Na origem da intervenção do deputado está uma proposta de um vogal do Conselho Consultivo do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM), feita em 15 de julho, defendendo que os nomes das ruas do território deveriam ser submetidos a consulta pública, uma sugestão feita à margem da ordem do dia, que não mereceu nessa altura comentários àquele órgão, de acordo com a imprensa local.
Aquele membro do Conselho Consultivo do IAM propôs que os nomes das ruas de Macau, com grafia em português e chinês, fossem alterados, “porque carregam a história da humilhação do povo chinês”.
O funcionário apontou como exemplo a rua com o nome do ex-governador Ferreira do Amaral (séc. XIX), “um conquistador” e “autor de muitos atos malignos”, acusou então, citado pelo jornal local Ponto Final. “Por isso, e de forma a garantir a Lei de Segurança Nacional, devemos considerar esta alteração”, defendeu.
“Estas palavras descolonizadoras foram intensamente criticadas na sociedade”, recordou hoje Sulu Sou.
De acordo com o mais novo deputado da Assembleia Legislativa de Macau, o IAM esclareceu que “não está a ser equacionada a mudança dos nomes das ruas”, precisando que “muitos […] são produto da História, usam-se há muito tempo e são familiares para os residentes”.
Apesar disso, o deputado pró-democracia criticou a proposta, considerando que pode ameaçar a preservação do património de Macau.
“Até ser colocada esta questão, muitas pessoas nunca tinham pensado se eram pró-colonialismo ou patrióticas”, disse, defendendo que “todas as coisas, tijolos e telhas, nomes e apelidos, boas ou más, tristes ou felizes, são sempre componentes indispensáveis e inalienáveis da cidade”. “Nós, gentes de Macau, éramos, somos e seremos até ao último fôlego guardiões desta memória única do mundo”, acrescentou.
A concretizar-se “este tipo de pensamento extremista, a mudança do nome das ruas é só o aperitivo, e o centro histórico deve ser o primeiro a sacrificar”, advertiu o deputado, comparando a proposta com ações na China de Mao Zedong para destruir a antiga sociedade.
“Se assim for, repete-se o que os Guardas Vermelhos [grupo de estudantes durante a Revolução Cultural na China] fizeram no movimento de ‘danificação de quatro coisas velhas'”, apontou, levando a “destruir a fortaleza, as muralhas, as igrejas, os faróis e as praças, pois todos têm marcas do colonialismo”, criticou o deputado.
Sulu Lou recordou ainda que aqueles monumentos deixados pelos portugueses fazem parte do Património da Humanidade da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), e que o território assinalou em 15 de julho o 15.º aniversário dessa atribuição, criticando a ação do Governo na proteção desse legado.
Para o deputado, “o Governo tem tirado grande proveito da celebração desse aniversário, mas não se pode esquecer que a lei do património cultural […] só entrou em vigor ao fim de nove anos da referida inclusão”.
Sulu Sou criticou ainda o facto de o executivo continuar sem aprovar um plano de salvaguarda do centro histórico, previsto na legislação de 2013, denunciando igualmente a degradação de alguns monumentos, como o Farol da Guia, “cercado por edifícios altos”, que “está a emitir um sinal de socorro”.
O deputado acusou o Governo de atuar “de forma caótica na concessão de terrenos” e “nas restrições das cotas altimétricas”, deixando assim surgir “edifícios altíssimos atrás das Ruínas de São Paulo e da Igreja da Penha” e permitindo a destruição da “paisagem cultural de Macau”. “De cada vez que as pessoas passam por lá, ficam tristes e chocadas”, lamentou.
Para Sulu Sou, “a preservação e o desenvolvimento não devem […] ser contraditórios”, instando o Governo a agir para preservar o património, permitindo à sociedade civil controlar “a cobiça e a corrupção praticadas em nome do alegado ‘desenvolvimento'”.
“Amar Macau não deve ser apenas um ‘slogan’, deve ser concretizado por ações”, afirmou.
A visibilidade do Farol da Guia, protegido pela UNESCO, está ameaçada pelos planos de construir um edifício de 90 metros, um caso que levou a Associação Nova Macau a apresentar queixa ao Comissariado contra a Corrupção, em 23 de julho.
No dia do 15.º aniversário de Macau como Património Mundial, o Grupo para a Salvaguarda do Farol da Guia também alertou para a necessidade de proteger “a integridade” do monumento, uma preocupação que já um mês antes levara a associação a queixar-se à UNESCO.
Em 2017, o Comité do Património Mundial da UNESCO criticou o Governo de Macau pelo “possível impacto de empreendimentos de grande altura nas paisagens do Farol da Guia e da Colina da Penha”, alertando que a falta do Plano de Salvaguarda e Gestão pode ter consequências para o estatuto do centro histórico.
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