Os deputados sociais-democratas entregaram na quinta-feira, junto do TC, um pedido de fiscalização sucessiva abstrata da constitucionalidade da nova lei da droga, que entrou em vigor no início do mês.
Em causa estão as alterações introduzidas que determinam que, se a aquisição e a detenção das drogas exceder "a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, constitui indício de que o propósito pode não ser o de consumo”, mas sim o de tráfico, quando antes o limite máximo era de cinco dias.
Os deputados discordam também da norma que indica que, mesmo que a aquisição ou detenção das substâncias exceda uma quantidade superior ao consumo de 10 dias, o tribunal pode decidir que as drogas “se destinam exclusivamente ao consumo próprio”, podendo nesse caso arquivar o processo, decidir não pronunciar o arguido ou absolvê-lo e encaminhá-lo para uma comissão para a dissuasão da toxicodependência.
“Havia uma distinção entre consumidores e traficantes que funcionava com base numa portaria que delimitava a quantidade mínima diária que uma pessoa podia ter na sua posse sem ser considerado traficante, e o PS alterou esta regra e criou uma brecha e uma porta de entrada para que se dificulte a condenação dos traficantes, porque mesmo que uma pessoa tenha uma quantidade na sua posse muito superior àquela que se revela necessária para o seu consumo, pode alegar que é para consumo, e foge do crime de tráfico”, disse à Lusa a deputada Sara Madruga da Costa, primeira subscritora do pedido.
Defendendo que esta alteração “não faz qualquer sentido e é inconstitucional”, a deputada eleita pela Madeira justificou que o pedido de fiscalização sucessiva ao TC tem como objetivo “colocar um travão a esta aberração desta lei que, em vez de ir no caminho de apertar a malha à condenação dos traficantes de droga, vai precisamente no sentido contrário, facilitando a quem tem droga na sua posse alegar que é para seu consumo e assim fugir do crime de tráfico”.
A iniciativa é da autoria da deputada Sara Madruga Costa, que indicou que o pedido teve "a validação" da liderança da bancada parlamentar e que é acompanhada por deputados como Adão Silva (vice-presidente da Assembleia da República), Fernando Negrão (presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias), Alexandre Poço (líder da JSD), Paula Cardoso, Clara Marques Mendes, Jorge Paulo Oliveira e Miguel Santos (vice-presidentes do grupo parlamentar).
Este grupo de sociais-democratas pede ao TC que “declare a inconstitucionalidade desta norma por violação do princípio da legalidade na modalidade da tipicidade e que ponha um travão a esta brecha que o PS criou na lei e que vai dificultar, e muito, a luta contra o tráfico de droga”, indicou Sara Madruga da Costa.
“Esta incerteza que é criada na lei penal, a nosso ver é inconstitucional porque, quando falamos em normas sancionatórias do foro penal, temos de saber com certeza quais são as condutas que são punidas por lei, e com esta alteração deixamos de saber a partir de que momento é que uma pessoa pratica ou não um crime de tráfico”, sustentou.
A deputada do PSD considerou que as novas regras causam “uma grande incerteza jurídica” e introduzem uma “grande zona cinzenta”.
Sara Madruga da Costa apontou igualmente que esta alteração “bastante dramática” – cuja razão de ser não consegue perceber - põe em causa “um sistema que estava a funcionar bem há mais de 20 anos”, pois “piora o quadro legal existente”.
A eleita lembrou que a nova lei gerou alguma polémica, incluindo pedidos de ponderação por parte do ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, e de “muita prudência” por parte do ministro da Saúde, Manuel Pizarro.
A social-democrata assinalou também que nove deputados do PS se abstiveram na votação do diploma, enquanto a restante bancada votou favoravelmente.
A nova lei da droga foi aprovada em 19 de julho com os votos a favor do PS, IL, BE, PCP, PAN e Livre, contra do Chega e a abstenção do PSD e dos deputados socialistas Maria da Luz Rosinha, Carlos Brás, Rui Lage, Fátima Fonseca, Catarina Lobo, Maria João Castro, Tiago Barbosa Ribeiro, António Faria e Joaquim Barreto.
O decreto que descriminaliza as drogas sintéticas e faz uma nova distinção entre o tráfico e o consumo já foi analisado em agosto pelo TC, depois de o Presidente da República ter pedido a fiscalização preventiva, justificando com a "falta de consulta" dos órgãos de Governo das regiões autónomas da Madeira e Açores.
O TC validou a constitucionalidade e Marcelo Rebelo de Sousa promulgou a lei.
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