“À espera da primavera” era o nome da coleção que a ‘designer’ Anabela Baldaque ia apresentar na 43.ª edição do Portugal Fashion, no Porto, mas, a dois meses do evento, aquela estrutura de promoção da moda portuguesa informou a criadora que não ia poder participar, com o argumento de que “tinham talentos novos para apresentar na passarela principal e não havia espaço físico para tantos desfiles”.
Falta de estratégia e de transparência é o que mais “choca” a ‘designer’ que participou no primeiro Portugal Fashion, em 1995, e tem participado em quase todas as edições nacionais, chegando a ser convidada para fazer desfiles nas semanas da moda de São Paulo (Brasil), Nova Iorque (EUA) e Paris (França).
Um caso idêntico aconteceu a Luís Buchinho, que, há cerca de um ano e meio, diz também lhe ter chegado um aviso do Portugal Fashion “tardiamente” de que não podia participar na semana da moda de Paris.
“Há um ano e meio fiz o inverno 2017-18 com desfile em Paris e estava a contar fazer o verão de 2018. Estava a trabalhar na coleção e fui avisado que não ia a Paris e fiquei um ano sem lá ir”, recorda, referindo que ficou “surpreendido”, porque planeou o seu “esquema de trabalho” com muita antecedência.
Essa comunicação tardia acabou por ter “repercussões negativas a nível das vendas” e a marca sofreu com essa anulação da participação em desfiles das passarelas internacionais, lamentou Buchinho, sugerindo que as estratégias do Portugal Fashion devem ser “mais direcionadas a cada ‘designer’”, através de mais reuniões, o que acontece de “maneira insuficiente”.
Buchinho defende ainda que o Portugal Fashion deveria inverter o plano de ação no que diz respeito às paragens nas capitais da moda, reunindo-se com os ‘designers’ antes de traçar a estratégia de vender a imagem da moda de autor no estrangeiro.
O ‘designer’ Miguel Vieira também considerou que seria “ouro sobre azul” para todos os intervenientes, desde logo os ‘designers’, passando pela Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE) e por todos os envolvidos, serem avisados com um “período mais alargado antes do desfile” internacional.
Miguel Vieira, com mais de 30 anos de carreira e um dos criadores que apresentam, com o apoio do Portugal Fashion, as suas coleções em Portugal e em semanas da moda mundiais, reconhece, todavia, que a estratégia de planeamento antecipado esteja pensada pela ANJE, mas como depende de fundos comunitários e de aprovação de projetos pode ser difícil lançar os convites aos criadores mais atempadamente.
Por seu lado, a ‘designer’ Katty Xiomara assume que foi avisada com pouca antecedência que não ia voltar a Nova Iorque.
“De facto, somos informados que vamos ou não vamos às vezes com um mês antecedência. Eu entendo, mas acho que deveria a haver uma forma, do meu ponto de vista, para encontrar um prazo mínimo de aviso aos ‘designers’, tendo em conta que como há sempre atrasos podem organizar-se os desfiles com base nesse pressuposto”, defendeu a ‘designer’.
Para Xiomara, é importante que a ANJE ouça os ‘designers’ para se encontrar em conjunto um “rumo ideal” para cada criador de moda e para que não se desperdice “o esforço" e o "investimento”.
O ‘designer’ Nuno Baltazar, que fez recentemente várias críticas à atual direção do Portugal Fashion e anunciou em março que deixava de apresentar as suas coleções naquela plataforma, explicou que os motivos que o levaram a abandonar o projeto foram a desvalorização que fizeram aos seus alertas, sugestões e críticas.
“Não fui ouvido”, lamenta Baltazar, acrescentando que os pressupostos do Portugal Fashion para apoiar os criadores na promoção internacional eram "muito pouco claros”, com “dualidade de critérios” e feitos de “forma pouco profissional”.
Questionado pela Lusa, o Portugal Fashion diz preferir não querer alimentar o que considera um “não assunto”.
“Este não assunto é, em si, um erro que em nada dignifica a moda portuguesa nem as dezenas de designers que fazem dela vida e que lutam diariamente para que o seu nome seja cada vez melhor e maior. Da nossa parte, enquanto Portugal Fashion, continuamos aqui para os apoiar e tentar levar mais longe, sendo cada vez mais fortes. Esse é nosso objetivo principal”, lê-se numa resposta escrita enviada pelo Portugal Fashion à agência Lusa.
O Portugal Fashion diz mesmo que acha por bem “não continuar a alimentar este bate-boca que, na verdade, não leva a lado nenhum, nem dignifica o trabalho” que faz e quer continuar a fazer.
“Todas as notícias à volta deste não assunto fizeram esquecer, na sua maioria, os 33 desfiles e as várias apresentações que aconteceram de quinta a domingo. Fizeram esquecer que, ao todo, e ao longo dos quatro dias de Portugal Fashion, estiveram presentes cerca de 50 participantes, e que passaram pela Alfândega do Porto perto de 37 mil pessoas”, acrescenta o Portugal Fashion, referindo-se à 44.ª edição que decorreu 14 e 17 de março.
O Portugal Fashion é um projeto da responsabilidade da ANJE, desenvolvido em parceria com a Associação Têxtil e Vestuário de Portugal e financiado pelo Portugal 2020.
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