Numa carta enviada hoje ao Ministério da Saúde, a que a Lusa teve acesso, a autarquia defende que a tutela não pode "alijar responsabilidades que são suas" e lembra que o município assumiu sempre a sua disponibilidade como "parceiro de um programa do Ministério da Saúde, aceitando cofinanciá-lo e colaborando na sua implementação designadamente quanto às localizações e articulação com a rede, tal como previsto na Lei".

A Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte propõe que seja a Câmara do Porto a assegurar a execução física e financiamento das unidades de consumo vigiado no concelho, durante os primeiros 20 meses do programa.

"Para o que nos está a ser proposto, e foi do conhecimento da comunicação social, extemporaneamente e ao arrepio do que vinha sendo convencionado, não necessitaríamos, como compreenderá, de qualquer intervenção da ARS Norte, que não tutela o município do Porto", lê-se na missiva dirigida à Ministra da Saúde, Marta Temido.

Face ao exposto, “e acreditando que não seja essa a visão política do Governo”, o município solicita assim o agendamento de uma reunião para “clarificar e definir o enquadramento e termos em que o processo deve prosseguir”.

Questionada pela Lusa, a ARS escusou a comentar o teor da carta, salientando que a proposta de protocolo entregue “vai exigir trabalho (reunião)”.

“Do que vier a ficar decidido oportunamente daremos conta”, acrescentou aquela entidade.

Na missiva, a autarquia refere que reafirmou, numa reunião de 23 de agosto com a então Secretária de Estado da Saúde, Raquel Duarte, a sua disponibilidade em colaborar na criação de salas de consumo protegido no concelho, mas deixou clara a sua posição de que "deve ser o Ministério da Saúde/SICAD [Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências] a promover o concurso para selecionar as entidades gestoras das respostas, tal como acontece nos programas de Redução de Riscos e Minimização de Danos".

Neste pressuposto, o município mostrou-se disponível para celebrar um protocolo de colaboração para o período de três anos, no âmbito do qual assume um financiamento no valor de 400 mil euros.

Segundo o município, nesta reunião ficou ainda acordado reunir com as diversas organizações que têm trabalhado nesta área para lhes comunicar os resultados, o que aconteceu em 04 de setembro.

"Com base no memorando apresentado pela ARS-Norte na referida reunião (...) e nos princípios enunciados pela Câmara Municipal do Porto, ficou acordado que a ARS-Norte elaboraria um memorando ao SICAD para análise e submissão para que a Senhora Secretária de Estado desse de imediato a sua autorização ao processo", explica a autarquia.

Contudo, a proposta de protocolo de colaboração que chegou à autarquia no dia 15 de novembro, "diverge totalmente dos termos e condições que até aqui vinha a ser negociados" e foram deliberados quer pela câmara quer pela Assembleia Municipal.

A ARS-Norte revelou à Lusa no dia 20 de novembro que tinha já remetido à Câmara do Porto a proposta de protocolo para instalação de uma sala de consumo protegido, cujo prazo de implementação está dependente da aprovação da versão final.

De acordo com aquela entidade, a mesma proposta defende a implementação faseada (com início no curto prazo) de uma resposta que permite cobrir o território da cidade, contemplando os percursos dos consumidores de substâncias ilícitas.

A ARS-Norte esclarecia ainda que o prazo de implementação "dependerá da obtenção do parecer positivo à proposta, e inclusão de eventuais contributos, por parte dos demais signatários (outros serviços da administração central), o qual será solicitado após concordância com a versão final da mesma, pela parceira câmara municipal".

Esta proposta de protocolo vinha a ser trabalhada quer com a Câmara do Porto quer com entidades do setor social, estando desde setembro a ser ultimada.

Em junho, a Assembleia Municipal do Porto aprovou oito propostas de recomendam a instalação de salas de consumo assistido na cidade, como medida de redução dos riscos e minimização dos danos do consumo de drogas.

As propostas apresentadas pelos grupos municipais do PS, PSD, CDU, PAN, Bloco de Esquerda (BE) e Rui Moreira: Porto, o Nosso Partido surgiram na sequência da discussão do relatório da Comissão de Acompanhamento da Toxicodependência que também foi unânime na necessidade de implementar estas estruturas, nomeadamente em face da "pulverização" do consumo e tráfico de droga em outros bairros municipais nas imediações do Bairro do Aleixo, cujo processo de desmontagem das torres está agora concluído.

A ARS quer que a Câmara do Porto assegure a sala de consumo vigiado nos primeiros 20 meses

A Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte propõe que seja a Câmara do Porto a assegurar a execução física e financiamento das unidades de consumo vigiado no concelho, durante os primeiros 20 meses do programa.

A proposta de protocolo anexa a uma carta da câmara enviada hoje à tutela, a que a Lusa teve acesso, revela que o Programa de Consumo Vigiado no concelho inclui a implementação, operacionalização e monitorização de uma Unidade Móvel para Consumo Vigiado e de uma Unidade Amovível para Consumo Vigiado.

Segundo aquele documento, a execução física do Programa será faseada, iniciando com um projeto-piloto de Unidade Amovível de Consumo Vigiado que, após um ano, irá ser objeto de avaliação.

Nos primeiros 20 meses de funcionamento do Programa, a sua execução física, estipula aquela proposta de protocolo, é da responsabilidade da Câmara do Porto, assim como a indicação das entidades sem fins lucrativos.

Durante o período dos oito meses seguintes, proceder-se-á à avaliação intercalar pelo SICAD [Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências] e, em caso de aprovação, à abertura, no mesmo período temporal, de um procedimento concursal para a Unidade Amovível de Consumo Vigiado, ampliada com uma Unidade Móvel de Consumo Vigiado, aponta a proposta.

No que diz respeito ao financiamento, nos primeiros 20 meses este é da responsabilidade do município, a partir daí o SICAD assumirá os 80% do financiamento do Programa. Os restantes 20% do financiamento serão da responsabilidade da entidade promotora, ou de outra entidade pública, privada ou social.

Entre outras coisas, compete ainda à autarquia "disponibilizar, nos termos propostos pela ARS-Norte, os locais dos postos de atendimento à população alvo".

O protocolo adianta ainda que compete à ARS-Norte "garantir a transição de equipamento(s) adquirido(s) durante os dois primeiros anos de execução dos Programas, designadamente aceitando em doação, após aquele período, a propriedade do veiculo utilizado, como unidade móvel e da estrutura amovível e, consequentemente, reafetando-as àquele, ou a outro que o substitua na área do município, nos anos seguintes".

Em anexo à missiva enviada hoje à tutela consta ainda um documento sobre a reunião de trabalho de 23 de agosto, da qual participou a então secretária de Estado da Saúde, Raquel Duarte, com informação detalhadas sobre estas respostas.

Segundo aquele anexo, a Unidade Amovível para Consumo Vigiado a instalar, na zona ocidental da cidade, em local a definir pela autarquia, terá uma área de cerca de 90 metros quadrados e uma capacidade instalada de "10 postos/boxes polivalentes de consumo injetado e fumado", a funcionar entre as 10:00 e as 20:00.

Já a Unidade Móvel para Consumo Vigiado, a instalar em local a definir pelo município na zona histórica e Baixa do Porto, zona Oriental ou parte da zona ocidental (Ramalde, Viso e Francos), será composta por "dois postos polivalentes para consumo injetado e fumado" a funcionar sete horas/dias, a variar mediante a procura dos utilizadores.

Ainda de acordo com este documento, no caso da Unidade Amovível de Consumo Vigiado os custos de investimento e funcionamento totalizam, nos três anos (2020, 2021 e 2022) cerca de 890 mil euros. Deste valor, 400 mil são financiados pela câmara, cerca de 139 mil pela ARS-Norte, em parte correspondentes a encargos com pessoal e consumíveis da Unidade e 281 mil pelo SICAD.

Já para a Unidade Móvel de Consumo Vigiado, o valor orçamento ascende aos 190 mil euros, até 2022.

Da missiva consta ainda um memorando de entendimento para a instalação de uma sala de consumo protegido no Bairro do Aleixo.

O documento orientador refere que a proposta para financiamento desta resposta "é a de ser submetida a concurso nos termos daquela portaria [Portaria 27/2013 de 24 de janeiro], cometendo às ONG do setor - detentoras de experiência e capilaridade adequada à mesma - a prestação de cuidados especializados de proximidade. Esse concurso poderia ser dirigido a uma dessas ONG's ou a um consórcio delas".

"Uma vez que o financiamento não pode ser utilizado para este fim no primeiro ano de funcionamento, será importante verificar entidades disponíveis nomeadamente a autarquia", refere-se no documento a que a Lusa teve acesso.

Numa perspetiva de otimização e partilha de recursos, defende aquela administração de saúde, "havendo disponibilidade da parte da Câmara Municipal do Porto seria desejável que fossem pela mesma disponibilizadas as instalações (em nosso entender amovíveis por podem ser facilmente utilizados em diferentes contextos) e respetivos custos de instalação".

A ARS entende que, dispondo a autarquia "de diversos imóveis (terrenos públicos), poderá ter maior facilidade em encontrar soluções que respondam aos requisitos para a instalação daqueles equipamentos (de contentorização)".

"Esta possibilidade conferiria um mérito acrescido ao papel da câmara municipal na resolução da problemática, reforçando a expressão do princípio de inclusão da saúde em todas as políticas vertido na Estratégia Saúde 2020, da Organização Mundial de Saúde e da Comissão Europeia, à qual Portugal aderiu", sustenta o documento.