O dia 8 de novembro de 2016 foi para Dylan Fernandes um turbilhão de emoções. Uma grande alegria seguida de uma inesperada tristeza. Filho, neto e bisneto de portugueses emigrantes nos Estados Unidos, foi nesse dia eleito para a Câmara dos Representantes do estado do Massachussets com apenas 26 anos. Já a noite ia longa quando lhe chegou a notícia que impediria de recordar a festa em pleno: também Donald Trump seria eleito nessa data presidente dos Estados Unidos da América.

No ano seguinte, Dylan teria, no entanto, um novo motivo para festejar: tornava-se o primeiro da sua geração de legisladores a elaborar um quadro legal na Câmara dos Representantes. E não se tratava de uma lei qualquer, mas sim da legislação que permitiu ao estado do Massachusetts integrar o Acordo de Paris sobre Alterações Climáticas, o mesmo acordo do qual Donald Trump tinha excluído o país numa das primeiras medidas da sua presidência. A lei americana permite que aos estados este tipo de iniciativa e, depois do Massachusetts, já também o Hawai seguiu na mesma direção.

Antes de ser eleito para a Câmara dos Representantes, Dylan Fernandes integrou a campanha da procuradora geral Maura Healey, cujo gabinete integrou posteriormente como diretor na área digital e onde protagonizou também algumas campanhas nomeadamente de apoio aos direitos da comunidade LGBT, de defesa da remuneração igual por trabalho igual e de soluções de energia limpa.

A próxima batalha política será, com grande probabilidade, a da campanha pela nomeação da senadora Elizabeth Warren como candidata democrata nas eleições presidenciais de 2020, uma disputa onde terá pela frente nomes como o de Joe Biden, o vice de Barack Obama.

Tem uma nota biográfica extensa para alguém que ainda não tem 30 anos, mas vou começar por lhe pedir que nos diga algo sobre si que não conste do currículo.

Descrever-me-ia como um progressista, como alguém muito focado em lutar pelas pessoas mais vulneráveis na nossa sociedade e no meu distrito em particular que é Martha's Vineyard, Falmouth e Nantucket. É um distrito único no que respeita à história portuguesa porque são daqui algumas das mais antigas comunidades portuguesas na América.

Martha's Vineyard é também o sítio onde o anterior presidente tinha uma casa ...

O Presidente Obama vinha todos os anos, o Presidente Clinton vinha todos os anos quando estava no cargo, e o Presidente Obama ainda continua a vir todos os anos. O Presidente Trump não vem. Não sei quão bem seria recebido, é um distrito muito democrata. Mas receberíamos bem o presidente para umas férias, se ele quisesse – mas ele prefere a Florida, e gosta muito de férias.

Um dos aspetos que me despertou maior curiosidade na sua atividade é ter estado ligado à legislação que integrou o estado do Massachusetts no Acordo de Paris. Como é que isso aconteceu?

Temos um presidente que não acredita na ciência básica e que está em negação no que respeita aos factos sobre as alterações climáticas. Como parte da geração milenial, como jovem que sou, não há tema como maior impacto para a minha geração e para a dos meus filhos que o das alterações climáticas, aquecimento global e subida do nível do mar. E, sendo representante da área com maior zona costeira no Massachusetts, isto é também algo que terá um profundo impacto na nossa comunidade.

Quando o Presidente Trump saiu do Acordo de Paris – este acordo incrível que junta todos à exceção dos Estados Unidos, porque precisamos de um esforço global – eu queria enviar uma mensagem clara ao Massachusetts, ao país, e mais importante, ao mundo de que o nosso estado está do lado certo da História, que vamos continuar a fazer fortes esforços no sentido de combater as alterações climáticas e que meia dúzia de negacionistas em Washington não falam por nós.

O Acordo de Paris prevê a possibilidade de associação de não-Estados e foi isso que aprovámos na Câmara dos Representantes, e o Massachusetts vai seguir em frente.

O nosso país ao nível federal pode ter dado um passo atrás, mas o que é importante recordar sobre a América é que o nosso governo federal é forte mas nem pouco mais ou menos tão forte quanto os governos federais na Europa, porque o nosso poder é realmente descentralizado na América, os nossos estados têm bastante poder. No Massachusetts, como disse, estamos a seguir em frente.

Na Europa, e em concreto em Portugal, temos ouvido falar de várias iniciativas na área ambiental na Califórnia mas não no Massachusetts ...

Somos mais pequenos, é por isso! A Califórnia é enorme, tem toda a costa ocidental, à exceção de um ou dois estados a norte, por isso com aquela população e aqueles recursos têm a sexta ou sétima economia mundial se fossem um país independente.

No Massachusetts, por outro lado, temos seis milhões de pessoas, mas apesar de sermos mais pequenos em termos de população temos uma das mais robustas economias nos EUA e somos um estado que lidera em vários temas políticos. Fomos os primeiros a aprovar legislação visando soluções para o  aquecimento global, há mais de uma década, fomos os primeiros a aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, os cuidados de saúde universais,  a avançar com energia eólica a partir das zonas costeiras. Apesar de sermos relativamente pequenos, o resto da América olha para nós como um estado que lidera, muitos presidentes vêm do Massachusetts, e para um legislador é uma grande honra porque temos impacto no que acontece no país.

Tem também sido notícia o regresso da discussão sobre a lei do aborto, nomeadamente em alguns estados americanos, na sequência da alteração no Supremo Tribunal, agora de pendor conservador. Como vê este tema?

Começo por dizer que qualquer mulher, independentemente do rendimento, do local onde vive, origem étnica, orientação sexual, tem o direito a ter acesso a uma saúde reprodutiva segura e acessível – é algo em que acredito e que defendo. No Massachusetts não vamos assistir a um retrocesso, nem à reversão do direito ao aborto.

A América é um país enorme e com muitas realidades mas estas divisões em torno de temas que resultam já de consensos alcançados não ameaçam a coesão do país?

A América é um país enorme, partilhamos convicções muito semelhantes sobre a nossa democracia mas existe uma grande divisão entre as áreas rurais e as cidades – somos pessoas muito diferentes, com backgrounds diferentes – por isso manter este empreendimento unido é sempre um desafio.

Como é que um progressista olha para a ideia de um mundo dividido em dois, de um lado mais jovens e mais preocupados com clima, liberdade de orientação sexual, igualdade de género, e de outro mais velhos mais envolvidos com a política e com a ideologia?

Há uma série de crises em curso nos EUA que impactam a nossa geração muito mais que as outras. Se olharmos como métricas relativas os cuidados de saúde, arrendamento ou empréstimos para financiar os estudos, a geração mais jovem é muito mais afetada que a dos nossos pais. Quando olhamos para as taxas de violência com armas, também a nossa geração foi mais afetada com tiroteios nas escolas. Estamos a olhar para tudo isto e o que vemos são políticas falhadas há mais de 40 anos, as pessoas mais velhas trouxeram-nos até aqui e sentimo-nos frustrados com isso. Essa frustração traduz-se na falta de confiança no governo, mas algo que os entusiasma é que muitas das iniciativas que chegam ao congresso são lideradas por jovens, sejam no tema do controlo de armas, seja no clima.

Como é que passam essa mensagem aos mais velhos e como é que se podem impedir que estas questões dividam gerações ou se traduzam no que uns ganham outros perdem? O Brexit foi um pouco o espelho desta dinâmica negativa ...

Não sei se é essa a perceção hoje. Fui eleito quando tinha 26 anos e o meu distrito, Cape Cod, é um dos cinco mais envelhecidos na América. Há muitas pessoas mais velhas que estão a aliar-se às mais novas e que querem que os mais jovens avancem e criem soluções de mudança. É um país muito grande o nosso, há muitos pontos de vista, mas vejo muitas pessoas das gerações mais velhas a encorajar os mais novos a envolverem-se – e isso é algo que eu defendo ativamente.

Nós apresentámos uma lei para baixar a idade de voto para os 16 anos e um conjunto de ações ao nível municipal e local para envolver mais os alunos do liceu.

Porquê votar aos 16 anos? Em Portugal foi votada e chumbada uma proposta nesse sentido … Também não se pode beber álcool antes dos 18.

Aqui podemos votar mas não podemos beber álcool. Temos direito a votar antes de poder beber bebidas alcoólicas.

Acha que isso faz sentido?

Não, eu baixaria a idade em que é permitido beber.

Considera que aos 16 anos os jovens já estão aptos a fazer escolhas políticas?

Temos diferentes tipos de eleições. Temos uma eleição federal em que elegemos pessoas para nos representarem em Washington. Temos eleições estaduais – nas quais eu sou um dos eleitos para Câmara dos Representantes do Massachusetts – e depois temos eleições municipais para as cidades onde elegemos pessoas para o governo local. Eu represento nove cidades diferentes, com legislações diferentes, e isso é porque descentralizámos o poder na América. A legislação que aprovámos não dá aos jovens de 16 anos direito a votar nas eleições federais nem estaduais, mas dá-lhes o direito de votar nas eleições municipais e na sua cidade. Quando votam na sua cidade, votam no orçamento escolar, na direção da escola, na comissão que decide os programas escolares – estão a votar em assuntos locais e acho que os jovens de 16 anos devem poder fazê-lo.

Nesse sentido, é também uma forma de “ensinar” a democracia e de os envolver ...

Não dizemos que os jovens de 16 anos têm automaticamente direito a votar nas eleições municipais. Há 351 cidades e vilas no Massachusetts e cada uma tem direito de decidir como quer proceder. Não é automático, vão ter de se organizar em cada cidade para decidir primeiro e depois para implementar o processo.

Pensa que a maioria quererá o voto a partir dos 16 anos?

Não sei, o tema ganhou muita atenção e as pessoas têm opiniões diferentes, mas de forma geral foi bem recebido.

Fez parte da campanha para o senado de Elizabeth Warren e agora ela está a candidatar-se à presidência. Também vai estar com ela nesta campanha?

Estou completamente com Elizabeth Warren.

Porque é que ela deve ser a próxima presidente dos Estados Unidos?

Ela é brilhante, é sempre a mais inteligente onde quer que esteja e é uma líder incrível. É uma pessoa que lidera unindo as pessoas e é muito calorosa. Para os analistas, ela não entrou na corrida com a notoriedade pública de outros nomes, mas está a liderar a discussão em várias áreas.

Pensa que ela seria a melhor posicionada para derrotar Donald Trump?

Sim, acho que ela estaria numa boa posição para o derrotar, caso seja nomeada, e penso que quem quer que seja o candidato democrata o partido e a nação irá se unir em torno dessa pessoa para derrotar Donald Trump. É a eleição mais importante da minha vida. Fui eleito na mesma noite que Donald Trump, por isso foi uma alegria esmagadora seguida de um sentimento de tristeza. Foi uma noite cheia de emoções.

O que é que soube primeiro?

Que tinha sido eleito.

Estava à espera que Trump fosse eleito?

Não, de todo, não estava.

As sondagens dizem que Donald Trump poderá ser eleito outra vez

Sim, com certeza, temos muito trabalho pela frente.

Porque é que diz “com certeza”? Como explica que um dos presidentes que mais se tem visto envolvido em problemas possa ser reeleito?

Donald Trump é um presidente muito impopular na América, a sua percentagem de popularidade nunca esteve acima dos 50%. Mas a vantagem do incumbente é uma coisa incrivelmente poderosa, e ele está no governo mais poderoso do mundo. Por isso acho que temos muito trabalho pela frente e nenhum americano deverá tomar nada por garantido que foi o que fizemos nas últimas eleições.

Falando de Portugal, como é que o país é visto hoje em dia nos Estados Unidos e no Massachusetts? Agora que somos irresistíveis para quase o mundo inteiro (risos) ...

Como alguém que representa uma área muito portuguesa nos Estados Unidos, olhamos de facto para Portugal como uma parte importante da nossa herança e temos um número significativo de clubes luso-americanos no nosso distrito onde celebramos essa herança. No meu distrito temos dois clubes muito ativos.

Veem os jogos de futebol portugueses, por exemplo?

Veem futebol, temos dias que celebram tradições portuguesas, trazemos grupos tradicionais, fadistas  e temos um dia da tradição portuguesa na Câmara de Massachusetts em que trazemos líderes portugueses do mundo inteiro para celebrar a nossa cultura comum. Há um verdadeiro sentimento por Portugal.

A sua família é de que ilha nos Açores?

São Miguel, e também tenho família parte inglesa / irlandesa / escocesa, mas quando estava em campanha falava das minhas raízes portuguesas porque no Massachusetts (especialmente no sueste) sentimos uma profunda ligação aos portugueses e admiramos a cultura.

Quando pensa na evolução de Portugal nos últimos 10 anos, sente que houve mudanças ou o que se mantém é a ligação ancestral?

Vim a Portugal pela primeira vez em 2011, fiquei uns dias e já voltei várias vezes depois disso. Neste período vi Lisboa tornar-se uma cidade muito mais vibrante, vimos que houve crescimento económico e que hoje existem universidades com qualidade internacional. As universidades posicionam Portugal para liderar, é a fórmula do Massachusetts, a razão porque temos uma economia forte é porque somos o estado mais educado, temos mais universidades que qualquer outro lugar no planeta e isso posiciona-nos para liderar. Vejo um paralelo com Portugal em termos de uma boa transição para a nova economia mundial, mas não sei se as gerações que emigraram há 40 anos o veem desta forma porque conheceram outro país, em dificuldades económicas e num regime autoritário.  A minha geração vê Portugal com lentes modernas.

Há quantas gerações a sua família está na América?

Sou a terceira geração americana Americana, por isso os meus bisavôs foram os primeiros a vir.

No princípio do século XX?

Sim.

O que fazia a sua família quando chegou aos Estados Unidos?

Eras agricultores, cultivavam morangos e cresceram num ambiente de grande pobreza na América. Deixaram uma terra difícil e mudaram-se para a América em procura de melhor vida, mas que ainda era de pobreza. O meu avô nunca foi para a universidade, nem sei se completou o liceu. Tinha o sonho americano e trabalhou muito por isso. Teve a sua recompensa quando me licenciei num curso que ele ajudou a pagar e cinco anos depois me viu ser eleito representante do nosso Estado. Uma família que saiu dos Açores, de um regime autoritário, veio para a América e o seu neto tornou-se um político numa das democracias mais fortes do mundo.

O sonho americano ainda existe?

O nosso país tem muitas histórias como esta e continua a existir o sonho americano. Martin Luther King tem uma frase que diz “o arco da história é longo mas dobra em direção à justiça” e eu penso que isso é verdade para a América. Estamos na direção certa, às vezes damos uns passos atrás, mas no longo arco da história estamos a mover-nos na direção certa.