O presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) alertou hoje para as consequências que uma eventual queda do Governo pode ter no funcionamento do tribunal por adiar reformas consideradas necessárias, apelando à “maturidade democrática” dos políticos.
“Confio que uma desejável maturidade democrática dos nossos dirigentes políticos evite que, entretanto, ocorra uma terceira dissolução da Assembleia da República num curto período temporal, a qual, a verificar-se, adiaria mais uma vez o tão necessitado conjunto de reformas na área da justiça e colocaria este Supremo Tribunal na inédita situação de não dispor de um número mínimo de juízes que assegurassem o seu regular funcionamento”, afirmou João Cura Mariano.
Num discurso proferido na cerimónia de tomada de posse de oito novos juízes conselheiros, o líder do Supremo considerou que o cenário de incerteza sobre a viabilização do próximo Orçamento do Estado e a perspetiva de novas eleições antecipadas com um eventual "chumbo" levaria a “um rude golpe na credibilidade das instituições democráticas, neste caso ferindo de morte o Supremo Tribunal de Justiça”.
João Cura Mariano salientou a pressão existente sobre o STJ relativamente à renovação constante do quadro de magistrados, ao equivaler a permanência nesta instância “ao tempo de vida de uma libelinha” ou a “um guichet de uma qualquer repartição pública” no qual os juízes apresentam o pedido de jubilação pouco depois de chegarem. Nesse sentido, anunciou que já enviou ao Governo uma proposta de alteração com vista ao “urgente rejuvenescimento”.
“Só poderá ser alcançado com uma urgente alteração legislativa às regras de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça que constam do Estatuto dos Magistrados Judiciais e, por isso, exigem a intervenção da Assembleia da República. Já foi entregue ao Governo um projeto que, através de um alargamento considerável do leque de concorrentes, permita que juízes das Relações com idades mais baixas possam ingressar nos quadros do Supremo”, frisou.
Cura Mariano disse que esta “situação de emergência” afeta a qualidade da jurisprudência e que o Governo encara a proposta de alteração “como uma prioridade urgente”, convertendo em breve numa proposta de lei a apresentar no parlamento.
O presidente do STJ defendeu ainda a revisão do regime de recursos, ao notar que os conselheiros gastam demasiado tempo com “tarefas próprias de um secretariado ou de um serviço de assessoria e a decidir questões desprovidas de uma relevância que justifique a sua intervenção”, apontando à adoção da execução das decisões após a análise da primeira instância e dos tribunais da Relação, também conhecida como ‘dupla conforme’.
“O ritmo das sociedades modernas não tolera que a resolução de um qualquer conflito aguarde a demorada tramitação e pronúncia de três instâncias distintas”, observou Cura Mariano, que referiu que o recurso ao STJ deve cingir-se à uniformização de jurisprudência divergente e a pronunciar-se em casos com “excecional relevo jurídico ou social”.
Entre os novos conselheiros no STJ estão Anabela Luna de Carvalho, Cristina Coelho, Teresa Albuquerque, Carlos Lobo, Rui Machado e Moura, Luís Teixeira, Jorge Raposo e Orlando Nascimento, o juiz que abandonou em 2020 a presidência do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) na sequência da Operação Lex por alegadas irregularidades na distribuição de processos e que continua sob investigação do Ministério Público no STJ.
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