A cerimónia frente à Assembleia da República
À hora marcada para o início, a banda e a fanfarra da GNR já se encontravam postadas no passeio em frente ao parlamento para assinalar o arranque da homenagem ao escritor nascido na Póvoa de Varzim, distrito do Porto. Aos músicos da GNR juntou-se pouco depois, em frente à escadaria principal do parlamento, a escolta de honra a cavalo da mesma força.
Na entrada principal do Palácio de São Bento foram-se reunindo os vice-presidentes da Assembleia da República, bem como os presidentes dos grupos parlamentares, a deputada única do PAN, o coordenador do Grupo de Trabalho para a Concessão de Honras de Panteão Nacional ao escritor e outros deputados.
Aos parlamentares, juntaram-se também os familiares do escritor, inclusive o trineto Afonso Reis Cabral, escritor, presidente da Fundação Eça de Queiroz e responsável pelo elogio fúnebre do seu trisavô no Panteão Nacional.
O presidente do Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, juntou-se ao grupo de deputados e familiares poucos minutos depois das 09h20, acompanhado da secretária-geral do parlamento, do seu chefe de gabinete e da diretora de relações internacionais, públicas e protocolo da Assembleia da República.
A manhã ficou marcada pela chuva, que começou 15 minutos depois das 09h00 e acompanhou o restante da cerimónia no perímetro do Palácio de São Bento.
A urna com o restos mortais do escritor Eça de Queiroz chegou à entrada principal da Assembleia da República cerca das 09h25 de hoje com escolta de honra motorizada e coberta pela bandeira nacional.
Os restos mortais do escritor português foram retirados de um veiculo por militares da Guarda Nacional Republicana ao som de uma marcha fúnebre interpretada pela banda da GNR até junto da escadaria principal do parlamento.
Já com a urna em frente ao parlamento ouviu-se o hino nacional pela banda da GNR ao mesmo tempo que os restos mortais do autor português foram colocada na essa que lhe estava destinada e ficou voltada para a escadaria principal.
Depois de ouvido o hino nacional, a urna de Eça foi colocada no breque fúnebre que se dirigiu para a rua de São Bento, e daí seguiu em direção ao Panteão Nacional de Santa Engrácia num cortejo constituído, além da carruagem fúnebre da GNR que transportou a urna, pela viatura da secretária-geral da AR, dos familiares de Eça de Queiroz e da guarda, a charanga e o esquadrão a cavalo da GNR.
Por volta das 09h35, a urna foi transferida para o breque fúnebre da GNR, que partiu da Rua de São Bento em direção ao Panteão Nacional de Santa Engrácia. O cortejo incluiu viaturas da Assembleia da República, familiares de Eça de Queiroz e uma escolta composta pela guarda, a charanga e o esquadrão a cavalo da GNR.
A cerimónia no parlamento, numa manhã marcada pela chuva, acabou por se acelerar sendo concluída cerca de 15 minutos antes da hora prevista.
Eça no Panteão
A urna com os restos mortais de Eça de Queiroz entrou no Panteão Nacional, em Lisboa, às 11h10, dando início à cerimónia de trasladação, que ficou marcada pela ausência de povo a assistir e por um forte temporal.
A urna com os restos mortais do escritor, coberta pela bandeira de Portugal, chegou ao Panteão Nacional, com escolta de honra a cavalo, ligeiramente atrasada em relação à hora prevista.
Imediatamente antes chegaram Presidente da República, presidente da Assembleia da República e primeiro-ministro, e à entrada do Panteão esperavam deputados e familiares do escritor, nomeadamente o trineto Afonso Reis Cabral, presidente da Fundação Eça de Queiroz e um dos dinamizadores da trasladação.
Numa manhã fustigada por chuva torrencial batida a vento, o exterior do Panteão esteve praticamente vazio de pessoas, não fossem meia dúzia de curiosos que pararam debaixo de guarda-chuvas a assistir à chegada da urna.
Dentro do Panteão, mais de 300 convidados, políticos e figuras de Estado acompanham a cerimónia que será marcada por vários momentos musicais e leituras de excertos de obras de Eça de Queiroz.
- Afonso Reis Cabral
O presidente da Fundação Eça de Queiroz, Afonso Reis Cabral, afirmou hoje que o autor de “Os Maias” entrou hoje no Panteão Nacional, em Lisboa, aos ombros dos seus milhares de leitores.
Reis Cabral teceu o perfil do escritor referindo a sua carreira como diplomata que, em Cuba, alertou para o trabalho quase escravo dos emigrantes chineses que via "como irmãos".
Reis Cabral realçou como “Os Maias" mudaram a literatura nacional e como a escrita de Eça procurou aperfeiçoar a língua portuguesa.
O autor de "As cidades é as serras" usava "uma língua portuguesa limpa", disse, referindo a ironia de Eça e a crítica aos políticos.
É de Eça a ideia que ainda hoje subsiste de Portugal como um país distante no tempo, defendeu Reis Cabral.
- Aguiar-Branco
O presidente das Assembleia da República considerou hoje que Eça de Queiroz foi sobretudo um reformista com uma capacidade única de olhar o país, através de uma “escrita elegante e culta e de uma deliciosa ironia”.
Eça de Queiroz “foi um escritor, um grande escritor, mas foi muito mais do que um escritor. Foi, numa palavra, um reformista. E, naqueles tempos, reformista era insulto. Hoje, para uns tantos, não será muito diferente”, declarou o presidente do parlamento.
No seu discurso, José Pedro Aguiar-Branco começou por salientar a atualidade de Eça de Queiroz, assinalando que fala “de elites fascinadas com o estrangeiro e tantas vezes desligadas das vivências nacionais, de burgueses citadinos deslumbrados com o materialismo, de gente simples em serras abandonadas pelos círculos do poder, de jovens decididos a revolucionar o mundo que caem na resignação e no cinismo”.
“Fala-nos de burocracias que desesperam até os mais pacientes, e de políticos – imaginem - que lidam mal com as farpas da imprensa. Fala-nos de tudo isto e nós revemos tantas vezes na sua prosa os traços do nosso país, diferente em muitas coisas e parecido em tantas outras. Atrás de uma escrita elegante e culta e de uma deliciosa ironia, está uma capacidade única de olhar o país. Única e desapaixonada”, sustentou o antigo ministro social-democrata.
- Marcelo Rebelo de Sousa
O Presidente da República considerou hoje que poucos escritores portugueses estão tão vivos como Eça de Queiroz e defendeu que a trasladação dos seus restos mortais para o Panteão Nacional é um ato de justiça evidente.
"A maior homenagem a Eça será, sem dúvida, reeditá-lo, estudá-lo e, acima de tudo, lê-lo. Mas há atos de justiça, atos evidentes como esta transladação, mesmo não conhecendo as vontades do escritor sobre a matéria", afirmou o chefe de Estado.
No início da sua intervenção, Marcelo Rebelo de Sousa sustentou que, "ao contrário de uma célebre frase acerca do terramoto de Lisboa, não é suficiente enterrar os mortos e cuidar dos vivos", é preciso também "cuidar dos mortos, mesmo quando continuam vivos".
"E quantos escritores portugueses estão tão vivos como Eça de Queiroz? Vivos porque os lemos de facto, por oposição a termos lido em tempos por dever escolar, em oposição a serem apenas um vago nome de rua ou de jardim? Quantos serão esses mortos a quem damos vida porque ainda os lemos?", questionou.
Os "clássicos vivos", prosseguiu, "distinguem-se porque os seus livros nunca ficaram indisponíveis, têm a qualquer momento peças representadas, poemas antologiados e declamados, são objeto de traduções, trabalhos académicos".
Segundo o Presidente da República, entre eles estão "os trovadores, Gil Vicente, Sá de Miranda, Camões, Vieira, Garrett, Camilo, Eça, Antero, Cesário, Pessanha, Pessoa, poucos mais", a que acrescem "alguns contemporâneos temporalmente mais próximos, mas esses serão submetidos à prova dos séculos".
Marcelo Rebelo de Sousa reforçou a mensagem de que esta cerimónia constitui "um justo reconhecimento", mas que há que "cuidar sobretudo da obra de Eça – como faz a fundação, as editoras, a começar pela Imprensa Nacional, os críticos e os académicos, e a família".
A polémica até à trasladação
Em janeiro de 2021, a Assembleia da República aprovou por unanimidade um projeto de resolução do PS para "conceder honras de Panteão Nacional aos restos mortais de José Maria Eça de Queiroz, em reconhecimento e homenagem pela obra literária ímpar e determinante na história da literatura portuguesa".
No entanto, a seguir, um grupo de bisnetos de Eça de Queiroz começou por apresentar uma providência cautelar para impedir a trasladação dos restos mortais do escritor para o Panteão Nacional. Em 25 de janeiro de 2024, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) rejeitou o recurso dos seis bisnetos do escritor Eça de Queiroz, que contestavam a sua trasladação para o Panteão Nacional, permitindo que a homenagem apoiada pela maioria dos descendentes se concretizasse, decisão confirmada em diferentes recursos.
Eça de Queiroz morreu em 16 de agosto de 1900 e foi sepultado em Lisboa. Em setembro de 1989, os seus restos mortais foram transportados do Cemitério do Alto de São João, na capital, para um jazigo de família, no cemitério de Santa Cruz do Douro, em Baião.
Nascido na Póvoa de Varzim, distrito do Porto, em 1845, Eça foi autor de contos e romances, entre os quais "Os Maias", que gerações de críticos e investigadores na área da literatura consideram o melhor romance realista português do século XIX.
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