Portugal parece estar em contraciclo com o Velho Continente, neste momento. Ao passo que nas últimas semanas os números de novas infeções têm vido a baixar no nosso país — que está no "verde" quanto à sua matriz de risco, com uma incidência a 14 dias de 90,3 casos por 100 mil habitantes e um índice de transmissibilidade R(t) de 0,84 — na Europa, segundo a OMS, os novos casos confirmados cresceram cerca de 6%, enquanto as mortes registaram “um declínio consistente”.
De acordo com a organização, os números mais elevados verificaram-se em França, Itália e Polónia, países que ou estão a estudar novos confinamentos, ou já os colocaram efetivamente em prática.
As razões para estes aumentos parecem ser, por um lado, a propagação de variantes como a britânica, mais infecciosas, numa fase em que os países começaram a aliviar algumas medidas de controlo e, por outro, o atraso do esforço de vacinação, agravado pela suspensão temporária do uso da vacina da AstraZeneca para a covid-19, devido a relatos de que poderá estar ligada ao surgimento de coágulos sanguíneos.
França
Em França, a possibilidade de uma terceira vaga à boleia das novas variantes preocupa as autoridades de saúde, particularmente na região de Paris. Após um surto de infeções que deixou os hospitais da capital quase saturados, as autoridades contemplam novas restrições, que podem chegar a um novo confinamento domiciliário.
O primeiro-ministro francês, Jean Castex, de resto, disse mesmo que a França está a entrar "numa forma de terceira vaga", ao mesmo tempo que as autoridades sanitárias gaulesas aprovaram a possibilidade de as pessoas realizarem os seus próprios testes. "Estamos no que parece ser uma forma de terceira vaga, caracterizada por numerosas variantes", disse ontem o primeiro-ministro na Assembleia Nacional.
O governo vai anunciar esta quinta-feira "medidas adicionais nos territórios mais afetados" pela epidemia de covid-19, disse hoje o porta-voz do Executivo, Gabriel Attal, após uma reunião de gabinete convocada pelo presidente Emmanuel Macron.
Entre esses territórios está a região de Paris, a mais populosa com 12 milhões de habitantes, onde a circulação do vírus acelera há semanas, marcada pela propagação das novas variantes. A taxa de contágios dos últimos sete dias na capital e nos seus arredores chegou a 418 a cada 100.000 habitantes, muito acima do chamado limite de "alerta máximo" de 250 estabelecido pelas autoridades de saúde.
Para evitar um colapso dos hospitais da capital, as autoridades começaram a transferir os pacientes graves nesta semana para outras regiões menos afetadas e suspenderam uma parte das cirurgias não urgentes.
De forma a conter esta possível terceira vaga, o governo francês está a considerar diferentes cenários, entre eles um confinamento na região da capital durante os finais de semana, ou inclusive permanentemente. De resto, o “lockdown” já tem estado em vigor desde há algumas semanas nos fins de semana no departamento dos Alpes Marítimos (sudeste), onde se localiza Nice, e no departamento de Pas-de-Calais (norte), na costa britânica.
A nível nacional, vigora o recolher obrigatório entre as 18h00 e as 06h00 locais há dois meses, enquanto restaurantes, cafés, bares, museus e cinemas permanecem fechados desde o final de outubro. Todas estas medidas, no entanto, são insuficientes na opinião do governo. Os confinamentos locais correspondem a uma nova estratégia de Macron que busca evitar a qualquer custo um terceiro “lockdown” nacional, que seria devastador para a economia no momento em que começam a aparecer os sinais de recuperação para o segundo semestre de 2021.
Itália
Em Itália, a situação é semelhante à vivida há um ano em algumas zonas do país, tendo quase 40 milhões de italianos iniciado nesta segunda-feira um novo confinamento devido ao aumento das infeções devido às variantes do novo coronavírus.
Praças, parques e praias foram severamente controlados durante o passado fim de semana, pois teme-se que o pico de infeções passe de 26.000 casos por dia para 40.000 no final do mês. "As medidas foram adotadas com base em evidências científicas, os dados exigem cautela", explicou Mario Draghi, ao aprovar o seu primeiro confinamento como chefe de governo na última sexta-feira.
A Itália contabilizou 23.059 casos de covid-19 e 431 mortes a ela associadas nas últimas 24 horas, indicaram hoje as autoridades sanitárias italianas. O total de novos casos constitui um aumento de 2.663 infeções relativamente ao dia anterior, mas o total de mortes foi, porém, inferior aos 502 registados terça-feira, quando se registou o pior número desde janeiro. Com esses dados, o total de casos acumulados desde fevereiro de 2020 em Itália subiu para 3.281.819, enquanto o de mortes aumentou para 103.432.
Dois italianos em cada três, numa população de 60 milhões, residentes em 11 das 20 regiões, terão de permanecer confinados até 6 de abril na chamada "zona vermelha". O resto do país encontra-se numa zona de risco intermédio, com exceção da ilha da Sardenha, que quase não tem limitações. Para além disso, o Executivo decidiu por decreto confinar todo o país de 3 a 5 de abril, a fim de evitar concentrações devido à Páscoa e às celebrações da Semana Santa.
Um ano após o primeiro confinamento, as ruas de Roma estão novamente vazias, o silêncio reina e apenas algumas lojas podem abrir, incluindo supermercados, lavandarias, farmácias, livrarias e quiosques, enquanto as escolas permanecem fechadas.
Cerca de 6,9 milhões de alunos terão de estudar a distância, cerca de 8 em cada 10, segundo os cálculos do site Tuttoscuola e não está excluído um aumento deste número em caso de alta das infeções nas regiões em zona laranja (intermediária) - de 250 por 100.000 habitantes.
Ao mesmo tempo, os controlos policiais têm-se multiplicado, porque nas últimas semanas se tem tornado moda as festas clandestinas para jovens em apartamentos alugados para a ocasião. "O último fim de semana de liberdade", como foram chamadas as reuniões sociais regadas a vinho e cerveja, custaram várias multas a grupos de jovens em Roma e Milão.
As novas restrições vão custar à economia italiana cerca de 80 milhões de euros (95 milhões de dólares) por dia em consumo, segundo a confederação dos comerciantes, Confesercenti.
Espanha
No país vizinho, a tendência tem sido de diminuição do número de novos contágios, mas a estabilização do nível de incidência acumulada deixa as autoridades alerta: passou de 129 para 127,80 casos diagnosticados por 100.000 habitantes de segunda para terça-feira, mas hoje aumentou para 127,91, algo que já não se verificava desde o final de janeiro. A Espanha registou hoje também 6.092 novos casos de covid-19, quando ontem o número tinha sido de 4.962, segundo números divulgados pelo Ministério da Saúde espanhol.
Apesar dos planos em aliviar as restrições, o executivo espanhol não quer correr riscos na Páscoa, tendo o Governo central e as comunidades autónomas, que têm autonomia em questões sanitárias, chegado a um acordo na semana passada sobre uma série de medidas mínimas que todas as regiões devem cumprir durante a Semana Santa e antes até.
Entrou hoje em vigor até ao domingo a cerca sanitária nas comunidades autónomas de Madrid e Extremadura, devido ao feriado de 19 de março, sexta-feira, Dia de São José, que permitiria gozar uma ponte de três dias com o fim de semana.
Para além disso, durante a Páscoa os espanhóis não vão poder sair das suas comunidades autónomas (cerco sanitário ao nível de cada uma das 17 regiões), haverá um recolher obrigatório das 23:00 até às 06:00, bem como a limitação das reuniões em espaços públicos a seis pessoas e em espaços privados apenas às pessoas que vivem debaixo do mesmo teto.
Estas medidas aplicam-se entre 17 e 21 de março (fim de semana prolongado do Dia de São José) apenas nas regiões que gozam um dia feriado em 19 de março; e entre 26 de março e 09 de Abril (Páscoa), ficando isentas de seguir estas regras as Canárias e a Ilhas Baleares.
A comunidade de Madrid votou contra estas medidas e anunciou que não irá fazer o cerco sanitário da região, enquanto a da Catalunha anunciou que se absteve.
Alemanha
Na Alemanha, teme-se também a chegada de uma terceira vaga, já que o número de casos tem vindo “aumentar exponencialmente”, como alertou Dirk Brockmann, epidemiologista do Instituto Robert Koch (RKI), à emissora alemão ARD.
A incidência acumulada de covid-19 em sete dias subiu para 86,2 por cada 100 mil habitantes, face a 84 na terça-feira e 65,4 da semana passada, com 13.435 novos contágios nas últimas 24 horas.
O pico da incidência ocorreu no passado dia 22 de dezembro com 197,6 por 100 mil habitantes e no dia 28 de janeiro voltou a cair abaixo de 100 pela primeira vez em três meses com uma tendência de descida que se manteve durante algumas semanas.
O fator de reprodução semanal é 1,15, o que significa que a cada 100 infetados contagiam uma média de 115 outras pessoas. "Nos últimos dias, o aumento dos novos casos acelerou. O risco de um aumento ainda maior é muito alto", observou o RKI no seu relatório diário.
O RKI alertou, num relatório divulgado no sábado, para as perspetivas de uma recuperação após a Páscoa para níveis semelhantes aos picos verificados no Natal, altura em que se registou mais de 30.000 casos positivos em 24 horas.
No entender de Brockmann, o país está “exatamente prestes a ter uma terceira vaga”, o que “não pode já ser disputado” e, no seu entender, deve-se ao aliviar de medidas, à propagação das novas variantes mais contagiosas e aos atrasos na vacinação.
A chanceler alemã, Angela Merkel, e os líderes regionais concordaram, no início deste mês, em iniciar uma reabertura gradual de empresas não essenciais, bem como museus e outras instituições culturais.
Foram também estabelecidos diferentes níveis de desconfinamento para regiões onde a incidência está abaixo ou acima de 50 casos semanais, definindo que, caso se ultrapasse os 100 positivos em sete dias ou por 100.000 habitantes, volta o nível de restrições anterior.
A decisão foi tomada após meses de paralisação de restaurantes, lazer e cultura, que fecharam em novembro.
Polónia
O ministro da Saúde da Polónia anunciou hoje medidas de confinamento a partir de sábado em todo o país, defendendo o teletrabalho, face ao recorde de contágios pelo coronavírus.
“Pedimos aos empregadores que permitam o trabalho no domicílio tanto quanto possível”, declarou à imprensa Adam Niedzielski, anunciando igualmente o encerramento dos teatros, cinemas e pavilhões desportivos, assim como da maioria das lojas nos centros comerciais entre 20 de março e 9 de abril.
Os alunos dos três primeiros anos do ensino primário que até agora tinham aulas presenciais terão de passar para o ensino à distância.
As medidas estavam já em vigor em quatro das 16 regiões do país, mais afetadas pela pandemia.
Em todo o país, continuam fechados os bares e restaurantes e os alunos com mais de 10 anos estão há meses com aulas virtuais.
As medidas foram anunciadas quando o número de casos de infeções diários ultrapassou os 25.000 nas últimas 24 horas.
Segundo o ministro, poderão atingir-se em breve os 30.000 casos dia, o que constitui “uma ameaça” para o funcionamento do sistema de saúde.
“A principal razão é a variante do coronavírus identificada no Reino Unido”, disse ainda Niedzielski.
No total, foram registados na Polónia 1.956.974 casos, incluindo 48.032 mortes. O país tem 38 milhões de habitantes.
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