“Não posso permitir que este aproveitamento político absolutamente intolerável seja utilizado no atual quadro para penalizar a ação do Governo, contra o sr. primeiro ministro ou mesmo contra o Partido Socialista. Por isso mesmo, decidi pedir a exoneração das minhas funções de ministro da Administração Interna", declarou Eduardo Cabrita, numa conferência de imprensa sem direito a pergunta dos jornalistas.
O caso remete a 18 de junho de 2021, quando uma pessoa que fazia a manutenção da via morreu atropelada na autoestrada A6, na zona de Évora, num acidente que envolveu o carro que transportava Eduardo Cabrita.
“Como sabem, no dia 18 de junho, a viatura que me transportava foi vítima de um acidente no qual se viu envolvida e que tragicamente determinou a perda de uma vida. Mais do que ninguém lamento essa trágica perda irreparável”, começou por dizer o ministro demissionário, adiantando ter "solidariedade pela família da vítima”.
Hoje, de acordo com uma nota publicada na página da Internet do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Évora, o MP deduziu acusação, requerendo o julgamento por tribunal singular, contra um arguido, Marco Pontes, o condutor do veículo automóvel interveniente no acidente.
O MP imputa ao condutor, “a prática, em concurso, de um crime de homicídio por negligência e de duas contraordenações”, lê-se na nota. De acordo com o Observador, que teve acesso ao despacho de acusação, foi apurado que o carro seguia a 166 quilómetros por hora e que o motorista não teve uma “condução segura”, conduzindo sempre pela via da esquerda e não prevendo como possibilidade o “embate da viatura”.
Quanto à acusação, Eduardo Cabrita disse ter mantido o silêncio desde 18 de junho porque "seria sempre interpretado, qualquer que fosse a resposta, como uma interferência no processo”. Agora, conhecidos "os termos do despacho de acusação proferido pelo Ministério Público no âmbito desse inquérito", Cabrita permitiu-se a falar, até porque a investigação ter desembocado nesta acusação só reforça a sua "confiança no Estado de Direito”.
“Só a lealdade, só o tempo e as circunstâncias que enfrentávamos há seis meses, só a solidariedade do sr. primeiro ministro me determinaram a prosseguir o exercício destas funções durante este verão tão difícil”, lamentou Cabrita, dizendo que, desde o acidente que verificou "com grande sacrifício pessoal" e com "estupefação" o "aproveitamento político que foi feito de uma tragédia pessoal”.
Além de falar do caso, Cabrita começou a sua declaração fazendo um balanço laudatório da sua atuação como ministro, desde 2017, afirmando que assumiu funções como ministro da Administração Interna depois dos incêndios florestais desse ano que vitimaram mais de 100 pessoas, e “num contexto particularmente difícil” para o país.
“Desde então tenho trabalhado intensamente para assegurar que Portugal é um país seguro nas suas várias dimensões”, disse, dando conta dos resultados obtidos nos últimos quatro anos em matéria de incêndios e segurança.
Eduardo Cabrita destacou ainda a resposta dado à pandemia de covid-19 em que o Ministério da Administração Interna assumiu a responsabilidade das medidas do estado de emergência.
Eduardo Cabrita considerou o Ministério da Administração Interna um “ministério particularmente difícil e sujeito diariamente à incerteza e ao imprevisto”.
O ministro demissionário agradeceu a “solidariedade e o apoio pleno” do primeiro-ministro, além de ter dedicado “uma palavra especial” aos secretários de Estado com quem trabalhou ao longo destes seis anos e manifestado um “profundo reconhecimento” aos elementos das forças e serviços de segurança e estruturas de proteção civil.
“É com profunda convicção que desejo ao primeiro-ministro, António Costa, e a todo Governo as maiores felicidades e o maior sucesso na difícil missão que continuarão a desempenhar no controlo da pandemia, recuperação da economia e criação de condições para que Portugal tenha um quadro de governabilidade que permita formar um caminho mais justo e solidário”, disse.
Os antecendentes
Estas declarações foram feitas depois de, esta manhã, Cabrita ter dito ser apenas "um passageiro" no carro e denunciando o " "repugnante aproveitamento político de uma tragédia pessoal".
“Eu sou passageiro. É o Estado de direito a funcionar. Temos de confiar no Estado de direito, ninguém está acima da lei”, disse aos jornalistas.
Já em junho, no dia após o acidente, o Ministério da Administração Interna (MAI), que tutela a segurança rodoviária, esclareceu que não existia sinalização para alertar os condutores dos “trabalhos de limpeza em curso" na autoestrada A6, quando a viatura do ministro atropelou mortalmente o trabalhador.
Na altura o MAI referiu que o veículo “não sofreu qualquer despiste” e “circulava na faixa de rodagem, de onde nunca saiu, quando o trabalhador a atravessa”.
“O trabalhador atravessou a faixa de rodagem, próxima do separador central, apesar de os trabalhos de limpeza em curso estarem a decorrer na berma da autoestrada”, adiantou ainda o ministério.
Em 29 de junho, fonte da Brisa afirmou, em declarações à agência Lusa, que "a sinalização dos trabalhos de limpeza realizados na berma direita da A6 estava a ser cumprida", contrariando as explicações do MAI.
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