O sonho acabou. Ousseina, 15 anos, queria ser enfermeira. A frágil adolescente que vende ovos numa estrada perto da cidade de Maradi, no Níger, sabe que já não vai ter hipóteses de continuar os estudos e dar asas ao seu sonho. Tal como muitas meninas deste país da África Ocidental, Ousseina não tem outra opção senão casar-se muito cedo.
“O meu casamento já tem data marcada. Vai ser depois das colheitas, no fim de novembro”, conta a menina que queria ser enfermeira. O sonho foi anulado sete meses antes de Ousseina obter um certificado escolar que lhe iria permitir seguir os estudos.
Além de ser um dos países mais pobres do mundo, o Níger é também um dos países onde as mulheres têm piores condições de vida devido à tradição implacável de casamentos precoces e à imposição de grandes famílias, com muitos filhos. Tradições apoiadas pela maioria muçulmana.
Os esforços das Nações Unidas e de outros grupos que lutam pelos direitos humanos têm sido travados por uma resistência fervorosa. Muitos líderes religiosos condenam publicamente as campanhas de contraceção. Mesmo entre a população as razões para a exigência de uma idade mínima para casar (18 anos) são ignoradas.
Contra a vontade
Ir à escola é encarado como uma desculpa para fugir ao casamento. Apenas 4 em 10 meninas no Níger frequentam a escola primária, número reduzido para metade (2 em 10) nas que conseguem seguir para o ensino básico. Apenas 3 em 100 raparigas chegam ao ensino secundário.
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“As raparigas casam-se com 15 anos, ou até mais jovens, com homens muito mais velhos e contra a vontade delas”, lamenta uma parteira de uma aldeia a sul de Maradi. Mais uma vez as estatísticas da ONU sobre os casamentos forçados comprovam esta dura realidade: 30 por cento das meninas casam-se antes dos 15 anos e 75 por cento antes dos 18.
O casamento é visto por muitas famílias como uma solução económica. Num país em que 60 por cento da população vive abaixo da linha da pobreza, quanto mais cedo uma filha casar, menos uma boca para alimentar.
Uma luta sem resultados
O casamento precoce traz consigo problemas de saúde que podem comprometer para sempre a vida de uma mulher. O corpo de uma menina ainda não está preparado para uma gravidez, o que provoca várias complicações, como fístulas e lesões em órgãos. Quando nestas condições, muitas mulheres são abandonadas pelo marido e ficam à mercê de cuidados de saúde quase inexistentes nas zonas mais pobres.
Apesar de ter uma das taxas de natalidade mais altas do mundo - 7,6 filhos por mulher, impulsionada pelos casamentos precoces - o Níger tem também uma das taxas mais elevadas de mortalidade materna.
As Nações Unidas, através da Unicef, tentam lutar contra as estatísticas e melhorar a vida das meninas do Níger. Mas, após uma década de trabalho no terreno, os resultados são mínimos. Fatima Kako, responsável de uma organização não governamental que luta pelos direitos das mulheres, reconhece que “falta vontade política” no país para que algo mude. Mas culpa também as imposições culturais e religiosas que continuam a travar o livre arbítrio das mulheres.
“Hoje em dia uma mulher que apareça na televisão é considerada ordinária e irresponsável”, denuncia a ativista. “Mas vamos continuar a nossa luta pela liberdade das mulheres, não vamos desistir”, afirma Fatima Kako, esperando que nos próximos anos as meninas do Níger possam decidir por elas sobre o seu futuro.
com AFP
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