“Hoje estamos confiantes no progresso em reduzir o número de famintos, cada vez mais a fome se restringe a ambientes de conflito explícito, guerra civil, impactados pela mudança climática e alguns bolsões de pobreza extrema”, disse José Graziano da Silva, na abertura do seminário sobre Agricultura Familiar e Desenvolvimento Sustentável da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), no âmbito da reunião de alto nível de três dias a decorrer em Lisboa.
O diretor-geral da FAO alertou que, “paralelamente, uma epidemia fora de controlo, avassaladora, tanto em África como na Europa, ameaça-nos: a malnutrição, a obesidade, mais especificamente, em mulheres e crianças”.
Na sua intervenção, José Graziano apontou algumas medidas essenciais para apoiar o setor da agricultura familiar, como a garantia do acesso dos agricultores aos recursos naturais e meios de produção, alertando que a ausência de “políticas específicas” impede um “reconhecimento explícito deste setor diferenciado”.
O responsável do organismo da ONU deu o exemplo “de muito sucesso” no Brasil, já replicado em vários países africanos e da América Latina, que garante compras diretas aos produtores familiares para os lanches escolares.
Graziano alertou ainda para a necessidade de “fortalecer os instrumentos da proteção social”, face ao envelhecimento da população de agricultores familiares.
Outro problema é o acesso à água para beber, advertiu: “Falamos de água para a agricultura, mas esquecemos as populações que precisam de água potável. Quem quiser ajudar a fortalecer a mulher, tem de encontrar água para beber, porque é a mulher que, na época de seca, tem de andar, às vezes oito horas como no Brasil, à procura de uma lata de água”.
“Os agricultores familiares são fundamentais para a coesão social, o desenvolvimento do interior, a luta contra a desertificação da população, a manutenção da paisagem e a preservação dos vários ecossistemas”, considerou o responsável da FAO.
A agricultura familiar é “o maior empregador” na maioria dos Estados-membros da CPLP (entre 60 a 85% da população) e responsável pela produção de uma média dos 70% dos alimentos básicos, mas “a paradoxal verdade” é que os agricultores familiares “estão entre os mais pobres”, advertiu, por seu turno, a secretária-executiva da organização lusófona, Maria do Carmo Silveira.
Além disso, em vários países, as mulheres são “a maioria da força de trabalho na agricultura”, mas enfrentam “desigualdades de género”, com restrição de acesso aos recursos naturais, disse.
Construir uma CPLP “livre da fome” é “um dos maiores desígnios” da comunidade lusófona, sublinhou a secretária-executiva.
Em representação da Plataforma de Camponeses da CPLP, Luís Muchanga recordou que o setor representa, nos países da comunidade, mais de sete milhões de agricultores e agricultoras.
O representante dos camponeses identificou como “prioridades” o trabalho ao nível das leis, estatutos, registo e cadastro, “para ter uma radiografia real dos agricultores familiares”.
“A valorização da semente local e a promoção de banco de sementes são estratégias imprescindíveis”, bem como a promoção do “papel importante da mulher e os jovens” neste setor, defendeu.
Muchanga apelou ainda ao desenvolvimento, entre todos, de “estratégias de luta” contra “os novos inimigos: a escassez de água para a agricultura e os impactos das mudanças climáticas, “que carregam consigo várias pragas e que minam os esforços dos camponeses na luta incansável pela melhoria da produção e produtividade agrária”.
Os trabalhos de hoje prosseguem com uma reunião ministerial da CPLP, em que será aprovada a “Carta de Lisboa pelo Fortalecimento da Agricultura Familiar”, no contexto da Consolidação da Estratégia da Segurança Alimentar e Nutricional da organização.
O documento, que será assinado na quarta-feira, último dia da reunião de alto nível, significará “um impulso importante” aos países da organização lusófona, sublinhou, no encontro, o ministro da Agricultura português, Luís Capoulas Santos.
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