O segundo debate nas europeias foi uma espécie de três em um. De um lado, Catarina Martins, cabeça de lista pelo Bloco de Esquerda, que veio para este debate com o propósito claro de fazer pontaria ao Chega e ao seu cabeça de lista, António Tânger Correia. O propósito correu-lhe bem, mas faltou-lhe o alvo à altura da ambição porque o ex-embaixador, atual vice-presidente do Chega, manteve-se impassível aos ataques durante todo o debate, numa atitude que ficou patente logo desde o primeiro tema, imigração.

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O tema era propício ao confronto, mas Tânger Correia arrancou logo com uma frase que tem tanto de clara como de enigmática quando questionado sobre o posicionamento do Chega face à imigração e ao impacto que poderá ter tido em acontecimentos recentes, como o ataque a imigrantes no Bonfim, no Porto, na semana passada, ou o episódio com uma criança nepalesa que foi tornado público esta semana, em Lisboa.

“O discurso político é pontual e precisamos de imigrantes”, foi a frase de arranque do cabeça de lista do Chega, o que é em si mesmo duplamente ambíguo. Por pontual terá querido dizer circunstancial ou simplesmente oportunista? Ficou aberto à interpretação e Tânger Corrêa passou ao elogio dos emigrantes brasileiros – “uma emigração excelente” e que contribuiu para a “humanização” dos serviços em Portugal, seguindo para a defesa de uma política de “portas abertas, mas não escancaradas”. “Quando se abrem as portas de todas as formas entram os bons e os maus”.

A pergunta era sobre imigração em geral e ideias para gerir os movimentos migratórios em Portugal e na Europa, mas Catarina Martins, a quem coube a segunda intervenção, apontou baterias diretamente ao candidato do Chega.”A extrema direita é o maior problema da Europa”, elencou, recordando de seguida que o Mediterrâneo é ”a fronteira mais mortífera da Europa”. No que respeita a soluções, centrou-se na regularização dos imigrantes e na necessidade de uma unidade de missão que resolva a situação das “pessoas que vivem e trabalham em Portugal”.

Francisco Paupério, cabeça de lista do Livre, também não deixou passar a ideia das “portas escancaradas” em Portugal e na Europa. “Nunca houve portas escancaradas. Todos os imigrantes que chegam a Portugal têm de cumprir regras”, defendeu, acrescentando que “temos o dever de acolher estas pessoas”.

Pedro Fidalgo Marques, cabeça de lista do PAN que se estreou neste debate, entrou no debate a puxar, como se diz na gíria, a brasa ao impacto sobre portugueses. Quis alertar para a possibilidade de o Pacto das Migrações “poder afetar portugueses, inclusive na Europa”, mas a forma não terá sido a mais feliz. “Por exemplo, no verão, com barba e mais moreno posso ser detido na Suécia se não tiver documentos”.

No capítulo da felicidade em ilustrar situações, Tânger Correia não deu melhor continuidade. Referindo-se a uma visita recente à zona dos Anjos, em Lisboa, afirmou que as pessoas que encontrou em visitas a campos de refugiados “vivem melhor” do que aqueles que encontrou na capital portuguesa. Como o tempo conta ao minuto, o escrutínio necessário não se seguiu, pelo que os termos de comparação ficaram por ser clarificados. Ainda assim, num tema que tem sido bandeira do Chega, o que assistimos no debate desta noite foi a um cabeça de lista manifestamente mais moderado, que afirmou a necessidade da imigração, sublinhando apenas a necessidade de a equilibrar com as necessidades dos portugueses.

O tema seguinte foi a guerra na Ucrânia e, uma vez mais,  Catarina Martins foi a mais ideológica e a que mais procurou o confronto, nomeadamente contestando a  situação da Europa enquanto refém da política americana. “A UE não se apresentou como promotora de uma solução de paz sob a égide da ONU”, afirmou, acusando a Europa de eurocinismo e imputando a responsabilidade de promover uma conferência para a paz. Foi uma intervenção pautada pelo discurso contestatário de esquerda sobre a hegemonia americana, mas que deixou em branco a responsabilidade da Rússia no início de uma guerra não provocada.

Foi talvez o momento em que Tânger Correia esteve mais perto de responder diretamente a Catarina Martins, mas não passou de um aparte. O ex-embaixador falou de um “erro de cálculo fatal” de Putin e defendeu a integridade territorial da Ucrânia e uma cintura de segurança à Rússia. Este foi também o momento em que o cabeça de lista do Chega confessou que “ainda não percebeu” o que irá significar uma eventual vitória de Trump nas eleições americanas de novembro para a Ucrânia. “Por um lado, há interesses de empresas americanas na Ucrânia, como a Blackrock e a Monsanto, por outro pode escolher alinhar com Putin".

Francisco Paupério e Pedro Fidalgo Marques não desalinharam na ideia da defesa da Ucrânia, seja pela via do apoio com armas, seja pela via da diplomacia, mas sem tropas no terreno.

A Ucrânia era a ligação óbvia para discussão sobre a defesa na União Europeia e o debate voltou a ser uma espécie de matrioska, ou seja, um debate dentro de um debate, com Catarina Martins de novo a assumir o confronto com o Chega – “a extrema direita europeia recebe financiamento da Rússia”, apontou, enumerando os casos da Hungria, da Itália e da França. Mas Tânger Correia não estava lá para ela, mesmo que minutos antes tivesse também atirado que os “neonazis são marxistas porque vai dar tudo ao mesmo”. Mas sempre com um ar suficientemente desinteressado de quem está a falar para um qualquer outro interlocutor que não os que tem pela frente.

Este foi, aliás, um segmento particularmente singular em que Tânger Corrêa, por um lado, assumiu não estar preocupado com eventuais investidas de Putin na Europa porque o líder russo está “ocupado com a Ucrânia e não tem capacidade de ir mais para Ocidente”, ao mesmo tempo que invocou uma história, que assumiu não saber se era ou não verdadeira, sobre o Japão não ter invadido os Estados Unidos na 2ª Guerra Mundial “porque a população estava armada”. O que o faz defender mais investimento em forças militares.

O debate não acabou sem um piscar de olhos (ou uma farpa) de Catarina Martins a Francisco Paupério, a quem desafiou “a estar na esquerda em vez de nos Verdes”. O recém-estreante não se escusou à resposta: “O Livre está muito feliz nos Verdes europeus que defendem a democracia, o ambiente e os direitos humanos”.

Foi um debate entusiasmante para quem precisa de entusiasmo sobre a Europa? Não. Mas não deixou de ser esclarecedor das linhas que separam Livre e PAN e da mobilização nacional do BE versus o Chega.