Esta terça-feira, dia três de janeiro, terceiro dia do novo ano, oficializou-se aquilo que já era do conhecimento de todos, aquilo que durante as últimas décadas pareceu impensável: Cristiano Ronaldo foi apresentado como jogador do Al-Nassr, um clube de futebol na Arábia Saudita.
Para que fique claro o uso da palavra "impensável", é importante sublinhar que este cenário foi rejeitado ao longo dos anos pelo próprio Ronaldo. Em 2015, em entrevista a Piers Morgan, disse: "Quero terminar a carreira num nível de topo, quero acabar com dignidade, num bom clube. Não quer dizer que ir para os Estados Unidos, Catar ou Dubai não seja bom, mas não me vejo a fazê-lo".
Na mais recente entrevista concedida a Piers Morgan, em que dá a sua versão do início de época turbulento no Manchester United, já esta temporada, e que faria com que não voltasse a Inglaterra, ao clube onde, durante a sua primeira passagem, venceu a sua primeira Bola de Ouro e a Liga dos Campeões, acrescentou que o dinheiro não era o que o motivava.
Estas declarações contrastam com o contrato que assina agora com o clube saudita. De acordo com a imprensa, Cristiano Ronaldo, com este contrato, ascende ao topo da lista dos atletas mais bem pagos em todo o mundo, ao auferir sensivelmente 200 milhões de euros (ME) anuais até junho de 2025, além de um prémio de assinatura de 100 ME.
Hoje, o mundo do futebol viu Cristiano Ronaldo como nunca tinha sido visto, numa pequena sala de imprensa a fazer declarações mais políticas do que desportivas e a justificar a ida para a liga saudita do que a assumir objetivos ao nível de uma carreira com cinco Bolas de Ouro, cinco Ligas dos Campeões, um Campeonato da Europa e títulos em três dos principais campeonatos de futebol do mundo.
Vimos Cristiano Ronaldo com um equipamento de uma marca desconhecida, num balneário rodeado de jogadores, ora desconhecidos ora a viverem os últimos anos de carreira. A única coisa que não mudou foi o facto de, durante a apresentação, ter um estádio cheio a cantar o seu nome.
Na conferência de imprensa, o jogador português disse que esta mudança não era o fim da sua carreira e que não estava preocupado com o que as pessoas dizem, afirmando que o "campeonato é muito competitivo", apesar de as pessoas não o saberem, facto que apurou depois de ter visto "muitos jogos".
Depois de ter revelado que rejeitou ofertas de Portugal, Estados Unidos, Brasil e Austrália, Ronaldo pareceu mesmo deixar de ser um futebolista para se assumir embaixador da Arábia Saudita: "O meu trabalho na Europa está feito, ganhei tudo, joguei nos melhores clubes. É um novo desafio, agradeço esta oportunidade. Para ajudar o futebol saudita, para ajudar gerações futuras, o futebol feminino".
"Vim para aqui para vencer, jogar, para ajudar ao sucesso do clube, do país", salientou.
Apesar do contrato do jogador português não ser conhecido ao pormenor, sabe-se que a elevada quantia pelo qual será pago nestas duas temporadas e meia não se cingem somente ao que Cristiano Ronaldo pode fazer dentro de campo. Parte da verba cobre compromissos relacionados com a presença em eventos e promoção do país saudita que quer usar a figura de um dos maiores rostos da história do desporto para projetar e promover o futebol no país. CR7 foi contratado tanto pelo Al-Nassr como pelo reino da Arábia Saudita, ou não tivesse a família real de Salman bin Abdulaziz fortes ligações ao clube.
Aqui, Ronaldo pode fazer história. Apesar do futebol parecer assumir-se como um pano branco, um liberalismo faz de conta, numa das mais brutais ditaduras, o português pode ser o ponto de partida para uma revolução do futebol do país e de todas as mudanças que com isso vierem - ou não. No entanto, tudo isto funciona num plano hipotético.
Temos o exemplo recente da China, que levou vários craques e treinadores de topo para o país, para levar o desporto para outro nível, e que teve mesmo a capacidade de não levar somente jogadores em fim de carreira para o seu campeonato, como foram os casos de Óscar ou Witsel, e não conseguiu captar a atenção da parte do globo onde se pratica o futebol de topo. E temos também aqui o paradoxo dentro do próprio país, uma vez que um consórcio formado pela PCP Capital Partners, a RB Sports & Media, e liderados pelo Public Investment Fund, fundo estatal administrado pelo governo da Arábia Saudita, preferiram investir milhares de milhões de euros no Newcastle, clube que milita na Premier League, do que no seu próprio país.
Depois de ter saído de forma polémica do Manchester United com uma entrevista sem 'panos na língua', assumindo um all-in no Campeonato do Mundo, que todos sabemos como acabou, Ronaldo volta a apostar tudo, agora de forma mais imprevisível e num papel que poderá causar estranheza ao comum adepto.
Cristiano Ronaldo vai ter de conviver com todas estas contradições, para além das suas. E também, a seu tempo, esclarecer os portugueses sobre como fica a sua posição na seleção nacional - publicamente disse que queria disputar o Euro 2024 - e se será o rosto de uma eventual candidatura da Arábia Saudita a acolher o Campeonato do Mundo de 2030, torneio para o qual Portugal tem uma candidatura conjunta com Espanha e Ucrânia.
Os esclarecimentos virão do relvado e do Ronaldo que virmos em ação, a já não tantos dias de completar 38 anos. Do embaixador e do jogador que vai ser. Do que vai ou não mudar.
Por agora, o jogador só nos deixou uma certeza: está pronto para se estrear já na quinta-feira.
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