Este texto faz parte de uma série de três artigos sobre as razões do voto na segunda volta das eleições brasileiras. Sem ruído, pretende ouvir e espelhar o que motiva estes eleitores a votar nos candidatos Jair Bolsonaro ou Fernando Haddad ou a votar em branco ou nulo. Os testemunhos expressos são de eleitores a viver em Portugal e no Brasil e que aceitaram falar com o SAPO24.
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Fernando Haddad, 55 anos, foi o escolhido por Lula da Silva para encabeçar a lista do Partido dos Trabalhadores (PT) às presidenciais brasileiras. O nome do académico e advogado, que já foi ministro da Educação (2005-2012) e presidente da Câmara de São Paulo (2013-2016) foi avançado pelo partido no dia 11 de setembro deste ano, o último dia dado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ao PT para apresentar um substituto de Lula, a cumprir uma pena de 12 anos por corrupção no âmbito da Operação Lava Jato.
Antes, a candidatura do ex-presidente (2003-2011), considerado favorito caso fosse a votos, foi vetada pelo TSE com base na lei que proíbe alguém condenado em duas instâncias de concorrer a qualquer cargo eleitoral.
Com Haddad a cabeça de lista, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), aliado histórico do PT em eleições presidenciais, apontou a deputada estadual gaúcha Manuela D’Ávila como vice.
Na primeira volta, a 8 de outubro, Fernando Haddad confirmou as sondagens e ficou em segundo lugar na corrida, alcançando 29,28% dos votos.
Para a segunda volta, o candidato do PT teve o apoio declarado dos candidatos Guilherme Boulos (PSOL) e Marina Silva (Rede Sustentabilidade), que obtiveram, respetivamente, 0,58% e 1% dos votos na primeira volta.
Da primeira para a segunda volta, Lula perdeu espaço na campanha de Haddad. O principal slogan, “Haddad é Lula”, foi substituído por “Todos pelo Brasil” e a foto de capa do programa de Governo que mostrava um Haddad sorridente ladeado por Manuela e Lula foi substituída, num novo documento, por uma sem o ex-presidente. Também as cores da propaganda mudaram: o vermelho deu lugar às cores da bandeira brasileira.
Considerado por uns o plano B de Lula e um candidato pela continuidade dos planos do PT, Haddad é visto por outros como o preservador dos valores democráticos do Brasil. No entanto, entre as capacidades políticas do candidato há uma área que os eleitores destacam: a da Educação.
Martha, 28 anos, designer e empreendedora, vive no Rio de Janeiro
Na primeira volta votou em Ciro Gomes, agora votará em Haddad. A carioca com um negócio na área da restauração vegetariana considera o candidato do PT "um político sério, integro e preparado".
"Votaria em qualquer um que não fosse o Bolsonaro, mas uma vez que esse outro é o Haddad ainda mais confortável fico. Ele fez parte de um governo que fez as maiores transformações na Educação do meu país".
"Farei oposição [a Haddad] caso ache necessário, porém a Bolsonaro sei que nem direito a fazer oposição vou ter"
A eleição de Bolsonaro seria "uma das maiores tragédias" que consegue imaginar a acontecer no Brasil. "Ele representa um retrocesso dos direitos conquistados nos últimos anos", diz. Mais, Martha considera que a proposta de governo do candidato do PSL é a de um "governo anti-pobre", "de ódio às minorias" e "homofóbico".
Sobre se um governo de Haddad será de continuidade ou mudança, a designer diz não ser ingénua: "sei que é uma continuidade dos governos de Lula". E a esses tece algumas críticas, entre elas "o número reduzido de terras demarcadas para os indígenas", a "abominação que foi a copa do mundo" e "as alianças com partidos de direita, como o PMDB". Mas ainda assim, diz, "foram os governos de maiores avanços que o Brasil teve". Então, "ser uma continuidade do melhor que o Brasil já teve para mim não é um problema".
O que não quer dizer que Martha não prometa fazer oposição a um possível governo de Haddad. "Farei oposição [a Haddad] caso ache necessário, porém a Bolsonaro sei que nem direito a fazer oposição vou ter".
Jorginho, 40 anos, gestor na área do entretenimento, vive na Baía
Na primeira volta não conseguiu votar e justificou o voto — no Brasil o voto é obrigatório e a falta às urnas tem de ser justificada diante da Justiça Eleitoral.
Agora votará e deposita a sua confiança em Fernando Haddad. "Acredito muito no projeto", diz, esclarecendo de seguida que vota nos projetos dos partidos e não nos candidatos. Por isso, se lhe perguntássemos se Fernando Haddad está preparado para o cargo que pode vir a ocupar, Jorginho responderia: "Não, para já", mas que o partido está.
Sobre se Haddad é um candidato da mudança ou da continuidade, o baiano destaca que "pode ser de continuidade na área da Educação e nas áreas sociais".
"Hoje o brasileiro tem de aprender a votar não só no candidato mas também no seu vice"
Relativamente à candidatura de Jair Bolsonaro, Jorginho não vê nada de "real nas suas propostas" e destaca o "diálogo ancorado na fé religiosa", que considera não ser positivo. Diz ainda que o candidato se propõe a governar "para um nicho de pessoas" e que não "gera diálogo". O facto de Bolsonaro ser um militar na reserva e de ter como vice outro militar na reserva, o General Mourão, assusta-o. "Hoje o brasileiro tem de aprender a votar não só no candidato mas também no seu vice", diz.
Já no encerrar desta conversa, o nordestino deixa um comentário final a estas eleições, ao momento em que decorrem e ao candidato do PSL. "Hoje não podemos apenas olhar para os estados e para os países [individualmente], temos de olhar para o mundo. Uma ação dele [de Bolsonaro] pode refletir-se em Portugal. Uma ação dele vai refletir-se em todo o eixo sul-americano. E por isso Bolsonaro me assusta e não pode estar na frente do meu país".
Lucas, 24 anos, economista, vive em Minas Gerais
Vota agora em Fernando Haddad, mas não foi ele a sua primeira escolha. Na primeira volta votou em Marina Silva, da Rede Sustentabilidade.
E vota em Haddad porque vota contra Bolsonaro e "para que não haja um retrocesso no Brasil".
"Bolsonaro vai contra todos os princípios de uma sociedade mais igualitária, justa e socialmente viável. Então optei por votar no Haddad justamente contra o discurso de Bolsonaro".
"Voto em Haddad para que não haja um retrocesso no Brasil"
No programa do candidato do PT, Lucas destaca a área da Educação. "Mesmo que haja algumas críticas, o período em que [Haddad] foi ministro da Educação foi um período de avanços", diz. A educação básica como prioridade e a educação técnica e superior são as bandeiras que destaca.
Lucas diz, porém, que "vota em Haddad com algumas divergências". Essas diferenças não residem no perfil do candidato, assume, mas "na forma de governar que o PT impôs nos últimos anos".
Apesar de tudo, o mineiro acredita que Bolsonaro vai ganhar e que "não haverá tantas mudanças como propõe". "Porque o Brasil tem uma democracia consolidada", diz. As grandes mudanças serão, então, a nível económico, "na privatização das empresas estatais", e na colocação "de um viés religioso dentro da política brasileira".
Juliane, 27 anos, freelancer na área de multimédia, vive no Rio de Janeiro
Na primeira volta votou em Ciro Gomes, do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Agora, votará em Fernando Haddad.
"Não tenho essa carga antipetista [em referência ao Partidos dos Trabalhadores] que muita gente tem e que está gerando o crescimento do Bolsonaro", diz. "Vou votar no Haddad não só por oposição ferranha ao Bolsonaro, mas porque também acredito na capacidade dele como político e no seu programa de governo", continua.
Também a carioca elogia o trabalho de Haddad enquanto ministro da Educação. "Se for para escolher uma bandeira dele em que confio e ache que possa ser revolucionária, escolho a Educação".
"Não tenho essa carga antipetista que muita gente tem e que está gerando o crescimento do Bolsonaro"
Juliane fala ainda no clima de "polarização tóxica" que se vive hoje no Brasil. "Com as partes opostas se odiando o que se gera é um clima hostil", diz. E por isso, está convicta de que se o PT se tivesse afastado das urnas nestas eleições esse clima seria menor. "Se o PT se tivesse afastado nestas eleições, haveria menos chances de uma pessoa como o Bolsonaro chegar no lugar onde chegou e de ser o próximo presidente do Brasil".
E sobre estas eleições critica o caminho que eles tomaram. "Enquanto nas outras eleições discutíamos programas de governo, escolhas económicas mais liberais ou mais conservadoras, agora discutimos humanidade. Uma coisa que para mim já estava superada há muito tempo".
Ticiana, 36 anos, jornalista e mestranda, a viver em Portugal há dois anos
Também Ticiana votou em Ciro Gomes na primeira volta e agora votará no candidato do Partido dos Trabalhadores.
O voto da jornalista, que não exerce em Portugal, "é para derrotar Bolsoraro". "Gostaria de ter outra opção [que não Haddad], mas em Bolsonaro não voto de jeito nenhum". Para si, o candidato do PSL representa "um retrocesso".
"Gostaria de ter outra opção, mas em Bolsonaro não voto de jeito nenhum"
Sobre se Haddad é sinónimo de continuidade ou de mudança, Ticiana deseja que seja de continuidade "na luta pelas minorias", mas de quebra "em matéria da corrupção". Uma mudança no Brasil, diz, "não pode ser como Bolsonaro quer". "Ele quer fechar as portas às minorias", critica.
A estudante a viver em Portugal é do nordeste do Brasil, do Ceará, onde Haddad conseguiu a maior expressão eleitoral na primeira volta. Esse resultado é explicado, diz-nos, "pelas políticas assistencialistas do PT que favoreceram a região". "O Lula meio que olhou para o Nordeste, viu que era onde estava a população mais pobre e investiu. Por isso, vemos esse discurso todo de ódio em relação à região e temos medo que esses projetos acabem", explica.
Andrea, escritora, a viver há 5 anos em Portugal
"Não voto em Haddad, voto na democracia". A escritora da editora Quetzal diz-nos que "votaria em qualquer partido que estivesse do lado de lá"; o lado contrário ao de Bolsonaro, um candidato que afirma ser "antidemocrático".
Andrea esclarece o porquê de classificar o candidato do PSL dessa forma, dando como exemplo uma declaração que o candidato fez no passado domingo, 20, via chamada telefónica para uma manifestação em seu apoio que decorria em São Paulo. E cita Bolsonaro: "A faxina agora será muito mais ampla. Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora ou vão para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria". A declaração lembra à escritora um slogan da ditadura militar que vigorou no país entre 1964 e 1965: "Brasil ame-o ou deixei-o" .
"Não voto em Haddad, voto na democracia"
A escritora votará em Haddad, "o melhor ministro da Educação que o Brasil alguma vez teve", mas deixa uma crítica ao PT: este "deveria ter feito um mea-culpa, inclusive afastando membros logo que surgiram indícios de corrupção". "O PT foi muito importante para a redemocratização do Brasil, foi um partido em que todos nós depositámos uma esperança enquanto pilar da ética. E, de repente, ver o próprio PT se portar como os outros foi muito dececionante. Ele tinha de ter agido de uma maneira mais vincada contra os que praticavam corrupção".
Stefani, 29 anos, jornalista, a viver há dois anos em Portugal
A jornalista de cultura vota em Haddad. "Na verdade o meu voto é do Lula", adianta.
"Eu sou a prova viva de que o governo do PT trouxe benefícios para o Brasil. Antes do governo petista dificilmente teria tido as oportunidades que tive. Oportunidade de viajar, de estudar, de conseguir uma bolsa...", explica, fazendo questão de esclarecer que não é petista ou filiada no PT. E, por isso, diz que tem facilidade em assumir os erros do partido em questão. "Mas o Partido dos Trabalhadores sempre respeitou a democracia", remata.
"É estranho ter de comparar o Haddad ao Bolsonaro, estão a anos-luz. Até eu sou melhor que o Bolsonaro, até eu poderia ser melhor presidente"
Na sua análise, também Haddad tem feito uma autocrítica "não ao que foi feito de errado, mas ao que foi feito de ruim" pelo Partido dos Trabalhadores. Nomeadamente, diz, a nível macroeconómico. Por isso "a sua proposta é melhorar o que foi feito e fazer o que não foi".
A viver agora em Portugal, mas oriunda de São Paulo, Stefani elogia o mandato Haddad como prefeito da cidade, nomeadamente a nível ambiental e na mobilidade. Também elogia o trabalho na área da Educação: "só isso já seria suficiente para ter o meu voto".
"É estranho ter de comparar o Haddad ao Bolsonaro, estão a anos-luz. Até eu sou melhor que o Bolsonaro, até eu poderia ser melhor presidente", diz. E resume: "Estas são as eleições da democracia versus a ditadura. O que vai a votos são os seus direitos e a sua liberdade".
Os candidatos Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL) e Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT) irão defrontar-se este domingo, 28 de outubro, na segunda volta das eleições presidenciais brasileiras, onde 147 milhões de brasileiros decidirão quem será o sucessor de Michel Temer na Presidência do país. Nas últimas sondagens do Instituto DataFolha Bolsonaro aparece com 55% das intenções de voto enquanto Haddad tem 45%.
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