A historiadora, que tem desenvolvido investigação essencialmente sobre o Estado Novo (1933-1974), optou nesta obra por estudar o período seguinte à “queda da ditadura e das suas instituições repressivas”, no campo político, “através do estudo das principais instituições de poder erguidas durante o período entre os dois ‘25’, de abril de 1974 e de novembro de 1975” o denominado PREC (Processo Revolucionário Em Curso).
A mira da investigação histórica de Flunser Pimentel está na instituição militar, nos principais partidos políticos de então, mas também no que aconteceu à ex-polícia política, a PIDE-DGS, e na ação dos Estados Unidos, de França e Alemanha, relativamente a Portugal.
Irene Flunser Pimentel refere-se ao PREC como “um tempo de saneamentos políticos – nome que foi dado às purgas – de professores, administradores, funcionários estatais, ministros, governadores civis e presidentes de câmara considerados ligados ao antigo regime”, referindo que “houve excessos, vinganças pessoais e até o surgimento de um novo tipo de informadores de sinal contrário, aprendizes dos chamados ‘bufos’ da DGS [PIDE/Direção-Geral de Segurança]”.
A autora defende convictamente que os portugueses tudo ganharam com o 25 de Abril e a democratização que o golpe militar promoveu: “O novo Código Civil, as leis igualitárias e paritárias, a democratização do ensino e o Estado social".
“Como tudo ganharam com o 25 de Abril o filho ou a filha de camponeses pobres e analfabetos do norte do país ou assalariados miseráveis do sul”.
“Para os seus filhos, netos e bisnetos, é impensável um país sem democracia, por mais imperfeita que esta seja, sem mobilidade social, sem Educação e Estado social”, escreve a historiadora que, faz questão de agradecer “aos militares de Abril que, em 1973 e 1974, se reuniram, primeiro para lutarem por interesses corporativos e, depois, com uma crescente consciência de que a Guerra Colonial tinha de ser resolvida politicamente, tiveram a audácia e a coragem de arriscar a vida e a liberdade, ao saírem à rua com tanques e armas, em 25 de Abril de 1974”.
A historiadora considera que a ditadura que durou 48 anos “foi decididamente extinta”.
“Sabe-se hoje, quase 50 anos depois, que ninguém a restabeleceu, mesmo em novos moldes, e o crédito vai todo para os oficiais do Movimento das Forças Armadas (MFA), no comando de tropas que lhe obedeceram, que levaram a cabo um golpe de Estado rápido, vitorioso e sem sangue”, escreve Irene Flunser Pimentel, ressalvando os quatro jovens portugueses que a PIDE-DGS, “no seu estertor”, matou a tiro.
A queda da ditadura e o PREC aconteceram num quadro “marcado pela Guerra Fria e pelas ideologias”, num tempo “de triunfo da esquerda, das várias esquerdas”, afirma a historiadora recordando que o então Partido Popular Democrático (PPD), atual Partido Social-Democrata (PSD), “também defendeu a via para o socialismo na Constituição, a par de todos os outros partidos, com exceção do CDS”.
Todavia, “não se passou do capitalismo ao socialismo e os meios de produção não mudaram de mãos, com a exceção de algumas empresas, mas por pouco tempo”.
“O golpe de Estado transformou-se num processo revolucionário, ou – pode dizer-se – em revolução, não que tivesse modificado a estrutura económica e social do país, mas mudou-o politicamente, possibilitando a criação do Estado social, da democracia política, bem como a liberdade de associação, pensamento e ação e a mobilidade social”.
Porém, “as elites políticas, civis, militarias e religiosas, essas sim, mudaram”, e “a sociedade portuguesa já nunca mais foi igual à que existia em ditadura, nem o foi para a situação dos homens e das mulheres”.
Realça a historiadora que “foi um processo ‘a partir de cima para baixo’” e a “legislação igualitária - mais do que nos restantes países da Europa até então democrática – permitindo que as mulheres acedessem a profissões que lhes estavam vedadas – a magistratura judicial, os cargos de diplomata e de juíza – e combatessem por reivindicações especificamente femininas.”
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