“Decidi não apresentar o meu espetáculo no Israel Festival, em junho, porque acredito que é a única forma de garantir que o meu trabalho artístico não servirá para justificar ou apoiar um governo que comete deliberadas violações dos direitos humanos e está atualmente a atacar violentamente o povo palestiniano”, refere o autor, ator e encenador.
Em declarações à Lusa, explicou que aceitou o convite para apresentar “By Heart”, em Jerusalém, “há mais de um ano, na convicção de que se tratava de uma participação num festival que promovia pensamento crítico dentro do Estado israelita”. “Pela programação que apresenta tinha um olhar crítico sobre aquilo que é a relação do governo israelita com os territórios ocupados, com o povo palestiniano e também com a própria democracia israelita”, referiu.
O autor acrescentou ainda que aceitou por acreditar “que o povo de um país e a sua administração política não são a mesma coisa”. “Quando apresento espetáculos nos EUA, por exemplo, faço teatro para norte-americanos mas não estou, com isso, a subscrever a atuação da administração Trump. Se estivesse a agir em relação à administração Trump, seria contra”, afirmou.
Entretanto, o autor apercebeu-se, “através das comunicações oficiais do festival”, que a edição deste ano “‘marca o 70.º aniversário da independência do Estado de Israel’”.
“Achei que a minha participação seria passível de instrumentalização política, seria contrária aos meus desejos, serviria para celebrar uma efeméride, ainda por cima no contexto de um festival fortemente apoiado pelo governo israelita, sem que o festival tenha um discurso, que me parece fundamental que exista, crítico, explicitamente crítico, da atuação deste governo, sobretudo neste momento em que assistimos a um aumento assustador do número de vítimas entre os civis palestinianos nos ataques das forças armadas israelitas”, defendeu.
Tiago Rodrigues acredita que “não é possível um festival, que se assume como um festival que quer promover a pluralidade de vozes na democracia israelita, ficar silencioso perante aquilo que está a acontecer e que aconteceu esta semana”.
As forças israelitas mataram 60 manifestantes palestinianos e feriram mais de 2.500 durante protestos, ao longo da barreira de segurança que separa Israel da faixa de Gaza, na segunda-feira, dia em que foi inaugurada em Jerusalém a embaixada norte-americana.
Por ter “consciência que a decisão pessoal, de cidadão e artista, se reflete e tem consequências, obviamente, para o TNDMII”, antes de anunciá-la aos organizadores do festival e de torná-la pública, Tiago Rodrigues informou “a Administração do TNDMII, a tutela setorial, a Secretaria de Estado na Cultura, na pessoa do Secretário de Estado, Miguel Honrado, que por sua vez deu conhecimento ao ministério dos Negócios Estrangeiros”.
“Posteriormente comuniquei formalmente e dei a conhecer o comunicado que justifica a minha decisão, aos ministérios da Cultura, das Finanças e dos Negócios Estrangeiros”, contou.
Segundo Tiago Rodrigues, “o TNDMII já expressou publicamente que se trata de uma decisão pessoal e não de uma decisão institucional, que, no entanto, respeita”.
“Pesou na minha decisão a noção de que esta tomada de posição poderá ter consequências, desde financeiras a legais, para o TNDMII, mas, como digo no comunicado, o imperativo de consciência é mais forte”, disse, acrescentando que a decisão “foi respeitada” e nunca foi confrontado com qualquer tentativa de o demover.
Além disso, “refletindo sobre a situação”, Tiago Rodrigues decidiu “aderir ao boicote cultural ao estado de Israel e não participar em qualquer evento cultural que decorra em território israelita”.
“By Heart”, espetáculo no qual Tiago Rodrigues ensina um poema a dez pessoas do público, sem preparação prévia, ao mesmo tempo que vai desfiando histórias da sua avó misturadas com ficção e personagens de livros, já foi apresentado em Roma, Trodheim (Noruega), Amesterdão, Rennes e Marselha (França) e em Atenas.
“By Heart” é uma das peças que Tiago Rodrigues criou e encenou na companhia Mundo Perfeito e cedeu ao Teatro Nacional D. Maria II (TNDM II). A cedência estará vigente enquanto for diretor artístico do TNDM II.
[Notícia atualizada às 20:47]
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