"Empurrar as pessoas de volta para a Líbia, neste momento, é irresponsável. Se ouvirmos os testemunhos sobre o que os refugiados estão a passar na Líbia: Há mulheres a serem violadas, há pessoas detidas, torturadas, sequestradas, extorquidas. Histórias de horror", declarou Fleming à agência Lusa.
Em fevereiro, a Itália e o resto dos Estados-membros da UE fizeram um acordo com o governo interino da Líbia - apoiado pelas Nações Unidas - para que as autoridades líbias detenham na origem o fluxo de migrantes que atravessa o Mediterrâneo, colocando-os em centros de detenção.
No âmbito do acordo, a Itália pagará 220 milhões de euros à guarda costeira líbia e dará formação para ajudar a deter as pequenas embarcações que saem diariamente das costas líbias com destino à Europa.
"É tudo muito bonito, só que os centros de detenção são horrorosos. Tem de haver uma maior monitorização internacional sobre esses centros de detenção. Na verdade, o ACNUR é contra a própria ideia de centros de detenção", disse a porta-voz do Alto Comissariado nas Nações Unidas para os Refugiados.
Melissa Fleming, em Lisboa para apresentar o seu livro "Uma Esperança Mais Forte do que o Mar", disse que "é preciso mais trabalho e enfoque na estabilização da Líbia", país em que várias fações disputam o poder por causa dos recursos energéticos do país.
Várias vozes críticas têm questionado a eficácia das operações europeias de segurança fronteiriça, como a Frontex ou a Trident, afirmando que, na prática, essas iniciativas apenas fazem com que os traficantes de seres humanos optem por barcos de transporte cada vez mais inseguros.
Questionada sobre esta questão, Melissa Fleming admitiu que os traficantes estão, de facto, a colocar os refugiados em embarcações mais baratas e inseguras, antecipando o resgate dos navios de voluntários e das marinhas europeias.
"É verdade: os navios de resgate estão mais perto da costa da Líbia e por isso as embarcações [nas quais viajam os refugiados] agora são mais pequenos, pelo que nunca conseguiriam chegar a Itália", disse a porta-voz.
No entanto, ressalvou Melissa Fleming, "antes de haver tantos navios de resgate [no âmbito da Frontex e outras] perto da Líbia, as pessoas também estavam a morrer".
"Punham-nas em barcos maiores, mas maus. Agora os barcos continuam maus, mas são mais pequenos. Não conseguem percorrer a mesma distância", reforçou.
Melissa Fleming, que trabalha para o ACNUR há oito anos, dos quais sete sob a liderança do português António Guterres, antecipa mais um ano recorde no que toca ao fluxo de migrantes.
"Todos os anos os números [de refugiados] continuam a subir. E não apenas uns quantos milhares. Todos os anos há um novo recorde, e é sempre um aumento na casa dos milhões", disse a responsável.
"Se as grandes guerras não pararem - a Síria, os conflitos na Somália, no Afeganistão, no Iémen - não veremos um fim para este fluxo de deslocados", concluiu.
De acordo com os números do ACNUR e da Organização Internacional das Migrações, mais de 1.000 pessoas já morreram este ano a tentar cruzar o Mediterrâneo rumo à Europa.
"Se houver desespero, as pessoas vão continuar a fazer esta rota", disse Melissa Fleming.
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