da corrida do ouro, no final dos anos 1980, cerca de 40.000 mineiros percorriam as terras yanomami. Havia quase cinco para um único yanomami no estado de Roraima.

Davi também se revoltou contra os fazendeiros que "queimam as árvores da floresta" e "o governo que quer abrir novas estradas".

"Falar com firmeza" aos brancos

Mais tarde, o seu destino cruzou-se com a CCPY, uma ONG de defesa dos yanomami fundada em 1978 por Claudia Andujar e Bruce Albert, que o incentivou a viajar, apesar da sua personalidade reservada, para defender os direitos territoriais do seu povo.

O seu sogro, Lourival, um xamã de prestígio, iniciou-o aos 27 anos. "Tornei-me xamã para cuidar dos meus", disse o líder yanomami.

"Davi goza de grande respeito entre os yanomami pelo seu papel histórico", disse Albert à AFP, mencionando "a inteligência da sua síntese entre xamanismo e política" e "a sua capacidade de negociação nas comunidades mais isoladas e com os interlocutores internacionais mais diversos".

E, "cada vez mais irado" com o desastre ecológico e epidemiológico na selva, Davi decidiu ir conversar com os brancos "firmemente, em suas cidades".

Contudo, viagens longas são "perigosas para os xamãs". Em Paris — a "terra trémula", na língua yanomami, em referência ao metro e outros transportes — , Davi sente-se oprimido, tonto e sem sono.

Em Nova Iorque, onde "os brancos vivem empilhados uns sobre os outros", Davi encontrou-se em 1991 com altos funcionários da ONU, foi impactado pela miséria e ficou doente.

Mas o reconhecimento, por decreto presidencial, de um território yanomami de 96.650 km2 em 1992 foi uma grande vitória.

No ano passado, Davi Kopenawa recebeu o "Nobel Alternativo", o prémio Right Livelihood, pela sua luta à frente da associação Yanomami Hutukara, que fundou em 2014 e na qual Dario, um dos seus cinco filhos, tem um papel fundamental.