Perto de Odessa, a terceira cidade da Ucrânia, em Ovidiopol, as três crianças estenderam um cordão na estrada e perguntam a quem passa passwords que só os ucranianos conseguem dizer, como “palynytsya” (uma espécie de pão doce) ou “Ukrzaliznytsya” (o nome da companhia estatal de comboios da Ucrânia, uma expressão “quase impossível” de dizer para quem só sabe falar russo).

Armado com uma kalashnikov descarregada fornecida por um militar que lhes levou “alguns doces”, para simular “mantimentos militares”, Ivan disse à Lusa que o sonho dos três é serem soldados e “guardiões da pátria”.

Num tempo de guerra, “em que não há nada para fazer”, até porque as aulas “são apenas online e por pouco tempo”, os três rapazes decidiram “brincar à defesa territorial”, equipas de civis militarizados que asseguram o controlo do território durante a guerra com a Rússia e desenvolvem missões equiparadas a tropas regulares.

Em redor de Ovidiopol, há quatro ‘checkpoints’ “e este é o quinto que dá para uma base secreta”, explicou à Lusa, entre sorrisos, o coronel Serhii Bratchuk, porta-voz do centro operacional militar e civil da região de Odessa.

“Estamos em guerra e eles estão a brincar e aprender como fazem os adultos”, explicou.

Junto ao fio estendido na estrada, está uma muralha construída com pneus e outros resíduos, à qual só falta a bandeira para ser semelhante à estrutura que os adultos colocam em milhares de locais na Ucrânia.

Quem quer passar por aquele descampado, além das palavras-chave, é sempre necessário repetir a senha e contrassenha que todos os ucranianos sabem de cor: “Slava Ukranii!” e “Heroem Slava”.

Visivelmente entusiasmados por poderem mostrar as suas competências de vigilância, cantaram, orgulhosos, ainda uma música patriótica, com referências nacionalistas: “Nosso pai é Bandera, a Ucrânia é uma mãe. Vamos lutar pela Ucrânia!”

Stepan Bandera é uma das figuras mais controversas da história da Ucrânia, recuperada pelo governo de Kiev e que é acusado pelos soviéticos de ter colaborado com os nazis na II Guerra Mundial, liderando muitos ucranianos ao lado dos alemães.

Mas Ivan não valoriza isso, visivelmente satisfeito por ter uma arma nas mãos, mesmo que descarregada.

“Estou disponível para fazer tudo pela Ucrânia”, diz. Logo a seguir, confidencia outra das razões para brincar aos soldados: “não há muito mais para fazer aqui”.